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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.35 Lisboa set. 2012

 

Revisitação de Paix et guerre entre les nations1

Revisiting Paix et guerre entre les nations

 

Carlos Gaspar

Investigador do IPRI – UNL e docente de Relações Internacionais no Departamento de Estudos Políticos da FCSH – UNL. Assessor do Conselho de Administração da Fundação Oriente. Antigo conselheiro do Presidente Ramalho Eanes (1977-1986), do Presidente Mário Soares (1986-1996) e do Presidente Jorge Sampaio (1996-2006). Foi Diretor do IPRI – UNL entre 2006 e 2011.

 

RESUMO

O tratado de Raymond Aron é um dos três clássicos que formam o cânone da teoria realista das relações internacionais. O acto fundador da escola realista pertence a E. H. Carr, com The Twenty Years’ Crisis, 1919-1939, o seu manifesto contra as utopias idealistas da segurança colectiva, mas o primeiro marco na construção de uma teoria foi estabelecido por Hans Morgenthau com Politics Among Nations, publicado em 1948. O último marco, que não pode ser tido como definitivo, foi posto quarenta anos depois por Kenneth Waltz, com Theory of International Politics. Entre os dois, Paix et guerre entre les nations define a transição entre a escola clássica, tributária da história, do direito e da filosofia, e a vanguarda estrutura-lista.

Palavras-chave: Raymond Aron, Paix et guerre entre les nations, teoria das relações internacionais, realismo

 

ABSTRACT

Raymond Aron’s treaty is one of the three pivotal works that set the canon for the realist theory in international relations. The founding act of the realist school was performed by E. H. Carr’s The Twenty Years’ Crisis, 1919-1939, his manifesto against the idealistic utopias of collective security, yet the first step toward the elaboration of a theory was carried out by Hans Morgenthau in his Politics Among Nations, published in 1948. The ultimate – although conceivably not the last – effort in this direction was made forty years later, by Kenneth Waltz’s Theory of International Politics. Amidst the two, Paix et guerre entre les nations embodies the transition between the classical school, indebted to history, law and philosophy, and the structuralist avant-garde.

Keywords: Raymond Aron, Paix et guerre entre les nations, international relations theory, realismo

 

O opus magnum de Raymond Aron é o seu tratado deteoria das relações internacionais – Paix et guerre entre les nations – publicado em Paris, pela Calmann-Lévy, há cinquenta anos, no Verão de 19622.

O livro é o resultado directo de três ou quatro anos de trabalho, cujo início coincide com uma vontade de distanciação da política francesa, depois das tomadas de posição frontais de Aron sobre a Guerra da Argélia3 e do regresso do general De Gaulle ao poder. Logo em 1957, Aron publicou três «ensaios não partidários» em Espoir et peur du siècle, um livro em três partes que começa com dois ensaios sobre a política francesa e europeia – «La droite» e «La décadence» – e termina com uma reflexão sobre a guerra nuclear, no capítulo entitulado «De la guerre», como o tratado de Clausewitz4. No mesmo ano, escolheu a sociedade industrial e a guerra como tema da Auguste Comte Memorial Trust Lecture5, para fazer a passagem entre os seus cursos na Sorbonne de 1955 a 19586, cujo tema foi a industrialização e os regimes políticos, e os cursos dos dois anos seguintes, consagrados às relações internacionais. Esses últimos correspondem às duas primeiras partes de Paix et guerre – a teoria e a sociologia – enquanto a terceira e a quarta – a história e a praxeologia – foram escritas no regresso a Paris, depois de um semestre como Research Professor em Harvard, em 19607.

O tratado teve uma recepção excepcional, não só em França, mas, sobretudo, nos meios académicos norte-americanos8. Nenhum outro texto europeu de teoria das relações internacionais – uma «ciência americana», segundo Stanley Hoffmann, o discípulo norte-americano de Aron9 – teve, antes ou depois de Paix et guerre, uma recepção comparável nos Estados Unidos, onde o livro foi publicado quatro anos depois10. Os mais importantes investigadores norte-americanos e ingleses, tanto da geração mais velha, incluindo Hans Morgenthau, William T. R. Fox e Martin Wight, como da geração mais nova, incluindo Henry Kissinger, Stanley Hoffmann e Hedley Bull, publicaram recensões de Peace and War. A Theory of International Relations11 e, excepto no primeiro caso, todos reconheceram no livro de Aron um marco decisivo no desenvolvimento da nova teoria das relações internacionais como uma disciplina científica12.

Na altura, Pierre Nora disse que Aron tinha defendido a sua «segunda tese»13. A boutade do amigo serve para sublinhar a unidade exemplar no pensamento do filósofo, do historiador e do analista de relações internacionais14 desde a apresentação da sua tese na Sorbonne15 até à publicação, vinte e quatro anos depois, de Paix et guerre, bem como a coerência da acção do académico, do político e do jornalista16. Com efeito, o tratado de teoria das relações internacionais não só prolonga a reflexão fundamental sobre o sentido e os limites da história, como restaura uma linha de continuidade no conjunto dos textos de análise das relações internacionais, que incluem os artigos da France libre, escritos no exílio em Londres, durante a II Guerra Mundial17, a série dos artigos semanais do Figaro18 e, naturalmente, os dois primeiros livros sobre a história do século XX e a natureza da Guerra Fria – Le grand schisme e Les guerres en chaîne, publicados, respectivamente, em 1948 e em 195119. Os textos jornalísticos, os ensaios polémicos e os escritos académicos partilham não só o rigor da análise, a crítica da ideologia e a firmeza na defesa da liberdade, como uma visão realista da política, uma vinculação moral e uma intuição sobre o sentido da história que encontram a sua expressão mais completa em Paix et guerre entre les nations.

 

A SANTÍSSIMA TRINDADE

O tratado de Raymond Aron é um dos três clássicos que formam, entre si, o cânone da teoria realista das relações internacionais. O acto fundador da escola realista pertence a E. H. Carr, com The Twenty Years Crisis20, o seu manifesto contra as utopias idealistas da segurança colectiva, mas o primeiro marco na construção de uma teoria foi estabelecido por Hans Morgenthau com o seu livro fundamental, Politics Among Nations, publicado em 194821. O último marco, que não pode ser tido como definitivo, foi posto quarenta anos depois por Kenneth Waltz, com Theory of International Politics, reconhecido como a origem de uma escola neo-realista22. Entre os dois, Paix et guerre entre les nations define a transição entre a escola clássica, tributária da história, do direito e da filosofia, e a vanguarda estruturalista.

Morgenthau e Aron pertencem à mesma geração, formada pela tragédia das revoluções totalitárias e das guerras totais: quando o nazismo chega ao poder, Morgenthau vai ter de abandonar a Alemanha23, tal como Aron vai ser forçado a exilar-se quando a França é ocupada. Morgenthau, jurista e cientista político, tal como Aron, filósofo e sociólogo, são ambos próximos da nova ciência social de Max Weber. Em Chicago e em Londres, os dois intelectuais judeus são testemunhas distantes do Holocausto e da destruição da Europa e convergem na necessidade de conter o totalitarismo comunista depois da catástrofe do nazismo.

Tal como a principal motivação de Carr quando escreveu o seu ensaio era a vontade de defender a desastrosa política britânica e francesa de contenção do nazismo, na origem do tratado de Morgenthau esteve a sua determinação em impedir que os Estados Unidos repetissem perante a ameaça stalinista os erros das democracias europeias que abriram caminho à fúria hitleriana. A teoria propriamente dita veio mais tarde, quando as edições posteriores de Politics Among Nations passaram a incluir uma primeira parte sobre a teoria da política internacional, ausente da versão original24.

O realismo norte-americano – Reinhold Niebuhr, George Kennan, Hans Morgenthau – foi decisivo tanto politicamente, com a definição da estratégia norte-americana de contenção da ameaça soviética, como teoricamente, com a fundação de uma nova disciplina científica, que se vai desenvolver sobretudo nos Estados Unidos25.

De certa maneira, Paix et guerre devia substituir Politics Among Nations como a referência da escola realista. Por um lado, os tratados de Aron e de Morgenthau são ambos anacrónicos, quer pela sua forma, quer pelo seu tamanho, quer pela cultura humanista e pela erudição histórica e filosófica dos seus autores, qualidades que não sobreviveram à tendência de especialização dominante na disciplina das relações internacionais26. Por outro lado, o livro de Aron tem um rigor epistemológico, uma arquitectura formal e uma definição da problemática muito mais consistentes do que a obra inicial de Morgenthau, demasiado próxima dos primeiros tratados de política internacional, marcados pela tradição da história diplomática e do direito internacional27.

Aron faz a separação das águas logo com o título do seu livro, no sentido em que Paix et guerre entre les nations parece ser não só uma versão corrigida, como deliberadamente incorrecta28 de Politics Among Nations. Para Aron, a especificidade da política internacional é a legalidade e a legitimidade do recurso à guerra nas relações entre os estados: a guerra, ou a alternância entre a paz e a guerra, é o que separa, no essencial, a política internacional da política interna dos estados. Nesse sentido, a «paz e a guerra» é o que define a «política entre as nações» e o que separa a política interna dos estados e as relações interestatais.

As críticas principais de Aron concentram-se nas traves mestras da teoria de Morgenthau29 – o conceito de poder, o interesse nacional e a racionalidade da política externa dos estados – e revelam ainda uma divergência entre ambos sobre os limites da teoria das relações internacionais.

Em primeiro lugar, Aron entende que não é possível construir a teoria das relações internacionais a partir do conceito de poder, partilhado com outros domínios de investigação. Pelo contrário, a teoria das relações internacionais só pode existir como uma teoria autónoma e separar-se da ciência política, se começar por delimitar o seu próprio campo de análise e se demonstrar que o «estado de natureza» da política internacional a torna inerentemente diferente do «estado civil» da política interna30. Pela sua parte, Morgenthau não só não faz essa separação, como entende que existe uma continuidade fundamental entre a política interna e a política internacional, determinada pelo poder, que domina todas as formas da política, interna ou externa31. Para Aron, o que define a política internacional é a anarquia – «a ausência de árbitro ou de polícia» – enquanto para Morgenthau o poder define toda a política32.

A divergência é, ao mesmo tempo, epistemológica e conceptual, no sentido em que os dois autores, mau grado a sua filiação weberiana, têm diferentes concepções do poder, nomeadamente na sua tradução nas relações sociais dentro dos estados e nas relações políticas entre os estados. Aron critica Morgenthau por usar o conceito de poder de formas distintas, por um lado, como uma relação entre os indivíduos, os agentes sociais ou os estados, por outro lado, como um meio, um objectivo imediato, ou um fim último dos estados33. Com ironia, sem se referir a Morgenthau, Aron insinua que as limitações linguísticas podem estar na origem da dificuldade em distinguir as formas do poder na política interna e na política internacional, uma vez que em alemão ou em inglês existe apenas uma distinção entre power e force, ou Macht e Kraft, enquanto que em francês se pode distinguir entre pouvoir, puissance e force, o que permite separar as formas do poder (pouvoir) na política interna do exercício do poder (puissance) na paz e na guerra, nas relações entre os estados34. Sem ironia, Aron critica expressamente Morgenthau por banalizar e confundir o conceito de poder e o transformar numa filosofia ou numa ideologia, insusceptível de falsificação e, portanto, sem relevância para a feitura de uma teoria científica35.

Em segundo lugar, critica a noção de interesse nacional de Morgenthau. Aron recusa a noção de que o poder (puissance) possa ser a finalidade da política entre os estados ou que as entidades soberanas tenham sempre como objectivo principal a «maximização do poder»: «Quem presume a vontade de "maximizar o poder" nem sequer está bem ciente do equívoco inerente ao termo que está a usar»36. As potências não têm um objectivo supremo permanente e unívoco que as possa fixar na conquista, na defesa da segurança, ou na procura da sobrevivência:

«[Os] objetivos últimos das unidades são legitimamente ambíguos. Segurança, poder, glória, ideia são objetivos essencialmente heterogéneos que apenas poderiam ser reduzidos a um só termo dobrando-se o significado humano da acção diplomático-estratégica»37.

As potências não têm nem uma política externa imutável, nem objectivos últimos permanentes que possam sustentar a lógica do interesse nacional, mas, em todo o caso, a possibilidade da sua definição estável seria sempre prejudicada pela pluralidade interna das sociedades complexas:

«A pluralidade dos objectivos concretos e dos objectivos últimos vedaria qualquer definição racional do interesse nacional, pese embora em si mesmo este não comporte o equívoco decorrente do interesse colectivo em ciências económicas […] O interesse comum não é constituído pelo somatório dos interesses dos indivíduos [e dos grupos]»38

Segundo Aron, a tese do interesse nacional de Morgenthau é uma forma de os realistas criticarem os utopistas da paz universal, mas não é relevante, nem como uma teoria, nem como uma política: é uma ideologia, comparável, nesses termos, à posição simétrica dos seus adversários idealistas ou moralistas39.

Em terceiro lugar, Aron não reconhece a possibilidade de definir um quadro de racionalidade da política externa dos estados que assenta, segundo a tese de Morgenthau, na defesa do interesse nacional. Os estados, presos numa competição permanente determinada pela fragmentação do sistema internacional e pela ausência de um árbitro supremo que possa garantir o império da lei nas relações entre as potências, podem ser vulneráveis às paixões e recusar a contabilidade moderada dos interesses nacionais. A vontade de poder, a procura da glória, a força das ideias são tão ou mais poderosas que a lógica da sobrevivência, demasiado pobre, de resto, para se impor como o destino de um grande Estado. Nesse contexto, sem a garantia da lei e sem a âncora do interesse nacional, a racionalidade nas relações entre os estados depende da moderação política e da prudência, virtude suprema dos estadistas40:

«A primazia da política [permite] travar a escalada a extremos […] Quanto mais os chefes de Estado fazem cálculos em termos de custos e benefícios menor a sua propensão para afastar a pena em prol da espada […]. Só é racional a condução razoável da política desde que o comércio entre Estados tenha como fim a sobrevivência tanto de uns como dos outros, a prosperidade comum e a poupança do sangue dos povos»41.

Aron recusa ainda o pessimismo antropológico de Morgenthau, que reproduz as concepções de Hobbes. A teoria realista das relações internacionais não tem de assentar numa reflexão acerca da natureza do homem e deve ser edificada a partir das entidades políticas autónomas que são as unidades constitutivas do sistema internacional. O Estado é o centro da política internacional e da teoria das relações internacionais e as concepções antropológicas, ou biológicas, não devem perturbar as ciências do Estado.

Aron considera Morgenthau um «tradicionalista»42, com um interesse limitado na elaboração dos conceitos da teoria das relações internacionais. Waltz, por sua vez, considera Morgenthau e Aron ambos como «tradicionalistas»43, demasiado fixados na história e na política dos estados. Nem um nem outro puderam construir a teoria das relações internacionais, que é o propósito de Waltz, que traduz esse desígnio no título do seu livro: Theory of International Politics. O problema dos dois «tradicionalistas», entre outros, foi querer enunciar uma teoria de «dentro para fora» – das unidades para o sistema – sem reconhecer que só é possível fazer a teoria «de fora para dentro» – do sistema para as unidades44.

Tal como a teoria de Aron não pôde prescindir da crítica a Morgenthau, a nova teoria estruturalista de Waltz não pôde dispensar a crítica a Morgenthau e a Aron e, desse modo, completou o reconhecimento sucessivo dos membros da «santíssima trindade» da teoria realista. Para Morgenthau, a política dos estados define a forma do sistema internacional, para Aron, os estados e o sistema internacional condicionam-se reciprocamente, para Waltz, o sistema internacional e a sua estrutura determinam a política dos estados. Politics Among Nations e Theory of International Politics marcam, respectivamente, o princípio da construção de uma teoria e a possibilidade de uma «teoria das teorias» e, entre os dois, como reconheceu Martin Wight45, o céptico que defendia a impossibilidade de uma teoria das relações internacionais, Paix et guerre entre les nations é a primeira teoria das relações internacionais.

 

O DISCURSO DO MÉTODO

O salto em frente de Raymond Aron com Paix et guerre entre les nations não seria possível sem integrar uma problemática tão complexa na sociologia histórica, na história das relações internacionais e na filosofia das relações internacionais. A própria estrutura, demasiado pesada, do tratado – teoria, sociologia, história, praxeologia – sublinha a extensão do espectro analítico e torna difícil classificar a teoria das relações internacionais de Aron que é, ao mesmo tempo, uma teoria sistémica, uma teoria realista e uma teoria normativa.

Herdeiro dos antigos, Aron não hesita em ser moderno e construir a sua teoria como uma teoria sistémica. A primeira parte de Paix et guerre tem como subtítulo «Conceitos e sistemas» e inclui dois capítulos, respetivamente, sobre os sistemas internacionais e os sistemas pluripolares e bipolares.

Aron começa por sublinhar a natureza do sistema internacional, a anarquia imposta pela pluralidade de centros autónomos de poder que não reconhecem nenhuma autoridade superior à sua soberania e aceitam a legitimidade do recurso à guerra nas relações entre si. A anarquia determina a especificidade única do sistema internacional, a alternância entre a guerra e a paz, ponto de partida da teoria enunciada em Paix et guerre46, sob o signo de Clausewitz.

Depois, define o sistema internacional como «o conjunto constituído por unidades políticas que mantêm umas com as outras relações regulares e suscetíveis de se envolver numa guerra geral»47. A fórmula evita incluir a referência a uma estrutura, ou a um padrão, e indica que o conjunto é fragmentado e plural, que as relações entre as «unidades políticas» são «regulares» – os estados reconhecem-se e mantêm relações diplomáticas entre si – e que estas se podem envolver numa guerra geral – a ordem anárquica caracteriza o «estado de natureza» nas relações internacionais, que as separa do «estado civil» na ordem hierárquica interna dos estados. A definição procura também delimitar o campo do sistema internacional, que representa apenas uma parte da política internacional, concentrada na análise das relações interestatais, e não trata nem das relações transnacionais, nem das relações internacionais, ou das relações entre as nações propriamente ditas48: «os sistemas internacionais revestem o aspeto interestatal da sociedade a que pertencem as populações submetidas a distintas soberanias»49

Em seguida, propõe uma tipologia dos sistemas internacionais, em que separa a estrutura de distribuição do poder do processo de distribuição das ideologias de que depende a homogeneidade ou a heterogeneidade dos princípios de legitimidade política.

A «configuração da relação de forças» refere-se a duas dimensões distintas: o limite espacial do sistema internacional e a distribuição do poder na política internacional. As duas questões são cruciais para Aron definir a especificidade da conjuntura diplomática. Pela primeira vez na história, depois da II Guerra Mundial, há um sistema internacional que engloba todo o planeta e, também pela primeira vez, existe uma divisão bipolar, com uma concentração sem precedentes de poder em duas grandes potências.

A unidade do sistema internacional cria novas incertezas e levanta o problema da «distância moral» nas relações entre as culturas históricas50: as civilizações não se podem reconhecer sem se destruírem, como defendeu Oswald Spengler, ou pode ser possível uma convergência, ou um diálogo, entre as civilizações, como admitia Arnold Toynbee51? Para lá das divisões da Guerra Fria, o futuro do sistema internacional está na resposta a essas questões, na altura ausentes dos estudos de relações internacionais.

As duas configurações da distribuição do poder, pluripolar e bipolar, condicionam as condições de estabilidade do sistema e as estratégias de alianças dos estados. A multipolaridade é o regime comparativamente estável em que um conjunto de unidades com um peso semelhante definem o equilíbrio internacional pelo método dos alinhamentos flexíveis, enquanto a bipolaridade é inerentemente instável: os dois estados dominantes são naturalmente inimigos, uma vez que o equilíbrio só pode existir se cada um deles pertencer a um campo oposto, e a permanência desse equilíbrio exige uma rigidez dos alinhamentos das potências menores52. Os enunciados sobre as relações entre a estrutura de distribuição do poder, a estabilidade internacional e o padrão das alianças são típicos de uma teoria sistémica, embora Aron se recuse a reconhecer nessas regularidades uma forma de determinismo.

A distinção fundamental entre sistemas homogéneos e heterogéneos é única nos estudos teóricos das relações internacionais53. Os sistemas internacionais são condicionados não só pela distribuição do poder, mas também pelas ideias, pelas ideologias e pelos tipos de regime político. Na sua definição, são homogéneos os sistemas em que os estados têm o mesmo tipo de regime e obedecem à mesma concepção da política e heterogéneos os sistemas em que os estados se organizam segundo diferentes princípios e se reclamam de valores contraditórios. Os sistemas homogéneos são mais estáveis e previsíveis, os sistemas heterogéneos são mais instáveis e imprevisíveis54.

A diferença entre sistemas homogéneos e heterogéneos é crucial e tende a determinar o grau de probabilidade da guerra, incluindo as guerras civis, maior nos segundos do que nos primeiros. As guerras gerais – a Guerra dos Trinta Anos, as Guerras da Revolução e do Império, as guerras totais do século xx – tendem a coincidir com os períodos em que o princípio de legitimidade da organização dos estados foi posto em causa pelas revoluções civis ou religiosas55.

Por último, esboça uma classificação das formas de mudança no sistema internacional, que decorrem da evolução da estrutura do poder ou da dimensão ideológica. Uma mudança na natureza da estrutura, pluripolar ou bipolar, ou a passagem da homogeneidade para a heterogeneidade (e reciprocamente), implicam uma «mudança de sistema», enquanto uma acentuação ou uma atenuação da estrutura ou da heterogeneidade (ou da homogeneidade) representam uma mera «mudança no sistema»56.

Aron ressalva constantemente que o comportamento das «unidades políticas» nunca depende de uma única causa, embora todos os estados se submetam à regra da alternância entre a paz e a guerra, que define a natureza do sistema internacional. Nesse sentido, não subordina a política dos estados à estrutura de distribuição o poder ou de distribuição das ideologias no sistema internacional57, mas reconhece a importância de ambas tanto na definição das estratégias de alianças dos estados, como nas condições de estabilidade do sistema internacional.

A sua teoria é uma teoria sistémica tanto pelo reconhecimento de que é possível definir e delimitar um sistema interestatal, não obstante a competição, a conflitualidade e a guerra serem a regra nas relações entre os estados, como pelo rigor na definição dos tipos de sistema internacional e dos condicionamentos impostos quer pela distribuição do poder entre as unidades soberanas, quer pela distribuição das ideologias políticas ao comportamento diplomático e estratégico dos estados58.

Aron não se refere a si próprio como um realista, mas nem por isso a sua teoria das relações internacionais deixa de ser uma teoria realista. O seu realismo é, de resto, notório quando critica o realismo norte-americano como uma ideologia simétrica das doutrinas jurídicas, idealistas ou moralistas. Mais precisamente, Aron, tal como E. H. Carr, Reinhold Niebuhr, George Kennan e Hans Morgenthau, é um realista clássico59 e é também um realista liberal, tal como John Herz definiu a espécie60.

Os dogmas da escola realista, na medida em se possa admitir a sua existência, são pouco numerosos: o sistema internacional é anárquico e fragmentado, composto por uma pluralidade de centros de poder autónomos e as suas unidades constitutivas são entidades separadas, independentes e soberanas. As diferenças profundas entre Morgenthau, Aron e Waltz não os impedem de assentar as suas teorias nesses três pilares e, no caso da «santíssima trindade» realista, pode acrescentar-se um quarto pilar – a balança do poder –, não obstante os equívocos que possam ser associados a esse conceito.

Orealismo crítico de Aron separa-se do realismo de Morgenthau pela sua relutância em reconhecer um sentido racional na história internacional, pela rejeição do reflexo ideológico do «realismo norte-americano» e pela valorização da ideologia como um factor crucial na análise do sistema e da conjuntura internacional. O realismo sofisticado de Aron não reconhece a validade científica do realismo norte-americano, que não só «pensa contra», como resvala para os mesmos defeitos de manipulação que caracterizam os seus opositores. Aron, um polemista formidável, mais político do que Morgenthau, partilha, em geral, os mesmos adversários – os utopistas idealistas, os tiranos totalitários, os intelectuais niilistas – mas, sem ceder na firmeza da defesa dos princípios da liberdade, pratica a crítica da ideologia sem recorrer aos argumentos da ideologia ou à tentação da simplificação.

O realismo crítico de Aron procura compreender e analisar todas as ideologias, incluindo o realismo, o idealismo e o moralismo que são parte integrante da retórica das potências na sua luta pelo poder61. Enquanto qualifica Morgenthau como «cruzado do realismo»62, Aron critica o «irrealismo do realismo» que não tem em conta as ideias, as ideologias e os regimes políticos como parte integrante da teoria das relações internacionais. Nesse sentido, na fórmula de Pierre Hassner, é «demasiado realista para ser um realista»63. A concepção de Aron começou a formar-se desde as primeiras análises de política internacional, quando definiu a II Guerra Mundial como uma guerra imperial e ideológica64, consolidou-se na crítica dos totalitarismos e na construção de uma teoria dos regimes políticos65, antes de se traduzir, em Paix et guerre, como um conceito estruturante da sua teoria das relações internacionais66. As ideias, a competição ideológica e a natureza dos regimes condicionam a probabilidade da guerra e da paz, definem o tipo de sistema internacional, homogéneo ou heterogéneo, e caracterizam a natureza das grandes potências, conservadoras, revisionistas ou revolucionárias67.

Aron define a sua teoria como uma praxeologia, uma «teoria da prática», ao mesmo tempo explicativa e normativa. Na quarta e última parte de Paix et guerre, a praxeologia é posta sob o signo das «antinomias da acção diplomático-estratégica», à procura de uma moral e de uma estratégia que tornem possível transcender a política do poder68.

A referência às antinomias (ou antíteses) serve para sublinhar o método dialéctico de Aron69, que, mais uma vez, é praticado sem ser nominalmente reconhecido como tal70. Aron constrói os seus argumentos a partir de contradições – entre a teoria e a prática, a paz e a guerra, os fins e os meios, os interesses e as paixões – para as ultrapassar à procura de um compromisso. Atensão entre a guerra e a paz, levada aos extremos na era nuclear pela heterogeneidade radical que separa o império comunista e a República imperial não exclui uma trégua – «nem paz, nem guerra», ou «paz impossível, guerra improvável»71. No mesmo sentido, a lógica da sobrevivência não deixa que a oposição dos Estados Unidos e da União Soviética se traduza numa «ascensão aos extremos» de que nenhum dos contendores poderia sair vencedor, tal como a capacidade recíproca de destruição, o impasse do equilíbrio bipolar e a competição estratégica entre as duas superpotências não impede os duelistas da Guerra Fria de serem «irmãos inimigos».

Aron quer resolver o dilema da oposição entre Maquiavel e Kant, que define a tensão permanente entre o realismo e o idealismo, a guerra e a paz, a política e a ética, a «moral de combate» e a «moral do direito».

A moral possível na «sociedade dos estados» – uma «sociedade associal», na fórmula kantiana de Aron, ou uma sociedade única, de «tipo misto» e contraditória, que impõe regras aos seus membros e tolera o recurso à força armada – só pode ser uma moral igualmente imperfeita: «A ambiguidade da sociedade internacional impede que se siga até ao fim uma lógica parcial, quer se trate de direito ou de força»72. Nesse impasse, o compromisso é uma «moral da sabedoria», que impõe ao teórico das relações internacionais – conselheiro do Príncipe ou estratega, diplomata ou «espectador empenhado» – a prudência, a moderação e a humildade:

«[A] moral da sabedoria procura não somente considerar cada caso enquanto tal [mas] também, sem desconhecer nenhum dos argumentos de princípio e oportunidade, não esquecer a relação de forças nem as vontades dos povos. O juízo da sabedoria não satisfaz plenamente os moralistas nem os vulgos discípulos de Maquiavel.»73

Contra a corrente, isolado entre os extremos, refém da tragédia da história, o teórico da praxeologia quer «armar a sabedoria»74 para poder garantir, na medida das suas possibilidades, que os estadistas estão preparados para evitar o pior. O «discurso do método» da teoria das relações internacionais, como lhe chamou Stanley Hoffmann75, ficaria incompleto sem uma teoria da moral, indispensável para dar um sentido de esperança ao «maquiavelismo ponderado» de Aron.

 

A HISTÓRIA DO SÉCULO XXI

O tratado de Raymond Aron é uma teoria clara, original e coerente das relações internacionais e inclui tanto uma construção teórica, como uma tese sobre a conjuntura diplomática e estratégica da Guerra Fria, que preenche a terceira parte de Paix et guerre, ironicamente dedicada à História76.

A teoria geral de Paix et guerre e a «power politics» de Morgenthau partem ambas de Max Weber, mas Aron vira do avesso a definição clássica do sociólogo alemão sobre o Estado como o monopólio da violência legítima que assegura o «estado civil» entre os indivíduos e os grupos que constituem uma sociedade: o que define o sistema internacional constituído por estados soberanos é, precisamente, a ausência de uma entidade que detenha o monopólio legal da violência legítima e os meios para impor uma ordem jurídica às unidades políticas que formam a «sociedade associal».

Nesse sentido, Aron constrói a sua teoria sobre um princípio de separação radical entre a ordem hierárquica do Estado que detém, internamente, o monopólio da violência legítima, e a ordem anárquica dos estados, uma sociedade onde esse monopólio não existe e o recurso à guerra é legítimo (e legal) nas relações entre as unidades políticas. Uma vez definido esse princípio essencial, Aron vai demonstrar que a própria separação entre as duas dimensões – o sistema interestatal e o sistema político interno – as torna inseparáveis. O sistema internacional é, por definição, plural, e os estados, por serem soberanos, definem o seu próprio regime político: a heterogeneidade ou a homogeneidade do sistema internacional depende, por sua vez, da afinidade ou da oposição entre os princípios de legitimidade dos regimes internos dos actores estatais77. A «ausência de árbitro» torna legítima a guerra entre os estados, que fazem o seu próprio direito, e a heterogeneidade dos regimes aumenta a probabilidade da guerra entre os estados e no interior dos estados.

De certa maneira, Rousseau, com a sua distinção precisa entre o «estado de natureza» nas relações entre os estados e o «estado civil» nas relações entre os agentes sociais dentro do Estado, exprime melhor o princípio essencial da separação do que a fórmula de Clausewitz sobre a guerra com que abre o primeiro capítulo do tratado. Na sua última reflexão sobre Paix et guerre78, Aron começa com Rousseau:

«Considerando a posição do género humano, a primeira coisa que verifico é uma contradição óbvia na sua constituição, o que a torna sempre vacilante. De homem para homem, vivemos num estado civil e submetidos a leis; de povo para povo, cada um goza da liberdade natural.»79

Rousseau tem ainda a vantagem de iluminar, por contraste, a diferença entre o sistema homogéneo que existia antes da Revolução Francesa e o sistema heterogéneo que dominou o século das guerras totais e das revoluções totalitárias:

«O tipo ideal que o texto de Rousseau resume não reflete a realidade atual; bem pelo contrário, a sua função consiste em realçar a imperfeição do sistema interestatal devido à extrema heterogeneidade intrínseca a unidades que pretendem ser soberanas e independentes das demais.»80

A terceira parte de Paix et guerre traduz a teoria numa análise da conjuntura que se prolonga desde o impasse criado pela dupla vitória dos Estados Unidos e da União Soviética na IIGuerra Mundial, que se institucionalizou com a estabilização do equilíbrio bipolar e se consolidou com o estatuto nuclear das duas «superpotências». Aron enunciou os dilemas da Guerra Fria81 com a sua fórmula célebre – «paix impossible, guerre improbable» – que, de certa maneira, definia os fundamentos teóricos da estratégia de containment enunciada, paralela e separadamente, por George Kennan. Em 1947, ambos partilhavam a tese de que a guerra não era inevitável entre o império comunista e o império liberal, embora a oposição radical dos regimes e das ideologias tornasse impossível fazer a paz entre as duas superpotências internacionais. Em 1962, e ao contrário do diplomata norte-americano, o filósofo francês não tinha mudado de ideias e a crise dos mísseis de Cuba, que teve lugar em Outubro, imediatamente a seguir à publicação de Paix et guerre, veio demonstrar, de forma dramática, que a competição nuclear, no limite, tornava mais provável a solidariedade estratégica dos Estados Unidos e da União Soviética, mesmo à custa dos seus aliados, do que a «ascensão aos extremos» entre as duas potências nucleares. No momento crítico, os «irmãos inimigos»82 de Aron escolheram a «paz do terror» ao terror da guerra nuclear. De certo modo, entre os extremos da «paz pelo direito» e da «paz pelo império», a «paz pelo medo» era uma hipótese optimista na trégua armada, ou na «ausência de guerra» que prevalecia entre os dois pólos do sistema heterogéneo83.

Nos últimos anos, o pessimismo de Aron aumentou cada vez mais, mas a Guerra Fria acabou exactamente como devia84, confirmando tanto a previsão de que nem os dirigentes norte-americanos, nem os dirigentes soviéticos preferiam a guerra à paz, como a hipótese de que a liberdade era «o mais forte e constante desejo de todos os homens»85. O fim do império comunista marcou o fim da instabilidade bipolar e da dupla ameaça do terror nuclear e ideológico, a vitória dos Estados Unidos e dos seus aliados tornou possível ultrapassar a extrema heterogeneidade do sistema internacional.

Ateoria de Aron ainda é pertinente para analisar o sistema internacional do pós-Guerra Fria? As mudanças dos últimos vinte anos foram profundas, mas as linhas de continuidade não são menos importantes. Desde logo, a dualidade entre a «homogeneidade jurídica» das Nações Unidas e a heterogeneidade histórica dos estados continuou a definir a ordem da anarquia internacional86. A heterogeneidade ideológica imposta pela oposição entre as democracias liberais e os totalitarismos deixou de ser a clivagem central entre as principais potências industriais, mas subsiste o perigo de um «choque das civilizações» que passaram a viver no mesmo tempo histórico e num único sistema diplomático. Os Estados Unidos, a China e a Índia partilham uma mesma concepção formal do Estado moderno, no sentido em que reconhecem, pelo menos em palavras, o princípio da legitimidade democrática, a neutralidade secular e a regra da intermediação burocrática, mas pertencem a culturas históricas separadas.

A dinâmica de industrialização que, como Aron antecipou há mais de cinquenta anos87, trouxe a Rússia e a China para a primeira linha na hierarquia das potências, teve um efeito de convergência das economias e das sociedades, mas não anulou a heterogeneidade política e cultural. A industrialização não significa a «ocidentalização» dos velhos impérios, como a China ou a Índia, e a sua ressurgência implica um retraimento do centro ocidental, especialmente no caso europeu. Aron, que acreditava no progresso e na força da industrialização, nunca ignorou que a Europa Ocidental estava condenada a ficar reduzida à escala da sua geografia, do seu peso demográfico e do valor dos seus recursos88.

Por outro lado, a vitória dos Estados Unidos e da aliança ocidental não se traduziu na criação de um império universal, ou sequer na integração dos antigos adversários, como sucedeu no fim da II Guerra Mundial em cada um dos dois blocos89. O fim da União Soviética não forçou o desarmamento da Rússia e, aparentemente, a teoria dos grandes espaços é mais uma teoria da regionalização internacional do que uma fórmula da unificação universal. No pós-Guerra Fria, o «momento unipolar» coexistiu, desde o início, com a «estrutura o ligopolística»90 típica do sistema internacional das grandes potências – os «estados-continentes» que Tocqueville anunciou há quase duzentos anos e que Aron reconheceu como a nova medida, do estatuto de potência91. A preponderância norte-americana ressuscitou as tendências imperiais referidas no estudo sobre a política externa da «República imperial»92, quando a resposta aos atentados terroristas do «11 de Setembro» revelou uma dupla vontade de demonstrar a força do império e de impor o império pela força93. A «guerra global contra o terrorismo», além de se cometer o erro crasso de confundir um inimigo com um método94, prefigurou uma mudança de sistema, no face a face directo entre o império e as redes terroristas pan-islâmicas para lá do sistema dos estados. Mas a «paz imperial», mesmo dentro das fronteiras limitadas do «Grande Médio Oriente», nunca chegou a existir, e a aventura serviu, sobretudo, para ultrapassar as ilusões temporárias sobre a «hegemonia democrática». Paralelamente, a Europa Ocidental continuou presa dos seus velhos dilemas:

«Oscilando entre nostalgia e grandeza, tentação de não envolvimento e vontade de integração supra-nacional, os outrora Grandes da Europa carecem dos recursos necessários às potências de primeira linha, não obstante conservam demasiados recursos para encontrar a sua segurança pela renúncia.»95

A Alemanha unificada não deixou de ser nem europeia, nem democrática, nem tem o poder, nem a autoridade indispensáveis para unir a Europa e ultrapassar as resistências da França e do Reino Unido, reféns da grandeza do seu passado ou das ilusões sobre o seu destino. Naturalmente, tanto os excessos da «paz pelo império» norte-americana, como os limites da «paz pelo direito» europeia, estimulam a ambição das potências emergentes e as estratégias revisionistas da China ou da Rússia, animadas também pelas divisões entre as democracias ocidentais. O próprio conceito de «potência revisionista», parte integrante da teoria aroniana, eliminado pela regra estruturalista, fez o seu regresso aos estudos de relações internacionais96 para interpretar as políticas de restauração do estatuto de grande potência que a China iniciou sob o signo da «ascensão pacífica» e a Rússia com a palavra de ordem da «união euro-asiática». Porém, tal como no passado, as potências revisionistas podem exagerar a vulnerabilidade das democracias – as potências de status quo – e interpretar as suas crises recorrentes como sinais de uma decadência irreversível. Aron, ele próprio pessimista sobre o destino das democracias ocidentais, nunca se deixou tentar pelas teses da decadência, mesmo depois do ciclo da descolonização: os impérios europeus que fizeram a unificação do mundo – portugueses e espanhóis, franceses e ingleses – eram, ao contrário dos impérios tradicionais, ou continentais, «essencialmente transitórios»97, o que pode explicar a inesperada renascença da Europa no pós-II Guerra mundial.

Por último, a guerra entre as grandes potências continuou a ser improvável, enquanto a paz deixou de ser impossível num sistema internacional onde as democracias pluralistas adquiriram uma supremacia impressionante98. A preponderância singular dos Estados Unidos, a «paz separada» entre as democracias europeias e ocidentais que formam a «comunidade de segurança transatlântica» e a maioria democrática na «comunidade internacional» tornaram improváveis não só uma guerra hegemónica, mas também as guerras entre as potências. A dissuasão nuclear não perdeu a sua eficácia e os Estados Unidos e a Rússia puderam conter os piores perigos da proliferação nuclear, não obstante a excepção da Índia e do Paquistão. As potências revisionistas não podem querer iniciar uma guerra se for uma terceira parte, como os Estados Unidos, a escolher o vencedor e a decisão da vitória não depender das qualidades estratégicas dos contendores. Durante a Guerra Fria, as convenções impediram os Estados Unidos e a União Soviética de entrar directamente em conflito, mas as forças armadas norte-americanas, com a bandeira das Nações Unidas, e chinesas, com o uniforme dos voluntários internacionalistas, lutaram na Coreia, a China e a Índia travaram uma guerra nas suas fronteiras e a União Soviética e a China estiveram no limiar de uma escalada nuclear. Depois da Guerra Fria, mais uma vez com excepção da Índia e do Paquistão na Guerra do Kargil, em 1999, não houve nenhum conflito armado entre potências relevantes. Os Estados Unidos e os seus aliados multiplicaram as intervenções na Bósnia-Herzegovina, no Kosovo, em Timor-Leste, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia ou no Índico, a Rússia recuperou a sua capacidade de intervenção militar no «espaço pós-soviético» e a China quer consolidar o exercício da sua soberania tanto nas periferias terrestres como marítimas, mas não há notícia de incidentes que oponham, sem intermediários, os exércitos de duas potências relevantes. Naturalmente, as guerras locais e as guerras internas não diminuíram e a guerra regressou mesmo às marcas europeias: as guerras internas na Bósnia-Herzegovina, as duas guerras da Chechénia, as guerras civis na Somália, no Uganda ou no Sudão, as guerras do Kosovo, do Afeganistão, da Líbia ou da Síria servem para confirmar, se tal fosse necessário, a permanência da guerra no sistema internacional. Não obstante, houve uma limitação significativa da violência interestatal nos últimos vinte anos.

Mais importante, o fim da divisão entre os impérios universais que impos a heterogeneidade extrema do sistema internacional durante a Guerra Fria, em conjunto com a posição única dos Estados Unidos e dos seus aliados, abriu a possibilidade de consolidar um «regime misto», em que a aliança entre as democracias pode coexistir com a concertação entre todas as grandes potências99, que garante às democracias e às não-democracias condições para encontrar os compromissos necessários para garantir os seus interessses sem recorrer às armas. Nesse quadro, a velha máxima de Montesquieu pode voltar a fazer sentido:

«O direito de pessoas e nações assenta naturalmente neste princípio: na paz, as diversas nações devem fazer o maior bem, e, na guerra, o menor mal possível, sem prejudicar os seus interesses genuínos.»100

 

NOTAS

1A pedido do autor este texto não adopta as normas do Novo Acordo Ortográfico.

2Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations. Paris: Calmann-Lévy, 1962.         [ Links ]

3Aron, Raymond – La tragédie algérienne. Paris: Plon, 1957;         [ Links ] Aron, Raymond – L’Algérie et la République. Paris: Plon, 1958.         [ Links ]

4Aron, Raymond – Espoir et peur du siècle. Essais non partisans. Paris: Calmann-Lévy, 1957.         [ Links ]

5Aron, Raymond – War and Industrial Society. The Auguste Comte Memorial Trust Lecture. London School of Economics, 24 de Outubro de 1957;         [ Links ] Aron, Raymond – La société industrielle et la guerre. Paris: Plon, 1958.

6Esses cursos estão na origem de uma trilogia célebre, publicada mais tarde: Aron, Raymond – Dix-huit leçons sur la sociéte industrielle. Paris: Gallimard, 1962;         [ Links ] Aron, Raymond – La lutte des classes. Paris: Gallimard, 1964;         [ Links ] Aron, Raymond – Démocratie et totalitarisme. Paris: Gallimard, 1966.         [ Links ]

7Aron, Raymond – Mémoires. Paris: Robert Laffont, 2003, p. 452.         [ Links ]

8Raymond Aron registou, entre outras, as cartas de Leo Strauss e Carl Schmitt, bem como as recensões de Jean-Baptiste Duroselle, Henry Kissinger, Alfred Grosser e Stanley Hoffmann. Aron, Raymond – Mémoires, pp. 455-459.

9Hoffmann, Stanley – «An American social science: international relations». In Daedalus. Vol. 106, N.º 3, 1977, pp. 41-60.         [ Links ]

10Colloquhon, Robert – Raymond Aron. The Sociologist in Society (1955-1983). Londres: Sage, 1986, pp. 191-197;         [ Links ] Frost, Bryan-Paul – «Raymond Aron’s Peace and War. Thirty years later». In International Journal. N.º 51, 1996, pp. 339-361.         [ Links ]

11O título norte-americano dispensa a referência às nações e acrescenta ao título original que se trata bem de uma teoria das relações internacionais. A tradução da primeira edição em inglês é assinada por Richard Howard e Annette Baker Fox, esta última investigadora no Institute of War and Peace Studies da Universidade de Columbia e mulher de William Fox. Aron, Raymond – Peace and War. A Theory of International Relations. Nova York: Doubleday, 1966.         [ Links ]

12Morgenthau, Hans – «Review of Peace and War». In American Political Science Review. N.º 61, 1967, p. 1111;         [ Links ] Fox, W. T. R. – «Book Reviewed». In Journal of International Affairs. Vol. 21, N.º 2, 1967, pp. 303-307;         [ Links ] Wight, Martin – «Tract for the nuclear age». In The Observer, 23 de Abril de 1967;         [ Links ] Kissinger, Henry – «Fuller explanation». In New York Times Book Review, 12 de Fevereiro de 1967;         [ Links ] Hoffmann, Stanley – «The international system». In The New Republic. Vol. 156, N.º 9, 4 de Março de 1967;         [ Links ] Bull, Hedley – «Book Reviews». In Survival. Vol. 9, N.º 11, 1967, pp. 371-383.         [ Links ]

13Aron, Raymond – Mémoires, p. 455;         [ Links ] Baverez, Nicolas – Raymond Aron. Un moraliste au temps des idéologies. Paris: Flammarion, 2005, p. 308.         [ Links ]

14Hassner, Pierre – «La philosophie des relations internationales». In Audier, Serge, Baruch, Marc Olivier, Simon-Naum, Perrine (dir.) – Raymond Aron, philosophe dans l’histoire. Paris: Editions de Fallois, 2008, pp. 63-70;         [ Links ] Launay, Stephen – «Raymond Aron: from the philosophy of history to the theory of international relations». In Mahoney, Daniel, e Frost, Bryan-Paul (coord.) – Political Reason in the Age of Ideology. Essays in Honor of Raymond Aron. New Brunswick: Transaction Publishers, 2007, pp. 147-174.         [ Links ]

15A tese principal de Aron enunciava a sua filosofia da história, enquanto a tese secundária apresentava os seus estudos sobre os estudos de história na Alemanha contemporânea. Ambas foram publicadas em 1938. A tese principal, bem como o relato da defesa de tese, foram reeditados por Sylvie Mesure. Aron, Raymond – Introduction à la philosophie de l’histoire. Essai sur les limites de l’objectivité historique. Paris: Gallimard, 1986.         [ Links ] A tese secundária foi reeditada em 1970: Aron, Raymond – La Philosophie critique de l’histoire. Paris: Le Seuil, 1970.         [ Links ]

16Aron, Raymond – Mémoires, p. 53.

17Os textos publicados na France libre, entre 1940 e 1944, estão reunidos em Aron, Raymond – Chroniques de guerre. Paris: Gallimard, 1990.         [ Links ]

18Os artigos do Figaro, publicados entre 1947 e 1977, estão reunidos em três volumes. Aron, Raymond – La Guerre Froide (1947-1955). Paris: Editions de Fallois, 1990;         [ Links ] Aron, Raymond – La co-existence (1955-1965). Paris: Editions de Fallois, 1994;         [ Links ] Aron, Raymond – Crises (1965-1977). Paris: Editions de Fallois, 1997.         [ Links ] Os artigos de L’Express estão reunidos em Aron, Raymond – De Giscard à Mitterrand (1977-1983). Paris: Editions de Fallois, 2005.         [ Links ]

19Aron, Raymond – Le grand schisme. Paris: Gallimard, 1948;         [ Links ] Aron, Raymond – Les guerres en chaîne. Paris: Gallimard, 1951.         [ Links ]

20O título original do livro de Edward Hallett Carr era Utopia and Reality, uma variante de Ideology and Utopia, de Karl Mannheim, mas o editor, Harold MacMillan, preferiu um título mais prosaico. Carr, E. H. – The Twenty Years Crisis. An Introduction to the Study of International Relations. Londres: Macmillan, 1939.         [ Links ] Ver também Haslam, Jonathan – The Vices of Integrity. E. H. Carr (1892-1992). Londres: Verso, 1999;         [ Links ] Cox, Michael – «Introduction». In Carr, E. H. – The Twenty Years Crisis. Londres: Palgrave, 2001.         [ Links ]

21Morgenthau, Hans – Politics Among Nations. The Struggle for Power and Peace. Nova York: Alfred Knopf, 1948.         [ Links ]

22Waltz, Kenneth – Theory of International Politics. Nova York: McGraw Hill, 1979.         [ Links ]

23Frei, Christoph – Hans J. Morgenthau. An Intelectual Biography. Baton Rouge: Luisiana State University, 2001.         [ Links ]

24Na edição original, a primeira parte intitula-se «International politics: a dual approach», enquanto a terceira edição abre com a «Theory and practice of international politics», dividida por dois capítulos – «A Realist theory of international politics» e «The science of international politics». Morgenthau, Hans – Politics Among Nations. The Struggle for Power and Peace, pp. 3-12;         [ Links ] Morgenthau, Hans – Politics Among Nations. Nova York: Alfred Knopf, 1961, pp. 3-26.         [ Links ]

25Smith, Michael Joseph – Realist Thought from Weber to Kissinger. Baton Rouge: Louisiana State University, 1986.         [ Links ]

26As edições originais dos livros de Morgenthau e de Aron têm, respectivamente, 489 e 794 páginas, enquanto o livro de Waltz, que assume a parcimónia como uma virtude científica, se fica pelas 251 páginas. Nos estudos de política internacional, só o velho tratado de Quincy Wright, com 1623 páginas, consegue ser maior do que o livro de Aron. Wright, Quincy – A Study of War. Chicago: Chicago University Press, 1942 e 1965.         [ Links ]

27Sobre e evolução dos estudos de relações internacionais, cf. Schmidt, Brian – The Political Discourse of Anarchy. Nova York: State University of New York Press, 1998.         [ Links ]

28Aron raramente admite correcções aos seus textos, mas, neste caso, admite uma imprecisão – «je pensais aux Etats» – e, nesse sentido, o título correcto do tratado seria Paix et guerre entre les Etats. De certa maneira, é um problema linguístico – na tradição anglo-saxónica, «nação» pode ser usado como sinónimo de «Estado», o que não é nada evidente na tradição continental. A escolha original do título francês torna irresistível a comparação com o tratado de Morgenthau e, não por acaso, não foi retomada pela edição norte-americana, que escolheu como titulo Peace and War. A Theory of International Relations, omitindo a referência anglo-saxónica às «nações». Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. ii; Aron, Raymond – Peace and War. A Theory of International Relations.

29O sentido crítico de Aron na Paix et guerre em relação a Morgenthau é não só explícito em várias passagens do livro, em que, por exemplo, o filósofo francês encontra afinidades paradoxais entre o idealismo romântico alemão de Von Treitschke e o espírito de cruzada de Morgenthau e da escola realista norte-americana, como foi sublinhado na altura, nomeadamente por Stanley Hoffmann. Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 567-596;         [ Links ] Hoffmann, Stanley – «Minerva and Janus». In Hoffmann, Stanley – The State of War. Nova York: Praeger, 1965, pp. 22-53.         [ Links ]

30Aron, Raymond – «What is a theory of international relations?». In Journal of International Affairs. Vol. 31, N.º 2, 1968;         [ Links ] Farrell, John, e Smith, Asa (coord.) – Theory and Reality in International Relations. Nova York: Columbia University Press, 1968, pp. 5-6.         [ Links ] Este número especial do Journal of International Affairs é o único caso em que foram publicados juntos textos de Aron, Morgenthau e Waltz, por essa ordem. O texto de Aron resume os pressupostos teóricos do seu tratado e foi, mais tarde, publicado em francês. Aron, Raymond – «Qu’est-ce qu’un théorie des relations internationales?». In Revue Française de Science Politique, Vol. 17, N.º 5, 1967, pp. 837-861.         [ Links ]

31Morgenthau, Hans – Politics Among Nations. The Struggle for Power and Peace, pp. 13-15.         [ Links ] As citações de Morgenthau referem-se sempre à primeira edição de Politics Among Nations, não obstante terem sido entretanto publicadas duas novas edições, com modificações significativas.

32Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 583.

33Ibidem, p. 584; Aron, Raymond – «Qu’est-ce qu’un théorie des relations internationales?», pp. 842-843.

34Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations,pp. 58-61.

35Aron, Raymond – «Qu’est-ce qu’un théorie des relations internationales?», p. 843

36Ibidem, p. 368.

37Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations,p. 101.

38Ibidem, p. 101.

39Ibidem, p. 586.

40Ibidem, p. 573.

41Ibidem, p. 57. A nota final do tratado retoma o tema: «Stratégie rationelle et politique raisonable» (Ibidem, pp. 751-772).

42Aron, Raymond – «Qu’est-ce qu’un théorie des relations internationales?», p. 5. No mesmo texto, Aron também aceita para si essa classificação, com um grão de sal: «Que la définition théorique rejoigne d’elle-même l’expérience vécue, que les hommes d’Etat, les juristes, les moralistes, les philosophes, les guerriers aient, à travers les siècles, aperçu l’essence des relations internationales là même où je vois le point de départ de la théorie, peut-être certains modernistes m’en tiendront-ils rigueur. Sur ce point, je suis un traditionaliste» (Ibidem, p. 850).

43Waltz, Kenneth – Theory of International Politics, pp. 61-62.

44Waltz, Kenneth – Theory of International Politics; Waltz, Kenneth – «Realist thought and Neo-Realist theory». In Waltz, Kenneth – Realism and International Politics. Londres: Routledge, 2008, cap. 5, pp. 67-82.         [ Links ]

45Wight, Martin – «Tract for the nuclear age». In The Observer, 23 de Abril de 1967;         [ Links ] Hall, Ian – The International Thought of Martin Wight. Londres: Palgrave, 2006.         [ Links ]

46Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 33-57.

47Ibidem, p. 103.

48Aron, Raymond – Leçons sur l’histoire. Paris: Editions de Fallois, 1989, pp. 337-341.         [ Links ]

49Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 113. Aron, de resto, duvida que se possa definir um conceito de «sociedade internacional», ou «sociedade mundial», ou falar de um sistema internacional que inclua todas as formas da vida internacional. Aron, Raymond – Les dernières années du siècle. Paris: Commentaire Julliard, 1984, pp. 25-26.         [ Links ]

50Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 104.

51Ibidem, pp. 320-324.

52Ibidem, pp. 106-107.

53Mas não é original: em nota de rodapé, Aron remete para a tese de Panoyis Papaligouras (1941), que nunca foi publicada, a distinção entre sistemas homogéneos e sistemas heterogéneos. Guglielmo Ferrero emprega o conceito de homogeneidade no mesmo sentido no seu ensaio sobre a diplomacia de Talleyrand e a invenção do princípio de legitimidade, sobre o qual Aron escreveu em Londres. Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 108; Ferrero, Guglielmo – Réconstruction. Paris: Editions de Fallois, 1942;         [ Links ] Aron, Raymond – «De la violence à la loi». In Aron, Raymond – Chroniques de guerre, p. 374.

54Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 108-109.

55Ibidem, p. 110.

56Ibidem, p. 156.

57Puchala, Donald – Theory and History in International Relations. Nova York: Routledge, 2003, p. 26        [ Links ]

58Como refere Waltz, os primeiros ensaios de análise sistémica das relações internacionais de Morton Kaplan e Stanley Hoffmann têm uma posição semelhante e, ao contrário da teoria fundadora do neo-realismo, não estabelecem o primado do sistema (ou da estrutura) na determinação do comportamento dos estados. Kaplan, Morton – System and Process in International Politics. Nova York: Wiley, 1957;         [ Links ] Hoffmann, Stanley – «International systems and international law». In Hoffmann, Stanley – «Minerva and Janus», pp. 88-122;         [ Links ] Waltz, Kenneth – Theory of International Politics, pp. 60-78.         [ Links ]

59Hedley Bull define a escola clássica como uma «teorização que decorre da filosofia, da história e do direito e que se caracteriza, sobretudo, pela dependência explícita no exercício do julgamento» e no reconhecimento de que a imperfeição «das percepções e das intuições impede que as suas posições possam ter mais do que um estatuto tentativo e inclusivo, dadas as suas origens duvidosas». Hedley Bull inclui na sua lista tanto realistas, como liberais – Alfred Zimmern, E. H. Carr, Georg Schwarzenberg,Raymond Aron e Martin Wight – embora não seja claro que estes se possam todos reconhecer na sua descrição. Bull, Hedley – «International theory. The case for a classical approach». In Knorr, Klaus, e Rosenau, James (coord.) – Contending Approaches to International Politics. Princeton: Princeton University Press, 1966, p. 20.         [ Links ] Mais recentemente, com os estudos teóricos (e biográficos) aprofundados sobre as origens do realismo, o realismo clássico adquiriu um novo estatuto. Ver inter alia Cozette, Murielle – «What lies ahead: classical realism of the future of international relations». In International Studies Review. N.º 10, 2008, pp. 667-679.         [ Links ]

60Herz, John – Political Realism and Political Idealism. Chicago: Chicago University Press, 1951, pp. 129-153        [ Links ]

61Aron, Raymond – «Qu’est-ce qu’un théorie des relations internationales?», p. 20.

62Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 586.

63Hassner, Pierre – «Too realistic to be a realist». In Constellations. Vol. 14, N.º 4, 2007, pp. 498-505.         [ Links ]

64Aron diz que é por ser imperial que a II Guerra Mundial também é ideológica. Aron, Raymond – «Destin des nations». In Aron, Raymond – Chroniques de guerre, p. 320.         [ Links ]

65Launay, Stephen – «Genèse et actualité de la théorie aronienne des régimes politiques». In Audier, Serge, Baruch, Olivier, e Simon-Nahum, Perrine (dir.) – Raymond Aron, philosophe dans l’histoire, pp. 113-123.         [ Links ]

66O capítulo x do tratado intitula-se «Nations et regimes». Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 282-307.

67Ibidem, pp. 93-94.

68A última (quarta) parte do tratado tem três divisões que se intitulam «En quête d’une morale», «En quête d’une stratégie» e «Au-delà de la politique de puissance», por essa ordem. Cada uma das três divisões tem, por sua vez, dois capítulos.

69Rengger, Nicholas – International Theory and the Problem of Order. Nova York: Routledge, 2000, p. 110.         [ Links ]

70Nas Mémoires, Aron cita uma passagem da carta de Carl Schmitt sobre o tratado, em que o jurista alemão refere o seguinte: «J’admire la dialectique supérieure par laquelle vous faites paraître au jour le paradoxe insurmontable, le paradoxe qui conduit les deux puissances mondiales ennemies a une solidarité à l’égard de leurs propres alliés et je trouve que le déroulement de la crise de Cuba confirme brillamment votre analyse.» Aron, Raymond – Mémoires, p. 456.

71Aron, Raymond – «Stupide résignation». In Le Figaro, 21-22 de Setembro de 1947;         [ Links ] Aron, Raymond – Le grand schisme, pp. I, 13-31.

72Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 596.

73Ibidem, p. 596.

74Aron termina com essa fórmula a conferência de homenagem ao seu mestre, Léon Brunschvicg, em Londres, no dia 12 de Março de 1944: «Nous tâcherons d’armer la sagesse mais nous ne laisserons pas prescrire les valeurs humaines qu’ils nous enseigna et dont il fut le vivant modèle.» Aron, Raymond – «La philosophie de Léon Brunschvicg». In Revue de Métaphysique e de Morale. Vol. 55, N.os 1-2, 1945, p. 140.         [ Links ] Cf. Baruch, Marc Olivier – «“Armer la sagesse”. Les années 1940 de Raymond Aron». In Audier, Serge, Baruch, Olivier, e Simon-Nahum, Perrine (dir.) – Raymond Aron, philosophe dans l’histoire, pp. 47-48.         [ Links ]

75Hoffmann, Stanley – The State of War, p. 22.

76Aparentemente, essa ironia foi mal entendida por Henry Kissinger: «Henry Kissinger a jugé paradoxal que je baptise histoire la partie de mon livre consacrée à l’analyse du système planétaire à l’âge thermonucléaire.» Aron, Raymond – «Qu’est-ce qu’un théorie des relations internationales?», p. 852.

77Ibidem, p. 846.

78Aron, Raymond – La société internationale. Esse texto póstumo foi publicado na introdução à última edição de Paix et guerre entre les nations e como capítulo inicial de Aron, Raymond – Les dernières années du siècle. Paris: Julliard, 1984, pp. 17-32;         [ Links ] Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. i-xiii.

79Rousseau, Jean-Jacques – «Ecrits sur l’Abbé de Saint-Pierre». In Rousseau, Jean-Jacques – Oeuvres complètes III. Paris: Gallimard, 1970, p. 610 apud Aron,         [ Links ] Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. i.

80Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. vi e 23.

81Gaspar, Carlos – «Raymond Aron and the origins of the Cold War». In Mahoney, Daniel, e Frost, Bryan-Paul (coord.) – Political Reason in the Age of Ideology. Essays in Honor of Raymond Aron, pp. 175-194.         [ Links ]

82É o título do capítulo xxviii. Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 527-559.

83A «paz pelo medo», parceira da dissuasão nuclear, é outra fórmula que evoca Guglielmo Ferrero e as suas «grandes peurs» que marcam os momentos críticos na história ocidental – o fim do império romano, a revolução francesa, as guerras do século xx – sobre as quais Aron escreveu em Londres: para pôr fim ao ciclo vicioso do medo – «La peur suscite la violence, la violence exaspère la peur» – era preciso restaurar o princípio da legitimidade, pelo que a restauração da liberdade democrática seria a etapa decisiva da reconstrução europeia no fim da II Grande Guerra. Aron, Raymond – Op. Cit., 1943, pp. 373, 383 ; Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 403 e 425.

84Hassner, Pierre – Raymond Aron Lecture. Transcript, Brookings Institution, 22 de Novembro de 2004.

85Aron, Raymond –Démocratie et totalitarisme, p. 229.

86Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 369.

87Aron, Raymond – «La décadence». In Espoir et peur du siècle. Essais non partisans, p. 221.

88Aron, Raymond – Espoir et peur du siècle. Essais non partisans, pp. 227-231.

89Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 721.

90Ibidem, pp. 103-104.

91Ibidem, pp. 527-528.

92Aron, Raymond – République impériale. Les Etats-Unis dans le monde (1945-1972). Paris: Calmann-Lévy, 1973.         [ Links ]

93Hassner, Pierre – «L’empire de la force ou la force de l’empire?», In Cahiers de Chaillot. N.º 52, Paris: EUISS, 2002.         [ Links ]

94É essa a critica que Aron faz a Carl Schmitt. Aron, Raymond – Penser la guerre. Clausewitz. L’Age planétaire II. Paris: Gallimard, 1976;         [ Links ] Hassner, Pierre – Raymond Aron on the Use of Force and Legitimacy. U.S.-Europe Analysis Series. Washington: Brookings Institution, 2005, p. 5.         [ Links ]

95Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 398.

96Ver interalia Schweller, Randall – «Bandwagoning for profit. Bringing the Revisionist State Back In». International Security. Vol. 19, N.º 1, 1994, pp. 72-107.         [ Links ]

97Aron, Raymond – Espoir et peur du siècle. Essais non partisans, p. 211.

98Hassner, Pierre – «La philosophie des relations internationales», pp. 68-69.

99Hassner, Pierre – Raymond Aron on the Use of Force and Legitimacy, 2005, p. 4.

100Essa citação de Motesquieu abre o tratado de Aron. Montesquieu – L’Esprit des lois I, p. 3 apud Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 13.