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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc v.7 n.4 Lisboa dez. 2011

 

Falso Aneurisma Femoral Iatrogénico – Ainda uma indicação para a Cirurgia Convencional?*

 

Nelson Oliveira*, Emanuel Dias**, Lisa Borges***, Ricardo Lima****, Fernando Oliveira*****, Isabel Cássio******

Hospital do Divino Espírito Santo, EPE

Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular

(Directora: Dra. Isabel Cássio)

 

* 3ºAno do Internato Médico em Angiologia e Cirurgia Vascular

** 6º Ano do Internato Médico em Angiologia e Cirurgia Vascular

*** 2º Ano do Internato Médico em Angiologia e Cirurgia Vascular

**** Assistente Hospitalar de Angiologia e Cirurgia Vascular

***** Assistente Graduado de Angiologia e Cirurgia Vascular

****** Chefe de Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular

 

|RESUMO|

Introdução: Os Falsos Aneurismas (FA) são uma das complicações mais frequentemente associadas à punção femoral diagnóstica e de intervenção cardíaca. A sua abordagem terapêutica tem evoluído no sentido da preponderância das técnicas não invasivas sendo a Cirurgia Convencional cada vez menos frequentemente praticada.

Objectivos: Os autores propõem a propósito de um caso clínico, e através de uma revisão da literatura discutir a abordagem terapêutica dos FA e as indicações da Cirurgia Convencional.

Caso clínico: Doente de sessenta e um anos, sexo masculino, com antecedentes de hipertensão arterial, doença coronária com enfarte agudo do miocárdio prévio, miocardiopatia dilatada, fibrilhação auricular paroxística sendo portador de cardiodesfibrilhador. Foi submetido a cateterismo cardíaco por via femoral direita para ablação do Feixe de His, tendo sido referenciado ao Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular por desenvolvimento progressivo de massa pulsátil dolorosa acompanhada de hipostesia da face anterior da coxa. A Angiodinografia confirmou a presença de falso aneurisma da artéria femoral profunda direita com 3cm de maior diâmetro e a presença de uma fístula entre a artéria e a veia femorais superficiais direitas. Por abordagem cirúrgica aberta, foi realizada a exclusão do falso aneurisma e rafia da artéria e veia femorais superficiais.

Conclusão: A abordagem de primeira linha dos falsos aneurismas iatrogénicos pós cateterismo cardíaco é não invasiva mas a Cirurgia Convencional detém ainda um lugar primordial para um grupo restrito de doentes.

Palavras-chave: Falso aneurisma iatrogénico femoral, Cirurgia convencional

 

Iatrogenic femoral pseudoaneurysm – still an indication for conventional surgery?

|ABSTRACT|

Introduction: Pseudoaneurysms (PAN) are one of the most common complications of cardiac catheterization. Treatment has evolved towards a less invasive approach, reducing the number of Open repairs.

Objectives: The authors propose to discuss the contemporary management of PAN and the remaining indications for Conventional Surgical Repair based upon a case report.

Case Report: Sixty-one year old Caucasian male, with personal history of Hypertension, previous myocardial infarct, dilated myocardiopathy, paroxistic auricular fibrillation, with an implanted cardiodefibrillator, was submitted to His Bundle ablation by right femoral catheterization. He was referred because of the presence of a painful pulsating mass at the catheterization site. A color-Doppler confirmed the diagnosis of Pseudoaneurysm of the right Deep Femoral Artery with 3cm of diameter and the presence of an Arteriovenous Fistula between the superficial femoral vessels. The patient was treated in a Classic fashion, with exclusion of the pseudoaneurysm and repair of the superficial artery and vein.

Conclusion: First-line treatment for PAN remains non-invasive but Open Surgical repair is still an important alternative in the management of a restrict group of patients.

Key words: Iatrogenic femoral pseudoaneurysm, Open Surgical Repair

 

INTRODUÇÃO

Desde a introdução da angioplastia coronária transluminal percutânea (PTCA) em 1977 por Gruentzig et al. que se tem assistido a um aumento no número e na complexidade dos procedimentos percutâneos guiados por cateter[1].

Os Falsos aneurismas femorais (FA) são uma das complicações mais frequentemente associadas a essas intervenções. Definidos como uma ruptura contida, formando uma solução de continuidade entre o lúmen vascular e os tecidos envolventes com disrupção das três camadas da parede arterial, os FA ocorrem em circunstâncias restritas: após um cateterismo, associados a uma anastomose vascular entre a artéria nativa e um enxerto, associados a um traumatismo e por fim associados a infecção mural (FA micótico)[2].

Actualmente, a abordagem terapêutica de primeira linha dos FA associados à punção femoral é reconhecidamente não invasiva. Contudo, a Cirurgia Convencional detém ainda algumas indicações.

Os autores procuram a propósito de um caso clínico discutir a sua abordagem terapêutica e as indicações para Cirurgia Convencional.

 

CASO CLÍNICO

Doente de 61 anos, sexo masculino, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial, tabagismo, dislipidémia, doença coronária com enfarte agudo do miocárdio há 20 anos, miocardiopatia dilatada, bloqueio de ramo esquerdo, fibrilhação auricular paroxística, portador de cardiodesfibrilhador e estando hipocoagulado com um antagonista da Vitamina K com INR alvo de 2-3. Foi submetido a cateterismo cardíaco para ablação do Feixe de His por via transfemoral direita tendo sido referenciado ao Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular por aparecimento de massa pulsátil dolorosa na região inguinal direita 10 dias após o procedimento. A acompanhar as queixas álgicas, o doente referia hipostesia da face anterior da coxa.

À inspecção, observou-se uma massa inguinal direita com cerca de 4cm de maior diâmetro com área de hiperémia cutânea, sendo à palpação detectada a presença de pulsatilidade e expansibilidade, mas sem a presença de frémito. À auscultação, foi detectado um sopro holossitólico. O restante exame vascular dos membros confirmou a presença de todos os pulsos dos membros inferiores normais em amplitude, frequência e simetria. Ao exame neurológico foi constatada a presença de hipostesia da face anterior e interna da coxa direita.

A Angiodinografia revelou uma área hipoecogéncia de contorno ovóide com um diâmetro longitudinal de 30.4 mm por 21.8 mm de diâmetro sagital, sendo o seu contorno regular mas não sendo distinto um limite estrutural com o espaço tecidular circundante | FIGURA 1 |. Foi comprovado a presença de fluxo turbulento bidireccional no interior deste espaço sacular que se originava na artéria femoral profunda subjacente, relação esta feita por um colo curto e largo com 8mm de diâmetro.

 

| FIGURA 1 |

A) A Angiodinografia revelou uma área hipoecogéncia de contorno ovóide com um diâmetro longitudinal de 30.4 mm por 21.8 mm de diâmetro sagital, sendo o seu contorno regular mas não sendo distinto um limite estrutural com o espaço tecidular circundante.

B) "Yin-Yang signal".

C) Colo de FAN de 8 mm de diâmetro com origem na artéria femoral profunda subjacente.

D) E) Fluxo bidireccional equivalente ("to-and-fro").

F) Identificação de componente arterial no fluxo venoso femoral superficial proximal em relação com FAV.

 

Com o diagnóstico de FA da artéria femoral profunda direita associado a fístula entre a artéria e a veia femorais superficiais direitas, o doente foi submetido electivamente a uma abordagem cirúrgica clássica onde foi realizada a exclusão do falso aneurisma e rafia das lesões da artéria e veia femorais superficiais.

A evolução clínica foi favorável tendo o doente tido alta melhorado às 48 horas de internamento. Ao 30º dia após a intervenção, o doente encontrava-se assintomático, sem défices sensitivos, com todos os pulsos dos membros inferiores palpáveis, sem sopros audíveis e com a cicatriz cirúrgica encerrada.

 

DISCUSSÃO

O FA é uma das complicações mais frequentes dos cateterismos cardíacos, sendo a sua incidência de até 8%[3]. Contudo, diferenciando os cateterismos entre procedimentos diagnósticos e procedimentos terapêuticos, são reportadas incidências de 0,05 a 2% e de 2 a 6% respectivamente[2, 4]. Esta distinção reflecte as diferenças entre estes, no que diz respeito à duração e complexidade da intervenção. Além disso, nos procedimentos terapêuticos são utilizadas bainhas de maior perfil (8-12 Fr), cateterização arterial e venosa simultânea assim como se realiza uma hipocoagulação mais prolongada, sublinhando assim a importância destes factores no desenvolvimento dos FA. Um estudo revelou que a incidência de complicações vasculares nas cateterizações intervencionais era 5.2 vezes superior do que em cateterismos diagnósticos[5]. Contudo, o principal factor de risco é o erro técnico na punção (local de punção proximal ou distal à artéria femoral comum, múltiplas tentativas de punção) ou compressão pós-procedimento inadequada. Outros factores de risco identificados na literatura incluem a obesidade, hipertensão arterial, insuficiência renal crónica em hemodiálise, presença de doença aterosclerótica no local de punção com maior ou menor calcificação associada[6], a punção repetida no mesmo local, a idade acima dos 65 anos[7] ou ainda o género feminino[8].

O diagnóstico clínico baseia-se na identificação de uma massa pulsátil em relação com o local de punção e que se pode fazer acompanhar de um sopro audível ou frémito palpável. A sua distinção de um simples hematoma pode nem sempre ser feita clinicamente pelo que a ultrassonografia com Doppler colorido ocupa uma posição fulcral no algoritmo diagnóstico dos FA, apresentando uma sensibilidade e especificidade de 94 e 97% respectivamente[9]. A identificação ultrassonográfica de uma imagem hipoecogénica com presença de fluxo bidireccional («to-and-fro») é conclusiva [2]. Qualquer doente que se apresente com queixas álgicas desproporcionais ao expectável após o cateterismo deverá ser submetido a uma angiodinografia[2].

A apresentação clínica dos FA pelas suas complicações é comum, nomeadamente com a presença de sinais inflamatórios indiciando uma infecção subjacente, a presença de dor e perda sensitiva por compressão do nervo femoral, edema ipsilateral do membro por compressão e trombose venosa profunda e ainda mais raramente como síndrome compartimental, necrose cutânea e ruptura.

Alguns estudos procuraram clarificar a história natural dos FA através de um seguimento clínico e angiodinográfico. Kresowik et al verificaram que em 7 casos de FA com diâmetros de 1.3 a 3.5 cm todos apresentaram trombose espontânea às 4 semanas[10]. Outro estudo encontrou 89% de tromboses espontâneas em 72 doentes (n=82) com FA com um diâmetro inferior a 3cm, tendo o tempo médio decorrido até à trombose do FA sido de 23 dias[2, 17].

Baseando-se nestes resultados, muitos autores preconizam actualmente uma atitude inicialmente conservadora na abordagem dos FA de pequenas dimensões, definindo como limiar interventivo os 3 cm de diâmetro. Esta abordagem não é no entanto consensual e outros elementos devem também ser tidos em conta no processo decisivo. A angiodinografia permite uma caracterização do colo do FA no que diz respeito ao comprimento e largura assim como a caracterização velocimétrica do fluxo no seu interior. FA com colos curtos, com mais de 5 mm de diâmetro ou com fluxo com velocidades registadas acima de 100 cm/segundo têm uma menor taxa de trombose espontânea [11]. Para além das propriedades intrínsecas ao FA, outros factores interferem nesta evolução, sendo que a história natural dos FA na presença de terapêutica hipocoagulante ou de antiagregação plaquetária está associada a uma menor probabilidade de trombose espontânea[12].

A Cirurgia Convencional precoce foi o tratamento «gold-standard» até ao início dos anos 90[13]. Embora os pequenos FA pudessem ser apenas vigiados, a intervenção não era protelada além de alguns dias em FA de maiores dimensões e em doentes hipocoagulados[14]. As complicações potencialmente fatais dos FA eram tidas como justificação suficiente para esta abordagem invasiva[15]. Skillman et al especularam que perante o crescimento exponencial no número de cateterizações realizadas, o Cirurgião Vascular ver-se-ia certamente confrontado também com um incremento no número de reparações convencionais de FA[16]. Da estratégia cirúrgica constavam os mesmos princípios que regem a conduta habitual na Cirurgia Vascular Convencional com a obtenção de controlo proximal, (se necessário ao nível da artéria ilíaca externa) e controlo distal fazendo-se depois a abordagem directa do FA com reparação da lesão vascular (por intermédio de sutura primária, encerramento com «patch» ou com interposição de enxerto)[14, 16]. Lumsden et al[15] descreveram uma modificação minimizando a exposição anatómica ao abdicarem de um controlo vascular à distância, sendo este obtido por pressão digital directa sobre o ponto de ruptura da parede, procurando reduzir a morbilidade associada à intervenção.

A reparação cirúrgica convencional pode ser executada sob qualquer uma das modalidades anestésicas (local, locorregional ou geral). A opção por uma ou outra tem em conta a situação hemodinâmica do doente, a experiência institucional e a estratégia cirúrgica delineada, sem que a opção por um método anestésico local possa estar associado a uma redução do risco anestésico perioperatório.

No FA infectado, o objectivo passa por eliminar o foco de infecção assim como preservar a circulação distal. Assim, a estratégia terapêutica associa a antibioterapia prolongada (6 semanas, dirigida contra Staphylococcus aureus e Salmonella spp) à excisão do saco aneurismático. Perante a necessidade de reconstrução dos eixos vasculares com uma interposição de enxerto, este deve ser de material autólogo sempre que disponível e deverá ter um trajecto por tecidos não infectados[9].

O reconhecimento de que a Cirurgia Convencional não é desprovida de riscos num grupo de doentes com múltiplas comorbilidades levou ao longo das últimas duas décadas, a uma evolução na abordagem terapêutica dos FA no sentido da maior preponderância dos métodos menos invasivos. Apesar desta evolução do tratamento dos FA, restam ainda algumas indicações para a Cirurgia Convencional que incluem contraindicações absolutas para a utilização de métodos não cirúrgicos para o tratamento dos FA | TABELA 1 |.

 

| TABELA 1 | Indicações para a Abordagem Cirúrgica Convencional dos FA

 

Na literatura são reportadas como complicações mais frequentes da Cirurgia Convencional o hematoma / hemorragia da cicatriz cirúrgica, e a nevralgia femoral em até 30% das reparações[17]. Outras complicações menos frequentes incluem hemorragia retroperitoneal, infecção local ou sistémica, linforragia, edema do membro inferior, enfarte do miocárdio e raramente morte[15]. Lumsden reportou uma taxa global de complicações de 21%[15]. Garcia et al[18] estudaram a evolução de FA submetidos a correcção cirúrgica, tendo reportado uma incidência de 71% de complicações entre os doentes intervencionados. Contudo, estes autores incluíram entre as complicações a necessidade de suporte transfusional, o que permite obter uma incidência de 46% de complicações pós operatórias ao excluir este de entre as complicações cirúrgicas[18].

As incidências elevadas reportadas de complicações da Cirurgia Convencional estão relacionadas por um lado com as próprias indicações para este tipo de abordagem (FA com complicação na sua apresentação). Por outro lado, factores como a idade acima dos 70 anos, a utilização de terapêutica hipocoagulante ou antiagregante ou fibrinolítica, hipertensão arterial e fibrilhação auricular foram associados a morbilidade perioperatória[17], sendo a sua presença neste grupo de doentes frequente.

O tratamento actual dos FA evoluiu para uma supremacia das abordagens não cirúrgicas.

Fellmeth et al reportaram em 1991 a compressão guiada por ultrassonografia para tratamento dos FA[19]. Embora com taxas de sucesso técnico inicialmente reportadas de 75% a 98%, alguns estudos verificaram que em doentes sob terapêutica hipocoagulante, a taxa de trombose induzida era significativamente menor, na ordem dos 30 a 73%. Outro factor preditivo de insucesso desta técnica inclui a dimensão do FA sendo que para FA com 2cm de diâmetro máximo o sucesso técnico foi de 100%, comparativamente aos 67% para diâmetros acima dos 4 cm. Outra das desvantagens deste método refere-se a execução técnica que além de demorada, necessitando por vezes de vários ciclos de compressão que podem ultrapassar os 60 minutos ao todo, pode facilmente ultrapassar o limiar de tolerabilidade de dor do doente, podendo ser necessária a associação de uma sedação endovenosa ou outro tipo de anestesia durante o procedimento[2]. As principais vantagens incluem os custos reduzidos e a duração de internamento curta. As suas complicações são raras, e incluem a reacção vasovagal, necrose da pele, ruptura do FA e trombose venosa ou arterial. A taxa de recidiva reportada num estudo foi de 12.5%[2] o que combinado com uma taxa de sucesso modesta poderá não justificar o tempo dispendido e o desconforto provocado ao doente pelo procedimento[9]. Outras formas de compressão mecânica com eficácia similar à compressão manual ecoguiada foram propostas e que têm a particularidade de dispensar a intervenção do técnico ao longo da maior parte do procedimento[9].

A injecção de trombina guiada por ultrassonografia foi descrita em 1986 por Cope e Zeit[20], sendo actualmente a abordagem de escolha na prática clínica para o tratamento dos FA[2]. Comparativamente à compressão guiada por ultrassonografia, a injecção de trombina apresenta várias vantagens. A maior tolerabilidade pelo doente, uma demora média de alguns segundos até à trombose do FA (a formação de trombo é instantânea à medida que a trombina é injectada) e a possibilidade de se poder tratar FA acima do ligamento inguinal são os pontos mais atractivos deste método. A sua eficácia está documentada em múltiplos estudos, apresentando um sucesso técnico superior à compressão ecoguiada[21] que varia entre os 91 e 100%, mesmo em doentes sob terapêutica hipocoagulante[2, 21 - 25]. A taxa reportada de recorrência do FA nas 24-48 horas seguintes situa-se nos 2%[22] sendo a realização de um Ecodoppler de controlo indispensável. Estes FA recidivados são susceptíveis à repetição da injecção, o que não está associado a mais complicações e apresenta uma eficácia elevada[26]. As complicações de maior importância dizem respeito à libertação para o fluxo da artéria nativa de trombina, com trombose localizada consequente responsável por oclusão arterial, ou embolia distal. Estas complicações são mais frequentes em FA com colos curtos e largos[27]. Num conjunto de 1329 FA tratados por injecção de trombina, ocorreram 17 complicações das quais 7 embólicas.

Uma actualização de uma metanálise publicada pela Cochrane Collaboration de 2009 concluiu não haver ainda evidências suficientes para suportar a superioridade da injecção de trombina ecoguiada comparativamente à compressão guiada por ecografia[3]. Baseando-se em apenas 2 estudos controlados randomizados comparando ambos os métodos, os autores concluem que a compressão ecoguiada deve ser de primeira linha estando a injecção de trombina reservada aos casos de falência da compressão ecoguiada.

O envolvimento da Cirurgia Endovascular é mais recente no tratamento dos FA. A embolização por coils permite obliterar o interior do FA lentificando o fluxo sanguíneo e portanto promovendo a sua trombose. O acesso pode ser obtido por punção directa ou através do eixo femoral contralateral. As principais desvantagens apontadas a este método incluem a possibilidade dos coils poderem actuar como um foco infeccioso ou ainda provocar a ruptura de uma estrutura que é desprovida de uma verdadeira parede pelo aumento de pressão no seu interior ou ainda poder impedir a regressão natural de uma cavidade por estar preenchida de material inerte. A embolização distal pode ser prevenida através da oclusão do colo do FA por balão[9]. A utilização de próteses endovasculares cobertas tem sido proposta por alguns autores de forma cautelosa. As principais contraindicações são a presença de tortuosidade extrema do eixo ilíaco assim como o envolvimento da bifurcação femoral. Num estudo com 29 doentes, foram tratados com sucesso 26 (16 FA, 9 Fístulas arteriovenosas e 1 lesão combinada). Foram verificadas 2 intercorrências major precoces (o desenvolvimento de um 2º FA no local de punção e a trombose precoce de um stent com necessidade de trombólise que provocou uma hemorragia subdural). Ao final de 1 ano de seguimento, foram reportadas 4 oclusões (17%) (3 da Artéria Femoral Superficial e 1 da Artéria Femoral Profunda)[28]. As principais desvantagens deste método dizem respeito ao impedimento da utilização daquele eixo femoral em futuros cateterismos se necessário assim como não serem conhecidos os resultados a longo prazo[28]. Adicionalmente, a relação anatómica da Artéria Femoral Comum com uma articulação com grande amplitude de movimentos e por outro lado a necessidade de preservação da Artéria Femoral Profunda constituem as principais adversidades à generalização desta modalidade terapêutica[9], podendo contudo ter um papel em casos seleccionados.

Outros métodos de tratamento foram também reportados. A compressão ecoguiada de um coil Inconel (parcialmente inserido no FA por punção ecoguiada) foi associado a uma redução do tempo de compressão, sendo que o coil é removido após a trombose do FA[29]. A injecção percutânea de colagénio por via femoral contralateral apresenta como principal vantagem um menor risco de migração do colagénio pelo colo do FA em comparação com a injecção de trombina ecoguiada. Este facto é devido às suas propriedades físicas que lhe conferem uma maior estabilidade. Contudo, não dispensa a cateterização femoral contralateral, o que não acontece com a injecção de trombina. A injecção para-aneurismática de solução salina provocando a trombose do FA por compressão do volume de soro foi eficaz em 6 casos, sendo a principal vantagem a atribur a este método a total reabsorção subsequente da solução salina[17]. Contudo, a pouca experiência e reprodutibilidade em comparação com os restantes métodos não permite ainda enquadrar estas técnicas fora do campo da investigação clínica.

Vários algoritmos de tratamento foram propostos ao longo do tempo tendo evoluído no sentido da maior preponderância dos métodos menos invasivos de acordo com as últimas evidências. Da reunião destas, é possível elaborar um algoritmo terapêutico actualizado | FIGURA 2 |. Contudo, perante o reduzido número de estudos controlados randomizados, não foi obtido ainda um consenso, quer no que diz respeito ao tratamento de primeira linha, quer ao seguimento destes doentes. No entanto, alguns princípios podem ser adoptados: FA com menos de 2 cm de diâmetro ou 6 cm3 de volume podem ser tratados conservadoramente, com uma vigilância clínica e angiodinográfica regular. O insucesso repetido da injecção de trombina guiada por ecografia deve levantar obrigatoriamente a suspeita de que a lesão vascular é mais extensa, estando indicado o tratamento cirúrgico convencional. O tratamento cirúrgico convencional de um FA com um colo largo (superior a 8 mm) ou associado a fístula arteriovenosa deverá ser preferencialmente por Cirurgia Convencional[30].

 

| FIGURA 2 | Algoritmo terapêutico.

 

 

CONCLUSÃO

O incremento exponencial no número de cateterismos torna o FA uma entidade com que o Cirurgião Vascular se confrontará com uma frequência crescente no futuro. As evidências apontam para que a injecção ecoguiada de trombina se venha a tornar como a abordagem de primeira linha dos FA. Contudo, a Cirurgia Convencional é ainda uma importante e necessária estratégia terapêutica para um grupo restrito de doentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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*Apresentado sob a forma de Poster no XI Congresso Anual da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular – Viseu 23-25 de Junho 2011

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