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versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. v.5 n.1 Santa Maria da Feira jan. 2009

 

Cultura e imagem corporal

D. Alves, M. Pinto, S. Alves, A. Mota, V. Leirós 1

 

O presente artigo tem como objectivo tratar a relação existente entre cultura e imagem corporal. Pretendemos saber de que forma é que os factores socioculturais influenciam a maior ou menor satisfação com a imagem física. A ênfase é dada à cultura ocidental, cujos principais “representantes” são os Estados Unidos da América e a Europa, uma vez que, principalmente através dos media, os seus valores chegam a toda a parte do mundo, influenciando, mesmo, as demais culturas. Nesta perspectiva, ao longo do artigo, é retratada uma verdadeira “cultura do magro” que, atendendo às investigações até agora realizadas, apontam o sexo feminino como a principal “vítima”. Todavia, é cada vez mais evidente que a insatisfação corporal é uma realidade para ambos os sexos e um resultado directo do não enquadramento em padrões estético-culturais.

Palavras-chave: Cultura, cultura ocidental, padrões culturais, imagem corporal, ideais de beleza, diferenças entre sexos

 

Culture and body image

The present study aims to investigate the relationship between culture and body image. We intend to know how socio-cultural factors influence the levels of satisfaction with body image. The emphasis is given to the cultural values as represented by the sociocultural norms of societies such as the United States of America and Europe. It is argued that through the media, the values of these industrialized societies are dissipated throughout the world provoking cultural changes and uniformization of behavioural standards. From the literature review, it is possible to conclude that body dissatisfaction is a reality to both sexes and a direct result of the non-conformity to cultural-esthetical patterns promoted by the profit-oriented societies.

Key words: Culture, occidental culture, cultural patterns, body image, beauty ideals, differences between sexes

 

Ao longo da História, foi sempre evidente a importância decisiva da cultura enquanto reguladora do comportamento humano. Com efeito, dado que o indivíduo é socializado no seio de uma cultura determinada, é inevitável e perfeitamente compreensível que o mesmo partilhe e interiorize um conjunto de atitudes, crenças, valores e comportamentos, que são transmitidos de geração em geração e comuns a todos os indivíduos dessa sociedade (cultura). Consequentemente, o indivíduo molda as suas acções em função daquilo que é “normal” e aceitável no seu meio social, na procura incessante de preencher os requisitos exigidos pela cultura à qual pertence.

Atendendo ao facto de, na actualidade, sobretudo nas sociedades ocidentais, estarmos a assistir a uma verdadeira divinização do corpo belo e, partindo da evidência de que a concepção de beleza difere de acordo com a etnia/sociedade de pertença, é nosso objectivo descobrir de que forma é que os factores socioculturais influenciam a imagem que os indivíduos têm do próprio corpo. De facto, Frost (2005) concluiu que construir a aparência é uma parte inevitável da produção de uma identidade a sociedade capitalista insinua sonhos e desejos de corpos perfeitos e de beleza perfeita.

Segundo Adami, Fernandes, Frainer e Oliveira (2005), a imagem corporal é um complexo fenómeno humano que envolve aspectos cognitivos, afectivos, sociais/culturais e motores. Está intrinsecamente associada com o conceito de si próprio e é influenciável pelas dinâmicas interacções entre o ser e o meio em que vive. O seu processo de construção/desenvolvimento está associado às concepções determinantes da cultura e sociedade. Efectivamente, o ideal de estética corporal foi sofrendo alterações à medida que os valores, normas e comportamentos foram mudando. É compreensível que, no seio de uma cultura que valoriza, acerrimamente, a magreza, uma verdadeira “cultura do magro” (nomeadamente a cultura ocidental), se procure atingir esse ideal de beleza. Quando tal não acontece, entra-se em situação de insatisfação corporal, a qual, segundo Warren, Gleaves, Benito, Fernandez e Ruiz (2005) consiste numa “avaliação subjectiva negativa da aparência física”, o que terá, inevitavelmente, repercussões a nível psicológico.

Com vista a alcançar uma efectiva satisfação com a imagem do corpo, isto é, corresponder aos ideais estéticos da cultura de pertença, recorre-se a dietas, ao exercício físico exagerado, ao uso de diuréticos, laxantes, entre outros. De acordo com Morgan, Vecchiatti e Negrão (2002), tais comportamentos redundam, cada vez em maior número, no desenvolvimento de transtornos alimentares, como a anorexia e bulimia nervosas, as verdadeiras doenças dos países industrializados e, cada vez mais, dos países em desenvolvimento, dado o fenómeno contemporâneo da globalização, urbanização e o papel central dos media. Com efeito, os mesmos autores referem que “a urbanização levaria a uma maior exposição ao ideal de magreza através dos media, além de propiciar mudanças de hábitos alimentares (ex., “fast-food”), sedentarismo e um maior número de pessoas com sobrepeso e obesidade” (p. 21).

Segundo Vilela, Lamounier, Filho, Neto e Horta (2004), “a anorexia nervosa consiste numa distorção da imagem corporal onde os indivíduos não se percebem magros mas sempre gordos, continuando a restringir as suas refeições de uma maneira ritualizada”, apesar da magreza extrema. Na bulimia, os doentes mantêm o peso próximo do normal, alternando crises de hiperfagia com vómitos auto-induzidos.

Todavia, numa sociedade onde vigoram hábitos alimentares muito pouco saudáveis (cujo exemplo principal são os Estados Unidos da América, com a fast food, que se espalhou por todo o mundo), é evidente a falta de vontade de muitos para se submeter a tais ideais de magreza, entregando-se ao prazer de comer, sem quaisquer regras ou limites. Consequentemente, desenvolve-se a obesidade, a qual é considerada uma doença, caracterizada por um excesso de tecido corporal gorduroso, que provoca ou acelera o desenvolvimento de várias doenças, principalmente cardiovasculares (hipertensão alta, colesterol, …) e que causa a morte precoce (Ballone, 2003). Nesta perspectiva, podemos considerar que na sociedade capitalista subsistem duas situações antagónicas: por um lado, a anorexia, caracterizada pela “negação” excessiva da satisfação da necessidade biológica da ingestão de alimentos e, por outro lado, a obesidade, cuja característica principal é a “aceitação” da satisfação dessa mesma necessidade, de uma forma contínua e abusiva. Com efeito, segundo Bordo (1993), uma disciplina excessiva pode resultar em anorexia e o desejo excessivo reflecte-se em obesidade. No caso da bulimia, experienciam-se as duas formas de excesso. Assim, ao mesmo tempo que os consumidores têm à sua disposição a fast food, é cada vez mais evidente a invasão dos mercados pelos produtos light, os quais são vistos como verdadeiros “salvadores” da estética corporal, uma forma segura e credível de alcançar um corpo magro. Pode, então, dizer-se que esses produtos estão ao “serviço” da cultura ocidental, aparecendo no mercado como consequência directa dos valores economicistas promovidos pela mesma.

De facto, no ocidente, ser magra significa ter competência, sucesso e ser atraente sexualmente. Vive-se uma verdadeira sobrevalorização das qualidades físicas em detrimento das psicológicas/cognitivas. “Vindo ao encontro destes valores, as dietas restritivas e cirurgias plásticas transmitem a ilusão de que o corpo é infinitamente maleável. [Todavia,] uma vez que o ideal de beleza proposto é uma impossibilidade biológica [e mesmo psicológica] para a maioria das mulheres, a insatisfação corporal tem-se tornado cada vez mais comum” (Morgan et al., 2002, p. 20).

Por sua vez, Labre (2002) investigou o ideal de beleza nos homens e concluiu que existe uma tendência para o padrão cultural musculoso com elevado grau de hipertrofia e níveis baixíssimos de gordura, o que hoje é chamado de definição muscular.

De acordo com Novaes (2005), “(…) o novo paradigma cultural da contem-poraneidade [consiste no] dever moral de ser bela [/belo] como um adicional aos padrões estéticos de beleza que sempre existiram ao longo da história” (p. 1). Todavia, os padrões de beleza desejados são modificados a cada época. No passado, durante muito tempo, mulheres bonitas tinham formas arredondadas. Contrariamente, na actualidade e nomeadamente na cultura ocidental, o conceito de beleza está associado à juventude, corpo magro e atractivo para as mulheres; e, corpo volumoso e musculado para os homens.

A fim de alcançar os ideais de beleza, que não podem ser conseguidos apenas por redução de peso, as mulheres têm recorrido, cada vez mais, a formas mais radicais de modificação corporal, nomeadamente cirurgia estética. O crescimento deste tipo de cirurgia reflecte a crença popular na sua habilidade, não só para corrigir a deformação ou desviância corporal, mas também para “curar” e restabelecer a mente afectada pela estigmatização corporal. De facto, segundo Gilman (1998), a cirurgia estética é uma verdadeira psicoterapia.

Nesta perspectiva, objectivamos caracterizar a relação entre cultura e imagem corporal, à luz da revisão da literatura, com vista à obtenção de uma compreensão mais holística dessa relação, a qual, actualmente, assume maior evidência, devido ao desenvolvimento crescente de transtornos alimentares.

Os objectivos do presente trabalho são apresentar uma revisão da literatura sobre a relação entre cultura e imagem corporal. Para o efeito a apresentação de informação recolhida será feita nos moldes semelhantes, mas não exactos do que se pretende verificar na bibliografia anotada. Julgamos que esta estratégia dos estudos nos permitirá apresentar de forma mais clara uma síntese conclusiva do que está expresso na literatura da especialidade.

 

Metodologia

O nosso trabalho baseou-se na leitura e análise de trinta e quatro artigos científicos, subordinados ao tema “satisfação corporal e cultura”, publicados a partir do ano 2000.

A nossa pesquisa foi feita em contexto de biblioteca, nomeadamente na Internet, com recurso aos seguintes motores de busca: www.b-on.pt; www.scielo.br; www.google.pt (scholar). Utilizámos diferentes expressões, tais como, “factores socioculturais e imagem corporal”, “cultura e satisfação corporal”, “body image and culture” (…) para aceder aos artigos.

Apesar de ser um tema muito actual, tivemos dificuldade em encontrar artigos em português de Portugal. Com efeito, a grande maioria está em inglês ou em português do Brasil. Consequentemente, a principal dificuldade com que nos deparámos foi, efectivamente, a compreensão dos artigos em língua inglesa, dada a grande extensão de quase todos, assim como o nosso pouco à vontade para traduzir informação de teor científico, com grande grau de certeza. Infelizmente, estamos de acordo com Vasconcelos Raposo (comunicação pessoal) ao afirmar que a academia portuguesa tende a promover a produção científica em língua inglesa negligenciando a necessidade de formação dos alunos que frequentam, actualmente, o ensino superior em Portugal.

 

Resultados

Vilela et al. (2004) elaboraram um estudo intitulado “Transtornos alimentares em escolares”, com o objectivo de investigar a frequência de possíveis transtornos alimentares em 1807 estudantes (887 do sexo masculino e 920 do sexo feminino), com idades compreendidas entre os 7 e 19 anos, de seis cidades do interior de Minas Gerais (Brasil). Concluíram que mais de metade da amostra estava insatisfeita com a sua imagem corporal (59% dos estudantes) e praticavam actividade física com o objectivo de perder peso (56%). Apesar da presença dos transtornos ter sido significativamente maior no sexo feminino, foi evidente uma alta prevalência também no sexo masculino, o que os levou a constatar que esses têm aumentado nos homens, nos últimos anos. Do mesmo modo, o maior número de desordens alimentares situa-se na faixa etária entre os 11-16 anos. Assim, este estudo revela uma alta prevalência de possíveis transtornos alimentares na população estudada (adolescentes), assim como, comportamentos alimentares inadequados, principalmente no sexo feminino.

Conti, Frutuoso e Gambardella (2005) elaboraram um estudo denominado “Excesso de Peso e Insatisfação Corporal em Adolescentes”, objectivando investigar a associação entre excesso de peso e insatisfação com a imagem do corpo. Utilizaram uma amostra de 147 adolescentes de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 10 e 14 anos. Através da aplicação do teste qui-quadrado constataram que, efectivamente, havia uma associação entre excesso de peso e insatisfação corporal, uma vez que os adolescentes com baixo peso apresentavam uma satisfação corporal média, enquanto os de peso normal apresentavam alta satisfação e os de sobrepeso estão insatisfeitos com o seu corpo. Concluíram, ainda, que havia maior nível de insatisfação no sexo feminino relativamente ao masculino.

Russo (2005), com o objectivo de identificar distorções da imagem corporal em estudantes de Educação Física, realizou um estudo intitulado “Imagem corporal: Construção através da cultura do belo”, utilizando uma amostra de 102 estudantes (55 do sexo masculino e 47 do sexo feminino), com idades compreendidas entre os 18 e os 32 anos. Concluiu que existem determinados padrões de estética corporal aos quais os indivíduos pretendem corresponder e a não correspondência a esses padrões leva a excessivas preocupações quanto ao modo como irão atingi-los. No caso do sexo feminino, a visão distorcida do tamanho do corpo leva a comportamentos também distorcidos, tais como, jejum, provocação de vómitos, uso de laxantes e diuréticos, assim como, ao sentimento de vergonha da exposição do seu corpo, abstendo-se de práticas de lazer, como por exemplo, ir à piscina. No caso do sexo masculino, apresentam uma preocupação exagerada em ficarem fortes e, apesar de em muitos casos possuírem já um corpo musculado, continuam a ter uma visão distorcida da sua imagem, considerando-se fracos e esqueléticos, passando horas no ginásio: vigorexia – patologia emocional, mais comum em homens, que se caracteriza por uma preocupação excessiva em ficar forte a todo o custo (Ballone, 2004). A vergonha do próprio corpo leva-os, muitas vezes, a recorrer a “fórmulas mágicas”, tais como, anabolizantes. Assim, verificou que, efectivamente, a insatisfação corporal é uma realidade para ambos os sexos e que essa insatisfação deriva de perspectivas/ideais diferentes, de acordo com o género.

Dohnt e Tiggemann (2006), num trabalho de investigação denominado “Body image concerns in young girls: The role of peers and media prior to adolescence” (“A imagem corporal em crianças do sexo feminino: o papel dos pares e dos media”), objectivaram investigar a influência dos pares e dos media na percepção da imagem corporal, utilizando uma amostra de 128 meninas, entre os 5 e os 8 anos. Concluíram que, por volta dos seis anos, um grande número de meninas já deseja aceder a um ideal de magreza. O grupo de pares e os media desempenham um papel preponderante na imagem que desejam obter, bem como no conhecimento que dispõem acerca de práticas de dieta. Com efeito, constataram que a imagem que os pares têm do seu corpo induz a imagem que as meninas têm de si mesmas e que a televisão e revistas funcionam como meios de aprender técnicas de emagrecimento. Do mesmo modo, as mulheres “esculturais” que nelas aparecem, suscitam maior insatisfação com o próprio corpo.

Pelican et al. (2005) realizaram um estudo intitulado “The power of others to shape our identity: Body image, physical abilities and body weight” (“O poder dos outros para moldar a nossa identidade: imagem do corpo, habilidades físicas e peso corporal”), com o objectivo de investigar esse mesmo efeito. Utilizaram uma amostra de 103 adultos (57 homens e 46 mulheres). Os resultados do estudo evidenciaram que alguns adultos sentiam-se “fortalecidos” pelos outros, devido ao facto destes os ajudarem a alcançar uma imagem corporal satisfatória (por exemplo, um treinador desportivo) e outros sentiam-se “embaraçados” relativamente a comentários que outras pessoas teciam em relação ao seu corpo. Assim, constataram que a forma como os outros percepcionam e fazem reparos sobre o seu corpo, influencia a imagem que têm de si próprios, a sua auto-estima, e ainda, a procura (ou não) de estilos de vida mais saudáveis, o que, consequentemente, redundará num peso corporal mais satisfatório a nível pessoal e social.

Casanova (2004) elaborou um estudo intitulado ““No ugly women” – Concepts of race and beauty among adolescent women in Ecuador” (“Não há mulheres feias – Conceitos de raça e beleza em adolescentes Equatorianas do sexo feminino”), com o objectivo de investigar a relação entre raça/classe de pertença, corpo e beleza como motivo de conflito e negociação diária entre as mulheres de descendência latina. Utilizou como amostra 81 adolescentes do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos, recrutadas de dois colégios de níveis socio-económicos diferentes, um de classe baixa e outro de classe média. Concluiu que a classe de pertença é um factor determinante para o auto-conceito, mas não tem um efeito significativo nos ideais pessoais de beleza. Com efeito, devido à condição de pobreza em que vivem e à sua aparência “não branca”, as estudantes do colégio de classe baixa sentiam-se inferiorizadas. Todavia, uma das estudantes afirmou aquilo que o autor concluiu ser a realidade do Equador: “No hay mujer fea, sino mujer sin plata” (p. 302) – “Não há mulher feia, somente mulher sem dinheiro”, ou seja, há uma sobrevalorização dos aspectos económicos em detrimento de aspectos corporais/estéticos.

Dyl, Kittler, Phillips e Hunt (2006) elaboraram um estudo intitulado “Body dysmorphic disorder and other clinically significant body image concerns in adolescent psychiatric inpatients: Prevalence and clinical characteristics” (“Desordem do corpo dismorfo e outras preocupações clinicamente significativas com a imagem corporal, em doentes psiquiátricos adolescentes: Prevalência e características clínicas”). Objectivaram avaliar a prevalência da desordem do corpo dismorfo (BDDBody Dismorphic Disorder, “a DSM-IV somatoform disorder”, caracterizada por uma preocupação excessiva e amargurante, subsequente a defeitos imaginados ou insignificantes na aparência (p. 2), assim como, de desordens/transtornos alimentares (ED – Eating Disorders) e de outras preocupações clinicamente significativas, relativas à imagem corporal, em adolescentes portadores de doença psiquiátrica. Os autores visaram, ainda, comparar determinadas características clínicas, nomeadamente, comportamentos/pensa-mentos suicidas, depressão, ansiedade, stress pós-traumático (PTSD – post-traumatic stress disorder), dissociação e preocupações sexuais, em pacientes com BDD, com desordens alimentares ou outra preocupação com a imagem corporal, relativamente a outros doentes que não apresentavam preocupações significativas com a auto-imagem. Utilizaram como amostra 208 adolescentes (130 raparigas e 78 rapazes), com idades compreendidas entre os 12-17 anos, cuja média foi de 14,8 anos, recrutados de um hospital regional de psiquiatria para crianças. Neste estudo os autores apuraram que 6,7% dos participantes apresentavam a desordem do corpo dismorfo (BDD), 3,8% revelaram sintomas de transtornos alimentares (ET) e 22,1% apresentaram preocupações clinicamente significativas com a forma/peso corporal (SWC – significant shape/weight concerns). Os grupos com BDD e SWC apresentaram níveis de ansiedade e de pensamentos suicidas superiores relativamente ao grupo de doentes que não apresentava qualquer preocupação com a sua imagem corporal (“no BDD, ET, SWC group”). Da mesma forma, os grupos com BDD, ET e SWC apresentaram níveis de depressão superiores. O grupo SWC apresentou valores mais elevados de stress pós-traumático (PTSD), de dissociação e preocupações sexuais do que os restantes grupos. Os resultados encontrados permitiram concluir que uma grande fracção dos participantes apresentava preocupações clinicamente significativas com a imagem corporal. Tais preocupações/desordens estiveram associadas, sobretudo, a altos níveis de depressão, ansiedade e pensamentos suicidas.

Veggi, Lopes, Faerstein e Sichieri (2004) elaboraram um estudo intitulado “Índice de Massa Corporal, Percepção do Peso Corporal e Transtornos Mentais Comuns entre Funcionários de uma Universidade no Rio de Janeiro”, com o objectivo de investigar a relação entre o índice de massa corporal (IMC) e a auto-percepção distorcida do peso corporal com a ocorrência de transtornos mentais comuns (TMC, como por exemplo, sofrimento psicológico, depressão e outros transtornos psiquiátricos), em funcionários de uma Universidade do Rio de Janeiro. A amostra utilizada englobou 3526 funcionários universitários, com idades compreendidas entre os 22 e os 59 anos. Os resultados mostraram que 34,5% das mulheres e 22,3% dos homens apresentaram transtornos mentais comuns (TMCs). O maior predomínio de TMCs foi encontrado entre as mulheres com baixa escolaridade e rendimentos. Os problemas de saúde auto-relatados estavam presentes nos dois sexos, nomeadamente nos participantes que apresentavam TMCs. O índice de massa corporal (IMC) aumentou com o aumento da idade, em ambos os sexos, e diminuiu com a maior escolaridade e rendimentos, no caso das mulheres, assumindo os seus valores mais baixos entre os participantes que nunca se tinham casado. Do mesmo modo, 14,1% dos homens e 7,2% das mulheres auto-percepcionaram-se como tendo um peso corporal inferior ao ideal, enquanto 56,7% e 70,9%, respectivamente, percepcionaram o seu peso corporal como sendo superior ao aspirado. Nesta perspectiva, os autores concluíram que a auto-percepção distorcida do peso corporal, a qual se revelou independente do IMC, esteve relacionada com a presença de TMCs, no caso do sexo feminino, mas não do masculino. Tal facto poderá estar associado à maior pressão sociocultural a que as mulheres estão sujeitas, numa sociedade onde vigora uma verdadeira “cultura do magro”.

Klomsten, Skaalvik e Espnes (2004) realizaram um estudo denominado “Physical self-concept and sports: Do gender differences still exist?” (“Auto-conceito físico e desportos: Será que ainda existem diferenças de género?”), com o objectivo de investigar as diferenças entre os géneros – masculino e feminino –, em múltiplas dimensões inerentes ao auto-conceito físico, nomeadamente, aspecto físico global, aparência, saúde, gordura corporal, competência para a prática desportiva, consistência, vigor, flexibilidade, coordenação, prática de actividade física e auto-estima, em adolescentes. Utilizaram como amostra dois grupos com idades diferentes: um grupo de 591 estudantes do ensino básico (317 raparigas e 274 rapazes) e um grupo de 507 estudantes do ensino secundário (267 raparigas e 240 rapazes), com uma média de idades de 10,95 e 13,74 anos, respectivamente. Os participantes foram recrutados de 11 escolas públicas, em Trondheim, Noruega. Os resultados apurados indicaram que os rapazes possuíam um auto-conceito físico significativamente superior às raparigas, ao nível de todas as dimensões avaliadas supra-citadas. As diferenças entre géneros foram maiores nas dimensões: aspecto físico global, consistência, vigor, aparência e gordura corporal. Ao nível das dimensões saúde, flexibilidade e coordenação, as diferenças revelaram-se significativamente menores. Apuraram, ainda, que o auto-conceito físico decrescia com o aumento da idade (estudantes das escolas básicas apresentaram níveis superiores aos estudantes das escolas secundárias) e que a aparência foi a dimensão que mais fortemente influenciou a auto-estima global. Estes resultados permitiram concluir que, efectivamente, existem diferenças de género em múltiplas dimensões do auto-conceito físico, sendo que os rapazes possuem os níveis mais elevados em todas as dimensões. Possuem, portanto, um auto-conceito físico superior.

Warren et al. (2005) elaboraram um estudo denominado “Ethnicity as a protective factor against internalization of a thin ideal and body dissatisfaction” (“Afiliação étnica como factor protector relativamente à interiorização do ideal de magreza e à insatisfação corporal”), com o objectivo de investigar o potencial da afiliação étnica enquanto reguladora das relações entre conhecimento/interiorização dos ideais socioculturais, nomeadamente ocidentais, da aparência e entre essa interiorização e insatisfação corporal. Para o efeito, estudaram uma amostra de 103 Americanas-Mexicanas, 101 Americanas-Europeias e 115 de origem hispânica, todas estudantes do sexo feminino, a frequentar universidades dos Estados Unidos da América e da Espanha, respectivamente. Recorrendo à pathway analysis concluíram que ambas as relações são mais significativas para as Americanas-Europeias do que para as Americanas-Mexicanas ou Espanholas. Constataram, portanto, que a interiorização dos ideais ocidentais e a pressão social para se ser magro são determinantes no desenvolvimento de transtornos alimentares e de maiores níveis de insatisfação corporal. Nesta perspectiva, a afiliação étnica pode proteger o indivíduo contra o desenvolvimento de insatisfação com a auto-imagem e de transtornos alimentares e sugerir que a prevenção dos mesmos pode abranger a delação do ideal de magreza e o enfatizar de outras características para além da aparência física, tais como, a competência e o esforço, como dignos de valor. 

Damasceno, Lima, Vianna, Vianna e Novaes (2005) realizaram um estudo intitulado “Tipo físico ideal e satisfação corporal de praticantes de caminhada”, com o objectivo de quantificar o tipo físico ideal e também verificar o nível de insatisfação com a imagem corporal de um grupo de praticantes de caminhada. Utilizaram como amostra 186 indivíduos (87 do sexo feminino e 98 do sexo masculino). O estudo concluiu que os homens preferiram corpos mais fortes e volumosos e com baixo percentual de gordura. Já as mulheres desejavam um corpo mais magro e menos volumoso. Constataram, portanto, que poucos são os que têm o corpo que idealizam e, por isso, estão insatisfeitos com a auto-imagem, não havendo diferenças entre géneros.

Raich et al. (2001) elaboraram uma pesquisa intitulada “A cross-cultural study on eating attitudes and behaviors in two spanish-speaking countries: Spain and Mexico” (“Um estudo cross-cultural sobre as atitudes e os comportamentos alimentares em dois países hispânicos: Espanha e México”), com o objectivo de identificar a relação entre distúrbios alimentares e sintomas de insatisfação corporal e os factores que os influenciam. Utilizaram como amostra 826 estudantes do sexo feminino (334 da Universidad Autónoma de Barcelona e 492 da Universidad Nacional Autónoma de México). O estudo evidenciou que as estudantes espanholas apresentaram mais sintomas de transtornos alimentares e insatisfação corporal do que as mexicanas, sendo a imagem corporal mais valorizada na Espanha.

Jung e Lennon (2003) elaboraram um estudo denominado “Body image, appearence self-schema, and media images” (“Imagem corporal, auto-percepção da aparência, e imagens dos media”), visando examinar os efeitos da percepção da auto-aparência e da exposição de imagens atractivas pelos media na auto-estima e estado de espírito da mulher. O estudo foi realizado recorrendo a uma amostra de 168 mulheres estudantes, com média de idades de 21 anos. Este trabalho demonstrou que as participantes consideraram a aparência importante, auto-avaliando-se negativamente, resultando daí insatisfação corporal. Concluíram, também, que as mulheres jovens, uma vez que se definem em termos de valores estéticos, podem experienciar mais humor negativo e uma baixa auto-estima, devido à insatisfação com a sua aparência. As imagens expostas pelos media afectam a percepção da imagem corporal, a auto-estima e o humor. Consequentemente, é necessário advertir para a educação das crianças em relação a estas imagens, de modo a que estas percebam que muitas são manipuladas e artificiais, para assim não desejarem identificar-se com elas.

Davis e Vernon (2002) elaboraram um estudo denominado “Sculpting the body beautiful: Attachement style, neuroticism, and use of cosmetic surgeries” (Esculpindo o corpo belo: ligação de estilo, neuroticismo, e o uso de cirurgias cosméticas), com o objectivo de investigar a relação da personalidade com o uso de procedimentos estéticos de vários tipos. Como amostra deste estudo, foram inquiridos voluntariamente, 681 homens e 1157 mulheres, com idade entre os 15 e os 71 anos. Os resultados apuraram que as mulheres estavam significativamente mais aptas a fazer ou tencionavam fazer procedimentos à cara e ao corpo; os homens, estavam mais aptos que as mulheres para fazer procedimentos ao seu cabelo. Os homens geralmente não fazem lipoaspiração, aumento de seios e remoção do tecido adiposo da barriga. Usam mais frequentemente esteróides para aumentar os músculos ou moldar o corpo. As mulheres estão menos necessitadas de implantes de cabelo, e, quando necessitam disso é, em média, quando têm idades superiores aos homens. A ligação à ansiedade pode estar associada com grande tendência para o emprego de cirurgias cosméticas de vários tipos (aqueles que usam ou tencionam usar têm ligações à ansiedade mais altas do que aqueles que não). A idade faz a diferença no relacionamento entre personalidade e uso de procedimentos cosméticos. Inesperadamente, aqueles que tinham ou planeavam fazer procedimentos faciais têm valores mais elevados na ligação à ansiedade que aqueles que não estavam, mas em relação à ligação à fuga, tinham essas ligações mais altas. Notaram-se mais estas diferenças para os inquiridos com mais de 30 anos de idade. Os resultados diferem mais uma vez quanto ao género, pois nos homens, a ansiedade prediz o uso de procedimentos no cabelo e de esteróides, mas apenas naqueles com idade superior a 30 anos. O neuroticismo prediz o uso de pelo menos um procedimento no corpo. Nas mulheres, a idade e a ligação à fuga predizem o uso de procedimentos faciais. A ligação à ansiedade prediz o uso de procedimentos corporais, particularmente entre os inquiridos mais velhos, e todos aqueles que usaram pelo menos um procedimento. O neuroticismo, por outro lado, não prediz algum procedimento entre as mulheres. Assim, é a ligação à ansiedade que guia o uso de cirurgias/procedimentos cosméticos. Concluíram que existem muitos motivos para melhorar a aparência: o medo de rejeição ou a perda do actual esposo ou amante são claramente os mais notáveis. A primeira demonstração da ligação à ansiedade é um motivo para o tratamento do corpo através da cirurgia ou esteróides. Há alguns homens, mas raros, a realizar implantes para os peitorais e outros músculos, bem como outros procedimentos não tratados nesta investigação. As ligações à ansiedade surgem, portanto, através do medo de avaliações negativas, das normas socioculturais de magreza e atractividade, da importância dada à aparência física, do baixo conforto que se sente quando se olham ao espelho, da insatisfação com toda a sua aparência física e com as desordens alimentares. Estas aparecem mais frequentemente nas mulheres que nos homens, devido à ligação entre a aparência física e valor social femininos, e a maneira como estas se valorizam. Relativamente às ligações à fuga, o único tratamento cosmético falado é a redução de rugas, pois é aquela que aparece mais associada ao envelhecimento, e talvez por esta razão, os autores concluem que os procedimentos faciais são prognosticados pela idade ou fuga. O presente estudo aponta para que, o uso de cirurgias cosméticas pode estar mais associado a diferenças individuais dirigidas essencialmente para a aparência.

Oliveira, Bosi, Vigário e Vieira (2003) realizaram um estudo intitulado “Comportamento alimentar e imagem corporal em atletas”, com o objectivo de investigar a presença de comportamentos sugestivos de transtornos alimentares, de distorções da imagem corporal e de disfunções menstruais em atletas da EEFD – UFRJ (Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Utilizaram como amostra 12 atletas do sexo feminino (entre os 20 e os 22 anos, com 4 a 7 anos de treino). A fim de fazer o tratamento estatístico dos dados, recorreram ao teste t de Student para amostras independentes. Os resultados encontrados sugerem a presença de sintomas, (tais como, uma distorção da imagem corporal, dado que, embora os valores da gordura corporal estivessem dentro dos padrões esperados para idade e sexo das inquiridas, elas sentiam-se insatisfeitas) que, apesar de não caracterizarem, precisamente, a bulimia nervosa ou anorexia nervosa, sugerem a necessidade de avaliação e a vigilância mais criteriosa do ambiente desportivo, sobretudo no que diz respeito às práticas alimentares, como forma de prevenção.

Almeida, Loureiro e Santos (2002), elaboraram um estudo intitulado “A imagem corporal de mulheres morbidamente obesas avaliada através do desenho da figura humana”, cujo objectivo foi avaliar a auto – imagem de 30 mulheres com obesidade mórbida comparativamente a 30 mulheres não obesas. Através da avaliação dos desenhos, concluíram que os grupos diferiam significativamente em relação aos índices qualidade de grafismo, localização na página e temática, revelando um predomínio de sentimentos de inadequação por parte das obesas. Quanto aos índices relativos ao tamanho do desenho, proporção, representação do tronco e tamanho de diferentes partes do corpo, os grupos também diferiam entre si, sugerindo presença de indicadores de depreciação e distorção da imagem corporal entre as obesas (por exemplo, as mulheres obesas fizeram desenhos mais desproporcionais do que as não obesas). Observa-se que as primeiras apresentam dificuldade de expressar, simbolicamente, a sua vivência corporal, o que sugere a presença de sentimentos de inferioridade, descontentamento e preocupação com o corpo e a beleza.

Vaughan e Founts (2003) no estudo intitulado “Changes in television and magazine exposure and eating disorder simptomatology” (“Mudanças na exposição em revistas e em televisão e sintomatologia de desordens alimentares”), tinham como objectivo estudar a média de horas que as raparigas despendem no visionamento de televisão e revistas, principalmente revistas de moda, e o desenvolvimento de sintomatologias de desordens alimentares. Para a realização do estudo utilizaram uma amostra de 479 pessoas somente constituída por elementos do sexo feminino. O tratamento estatístico utilizado foi MANOVA e as principais conclusões do estudo foram, que nas raparigas com um aumento de sintomatologia houve um aumento de exposição a revistas de moda, mas, contudo, uma diminuição de horas de visionamento de televisão. Nas raparigas nas quis houve uma diminuição de sintomatologia verificou-se uma diminuição à exposição a ambos os meios dos media, televisão e revistas.

Roberts e Gettman (2004) com o objectivo de testar se o estado de auto-objectificação pode ser automaticamente activado por subtis exposições a palavras de objectificação e tendo como base a teoria da objectificação realizaram um estudo denominado “Mere exposure-gender difference in the negative effetcs of priming a state of self-objectification” (“Pura exposição – Diferenças entre géneros nos aspectos negativos ao impor um estado de auto-objectivação”). Para tal, utilizaram uma amostra de 160 estudantes não graduados, 70 do sexo masculino e 90 do sexo feminino. As conclusões tiradas deste estudo foram que uma exposição à objectificação dos media pode desempenhar um papel significativo no desenrolar da auto-objectificação, assim como no desenrolar de consequências psicológicas nas mulheres.

Cavalcanti, Dias e Cavalcanti (2004) elaboraram um artigo intitulado “Obesidade, cultura e desigualdade social: Dietas médicas para emagrecer obesos pobres”, utilizando uma amostra de 41 pacientes obesos, entrevistados à saída da sala de atendimento público em Nutrição, em Paraíba. Os autores objectivaram esclarecer as crenças positivas e negativas, bem como as pessoas de opinião mais influente, identificadas pela amostra, quando receberam dietas de emagrecimento. Pretenderam, portanto, encontrar as relações existentes entre o comportamento de seguir dieta médica e as crenças culturais sobre saúde. Concluíram que incentivar os “obesos pobres” a comer menos e melhor, a fim de alcançar um corpo que se enquadre nos padrões transmitidos pelos media, não é a táctica mais eficiente. Com efeito, apesar de reconhecer a importância e mesmo a necessidade de emagrecer, o obeso não se sente preparado o suficiente para conseguir “resistir às tentações”. Ajudar os obesos desta camada social a encontrar estratégias de comportamento que aumentem a persistência nos regimes de emagrecimento será mais útil e eficaz para evitar as doenças correlatas. Do mesmo modo, constataram que as pessoas que lidam diariamente com os obesos, ou seja, as pessoas de opinião mais influente (familiares, amigos e até desconhecidos) são os principais responsáveis pela pressão social a que esses estão sujeitos, acarretando, inevitavelmente, sinais de depressão e auto-percepção negativa nas suas vidas.

O artigo “Transgressão e corpo: Um caso de anorexia” foi elaborado por Ramirez, Gordon e Assadi (sd). O objectivo deste trabalho foi ampliar as causas da anorexia nervosa em direcção ao inconsciente e associar a psicanálise ao vector de tratamento. O método utilizado nesta pesquisa foi a entrevista clínica de uma adolescente de 15 anos, que vivia numa família onde era evidente uma sobrevalorização dos valores estéticos culturais e de hábitos de alimentação e vida saudáveis. Concluíram que a adolescente restringia, ao máximo, as suas refeições (tornando-se, consequentemente, anoréctica), com o objectivo de corresponder aos ideais valorizados no meio familiar, visando estabelecer laços seguros de afiliação.

O artigo intitulado “Influência da percepção do peso e do índice de massa corporal nos comportamentos alimentares anormais” foi elaborado por Nunes, Olimpo, Barros e Camey (2001). Utilizando como amostra mulheres com idades compreendidas entre os 12 e 29 anos, da zona de Porto Alegre (Brasil), teve como objectivo estudar a associação entre a percepção do peso corporal, o índice de massa corporal e os comportamentos alimentares anormais. Os resultados levaram a concluir que a percepção do peso corporal – sentir-se gorda – assume um papel mais importante na determinação dos comportamentos alimentares anormais do que o índice de massa corporal, uma vez que as mulheres que se achavam gordas (60% da amostra) apresentavam um IMC (índice de massa corporal) normal, mas 47,2% tinha um comportamento alimentar de risco.

Grabhorn, Stenner, Stangier e Kaufhold (2006) elaboraram um artigo denominado “Social anxiety in anorexia and bulimia nervosa: The mediating role of shame”. (“Ansiedade social na anorexia e bulimia nervosa: O papel intermédio da vergonha”). O objectivo desta investigação foi determinar a influência da vergonha e da ansiedade social em psicopatologias como a anorexia nervosa e bulimia nervosa, através da comparação de diferentes grupos clínicos. A amostra utilizada consistiu em 120 mulheres doentes, divididas em quatro grupos (de trinta mulheres cada), de acordo com os diagnósticos individuais: anorexia nervosa (A.N.), bulimia nervosa (B.N.), perturbações de ansiedade e depressão. Para o tratamento estatístico dos dados foi utilizado o teste ANOVA. A principal conclusão do presente estudo foi o facto de ter sido confirmada a hipótese de valores mais elevados para a vergonha nos grupos AN e BN relativamente aos outros dois grupos. O grupo com bulimia apresentou, ainda, os valores mais elevados de ansiedade social. Assim, a vergonha e a ansiedade revelaram-se factores negativos centrais dos distúrbios alimentares, apresentando-se a primeira como explicação da segunda, uma vez que quando a vergonha não era considerada, as diferenças entre os quatro grupos, ao nível da ansiedade tendiam a desaparecer.

Baranowsky, Jorga, Djordjevic, Marinkovic e Hetherington (2003) realizaram um artigo intitulado “Evaluation of adolescent body satisfaction and associated eating disorder pathology in two communities” (“Avaliação da satisfação corporal do adolescente e dos transtornos alimentares associados, em duas comunidades”), com o objectivo de comparar os ideais de imagem corporal de adolescentes do sexo masculino e feminino, em escolas urbanas de dois países diferentes (Escócia e Jugoslávia). Usaram como amostra 625 adolescentes e recorreram a testes comparativos e correlacionais para o tratamento estatístico dos dados. Concluíram que as patologias alimentares, a depressão e a ansiedade apresentaram níveis mais elevados nos escoceses, principalmente no sexo feminino. Do mesmo modo, a auto-estima era mais baixa nos escoceses em geral e, em particular, nas raparigas. Os autores constataram, ainda, que a insatisfação corporal é uma realidade para as raparigas de ambos os países, sendo maiores os riscos de desenvolvimento de transtornos alimentares no grupo do país ocidental (Escócia).

Carvalho e Carquejo (2004) são os autores de um artigo denominado “Satisfaction with body image and the expression of self-esteem in teenagers aged 14 to 17” (“Satisfação com a imagem corporal e expressão da auto-estima em adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 17”), que visou investigar a possível relação entre imagem corporal e auto-estima, em adolescentes pertencentes a essa faixa etária. Utilizaram uma amostra de 50 pessoas (23 rapazes e 27 raparigas), recrutadas de uma escola de ensino básico, em Bragança, das quais 25 eram praticantes de desporto regulares e as outras 25 apenas frequentavam a disciplina de Educação Física. Os resultados permitiram concluir que os rapazes têm níveis mais altos de satisfação corporal e expressão da auto-estima do que as raparigas. Os níveis também são mais elevados nos praticantes de desporto relativamente aos não praticantes.

Assis, Avanci, Silva, Malaquias, Santos e Oliveira (2003) elaboraram um estudo intitulado “A representação social do ser adolescente: um passo decisivo na promoção da saúde”, com o objectivo de avaliar o auto-conceito e a auto-estima de estudantes das escolas de um município do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo e, ainda, conhecer a representação social que esses adolescentes fazem de si próprios. Utilizaram como amostra 1.685 alunos (938 raparigas e 747 rapazes) havendo um predomínio de jovens (50,3%) na faixa etária dos 11 aos 14 anos. Foram visitadas 44 turmas, constituindo 38 escolas do município. Apuraram que os adolescentes no geral estão satisfeitos com o seu corpo, pois revelam um auto-conceito positivo e uma auto-estima elevada, a despeito da ideia que os adultos e a sociedade têm em geral acerca deles. Concluiu-se, portanto, que a visão optimista que o adolescente tem de si, precisa de ser reconhecida e implementada nas estratégias de promoção, prevenção e atenção dos agravos à sua saúde. Sendo assim, é importante a aprovação social dos adolescentes em várias dimensões, tais como a sua imagem física. Pois, os adolescentes com auto-estima elevada acreditam na sua competência, valor e em si mesmos, por outro lado, aqueles com auto-estima baixa sentem-se inferiorizados, desvalorizam-se e sentem-se inseguros, tornando-se assim mais vulneráveis.

 

Discussão/Conclusões

No final da nossa pesquisa, verificámos que os resultados apurados confirmam a informação exposta na introdução. Com efeito, podemos constatar que a maior ou menor satisfação com a imagem do corpo está intimamente relacionada com a maior ou menor correspondência aos ideais de beleza, incutidos culturalmente.

De facto, enquanto membros da cultura ocidental, somos diariamente confrontados, através dos meios de comunicação social, com verdadeiros modelos estéticos, que nos impõem ou criam o desejo da procura de um enquadramento nesses padrões. Assim, de acordo com a nossa opinião, o ideal de magreza é “cobiçado” por todos, dado ser o mais valorizado, daí serem culturalmente compreensíveis os sentimentos de inferioridade e de baixa auto-estima, característicos de pessoas obesas.

Ao longo da nossa investigação, foi evidente uma maior preocupação com a imagem e manutenção da beleza corporal por parte do sexo feminino. Na nossa perspectiva, tal evidência deriva do facto de existirem maior número de estudos relativamente a este género, no que concerne a transtornos alimentares e distorção da imagem corporal. Com efeito, foi-nos possível constatar que a insatisfação corporal é uma realidade também no sexo masculino e que o número de transtornos alimentares nos homens tem vindo a aumentar. Todavia, segundo a nossa opinião, essa discrepância no número de estudos relativos aos sexos, deriva da maior pressão social de que o sexo feminino é, indiscutivelmente, alvo.

Da mesma forma, hoje em dia, é evidente uma adopção dos ideais estéticos corporais vigentes na cultura ocidental por parte de outras culturas, sobretudo devido à influência decisiva dos media e das multinacionais e dada a hegemonia mundial dos Estados Unidos da América. Todavia, constatámos que, mesmo assim, nos países onde vigoram hábitos culturais muito distintos dos ocidentais (como é o caso do México, com a sua cultura de cariz latino), os sintomas de transtornos alimentares e os níveis de insatisfação corporal são inferiores, quando comparados com países com culturas marcadamente ocidentais (por exemplo, a Espanha), permitindo-nos afirmar que a cultura se revela como um dos factores principais na auto-avaliação da imagem corporal.

Ficámos particularmente surpreendidos com o facto de meninas de 6 anos já demonstrarem preocupações com a imagem corporal e sintomas de distúrbios alimentares. Na nossa perspectiva, trata-se de preocupações excessivamente precoces pois, se o desenvolvimento de transtornos alimentares é problemático em qualquer faixa etária, consideramos que, nestas idades, o problema assume, indiscutivelmente, uma maior proporção e gravidade.

Do mesmo modo, consideramos que é necessário alertar, sobretudo as crianças e adolescentes, para o facto de que, muitas vezes, os corpos perfeitos difundidos pelos media, não passam de imagens manipuladas e artificiais, assim como alertar os profissionais de saúde para a necessidade de uma intervenção a nível da informação mediática/publicitária que, grande parte das vezes, apresenta soluções, para a insatisfação com o corpo, pouco saudáveis, e até lesivas.

Na nossa perspectiva, cada cultura constrói a sua imagem de corpo ideal. Assim, se a imagem valorizada socialmente for a de uma pessoa magra (como, efectivamente, é), emagrecer será o ideal de todos. Aqueles que não conseguem chegar a esse padrão corporal, sofrem muito, ocorrendo, quase inevitavelmente, o desenvolvimento de transtornos alimentares, de baixa auto-estima e depressão, entre outras psicopatologias.

Na cultura ocidental e, como já referimos, um pouco por todo o mundo, as mulheres anseiam alcançar um ideal de magreza, enquanto os homens visam corpos musculados e bem definidos, entrando, muitas vezes, em situações de vigorexia.

Todavia, consideramos que tais ideais de magreza são mais “fictícios” do que reais. Com efeito, ainda que gostemos de ver desfiles de moda e achemos as modelos bonitas e extremamente elegantes, a verdade é que a grande maioria das pessoas as acha excessivamente magras. Mulheres com formas mais arredondadas revelam-se mais atractivas, principalmente para o sexo oposto. Assim, prevemos que a actual “cultura do magro”, a médio/longo prazo, dará lugar a uma cultura mais equilibrada, cujo ideal será um corpo fortalecido e saudável, que se afaste quer da anorexia, por um lado, quer da obesidade, por outro, ou seja, um corpo livre das actuais formas de excesso.

Assim, concluímos que a prevenção das psicopatologias envolvem, certamente, o denunciar do ideal de magreza, o minimizar da aparência como a principal merecedora de admiração, o enfatizar outras características, tais como, a competência e o esforço, para além da aparência, como dignos de valor.

Por fim, concluímos que a cultura desempenha um papel fundamental na maneira como o indivíduo percepciona e deseja a sua imagem corporal.

No futuro, é nossa opinião que poderão ser feitos estudos e com amostras dos países de língua portuguesa de modo a se atender às variações regionais a nível cultural, seria interessante fazer uma investigação acerca das preferências e ideais estéticos dos povos de língua portuguesa, face a membros do mesmo sexo e do sexo oposto.

 

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Submetido: 21.05.2008 | Aceite: 12.01.2009

 

1 Dina Alves, Mário Pinto, Sara Alves, Alexandra Mota e Vera Leirós. Alunos do Mestrado em Psicologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Endereço para correspondência: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Rua Dr. Manuel Cardona, 5000-558 Vila Real. E-mail: psi.exer.saude@gmail.com

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