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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.23 Lisboa  2013

 

A cultura linguística de alunos do 9.º ano: Reflexões em torno dos resultados de um inquérito por questionário aplicado no distrito de Aveiro

The linguistic culture of 9th grade students: reflections on the results of a questionnaire applied in Aveiro

La culture linguistique des élèves de 9ème année: réflexions autour des résultats d’un questionnaire appliqué à Aveiro

La cultura lingüística de alumnos de 9º curso (3er de ESO): reflexiones sobre un cuestionario aplicado en Aveiro

 

Ana Raquel Simões * & Maria Helena Araújo e Sá **

* Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro. Investigadora do CIDTFF (Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores), no Departamento de Educação da Universidade de Aveiro. Membro do LALE (Laboratório Aberto de Aprendizagem de Línguas Estrangeiras).
anaraquel@ua.pt

** Professora Associada com Agregação da Universidade de Aveiro, coordenadora adjunta do CIDTFF e co-coordenadora do LALE (Laboratório Aberto de Aprendizagem de Línguas Estrangeiras). Tem coordenado projetos nacionais e internacionais na área da intercompreensão e imagens das línguas.
helenasa@ua.pt

 

Resumo

Numa sociedade marcada pela diversidade linguística e cultural, preparar os alunos para serem sujeitos activos na construção da cidadania europeia passa por desenvolver a sua cultura linguística, conceito norteador de um projecto desenvolvido junto de alunos do 9.º ano.

Apresentaremos neste artigo o inquérito por questionário aplicado a 1.926 alunos do 9º ano do distrito de Aveiro (25% do universo), seleccionados a partir de uma amostra probabilística estratificada de tipo proporcional, tendo-se obtido a resposta de 1.836, que tinha como objectivos: caracterizar o perfil e projectos linguísticos dos alunos e identificar as suas representações face às línguas e aos povos.

Os resultados obtidos, através de uma análise com o programa SPSS, apontam para uma visão linguística muito limitada por parte dos alunos (nos seus projectos curriculares e nas circunstâncias de contacto com as línguas), apesar de existir a consciência do papel e da importância da aprendizagem de línguas. As representações que têm das línguas e dos povos parecem condicionar os seus projectos linguísticos, já que equacionam contactar e/ou aprender as línguas que consideram mais próximas ou sobre as quais têm uma imagem mais positiva.

Palavras-chave: educação em línguas; cultura linguística; representações.

 

Abstract

In a society marked by linguistic and cultural diversity, there is a need to prepare students for the construction of European citizenship, namely by developing their linguistic culture, the main concept of a project developed with 9th grade students.

In this article we will present the questionnaire applied to 1.926 students from the 9th grade of the district of Aveiro (25% of the universe), selected according to a stratified and proportional sample, and having been answered by 1.836 of them. The main aims of the questionnaire were: to characterize the linguistic profile and projects of the students and to identify their representations concerning languages and peoples.

The results, obtained from the analysis with SPSS programme, point out to a very limited linguistic vision (in the students’ curricular projects and in the contact they establish with languages), despite their awareness of the importance of learning languages. Students’ representations of languages and of different peoples also seem to condition their linguistic projects, since they want to contact with or learn the languages they consider closer and with a more positive image.

Keywords: language education; linguistic culture; representations.

 

Résumé

Dans une société marquée par la diversité linguistique et culturelle, préparer les élèves pour être des sujets actifs dans la construction de la citoyenneté européenne est aussi une façon de développer leur culture linguistique.

Ce concept a été le vecteur d’un projet élaboré avec des élèves en fin de scolarité obligatoire. Dans cet article nous ferons un encadrement théorique de notre projet, puis nous présenterons l’instrument de recueil de données - enquête par questionnaire -, appliqué à 1926 élèves de la 9eme année d’Aveiro (25%) de l’univers, sélectionnés par un échantillon probabilistique stratifié. On a obtenu la réponse de 1836 élèves. Les objectifs principaux du questionnaire sont: caractériser le profil et les projets linguistiques des étudiants et identifier leurs représentations des langues et des peuples.

Les principaux résultats, obtenus avec l’analyse du programme SPSS, indiquent une vision linguistique limitée des élèves (dans leurs projets curriculaires et dans leurs contacts avec des langues), malgré la conscience du rôle et de l’importance de l’apprentissage des langues. Les représentations qu’ils ont des langues et des peuples semblent conditionner les projets linguistiques, quand même ils veulent contacter et/ou apprendre des langues qu’ils considèrent plus proches et sur lesquelles ils ont une représentation plus positive.

Mots-clés: éducation en langues; culture linguistique; représentations; plurilinguisme.

 

Resumen

En una sociedad marcada por la diversidad lingüística y cultural, preparar a los alumnos para que sean sujetos activos en la construcción de la ciudadanía europea pasa por desarrollar su cultura lingüística, concepto orientador de un proyecto desarrollado con alumnos de 9º curso (3er de ESO).

Presentaremos en este artículo la encuesta hecha con un cuestionario aplicado a 1926 alumnos de 9º curso (3er de ESO) de la provincia de Aveiro (25% del universo), seleccionado desde una muestra probabilística estratificada de tipo proporcional, obteniéndose la respuesta de 1836, que tenía como objetivos caracterizar el perfil y proyectos lingüísticos de los alumnos e identificar su representación ante las lenguas y pueblos.

Los resultados obtenidos, a través de un análisis con el programa SPSS, indican una visión lingüística muy limitada por parte de los alumnos (en sus proyectos curriculares y en las circunstancias de contacto con las lenguas), a pesar de existir la conciencia del papel y de la importancia del aprendizaje de lenguas. Las representaciones que tienen de las lenguas y de los pueblos parecen condicionar los proyectos lingüísticos, ya que presuponen contactar y/o aprender las lenguas que les parecen más cercanas o sobre las cuales tienen una representación más positiva.

Palabras clave: cultura lingüística; educación in lenguas; representaciones; plurilingüismo.

 

Introdução

A necessidade de realizar trabalhos de “sondagem” no campo da educação em línguas, com vista ao melhor conhecimento da relação que os sujeitos estabelecem com elas e com os povos a elas associados, é uma preocupação crescente. A pertinência dos estudos que se debruçam sobre a temática sujeito / línguas relaciona-se não só com a compreensão da identidade pessoal e social de cada um mas também com a possibilidade de realizar um trabalho que vise a construção e desenvolvimento de uma cultura de paz favorecedora de comportamentos dignos de uma cidadania democrática.

O estudo que apresentamos neste artigo pretendeu, de uma forma mais reduzida, até porque de carácter regional e local e não de cariz nacional e europeu, realizar uma “sondagem” acerca da forma como os alunos viam e sentiam diferentes línguas e povos, e como se posicionavam perante a sua aprendizagem e a sua presença no currículo escolar. As preocupações recentes com o estado da cultura linguística, que mais adiante definiremos, alarga-se ainda a uma necessidade de caracterização de um grupo determinado de alunos no que diz respeito à sua biografia e projectos linguísticos.

Assim, o texto parte de um enquadramento contextual, onde se retratam, de forma geral, as alterações recentes do tecido demográfico, económico e social de Portugal e das escolas portuguesas em particular. De seguida, no enquadramento teórico, propomo-nos reflectir acerca do conceito de cultura linguística e das suas três dimensões, e sobre a importância deste conceito para uma melhor caracterização da relação sujeito-língua, na sociedade actual. Explicita-se o estudo empírico desenvolvido, realizado com base em dados obtidos a partir da aplicação de um inquérito por questionário junto de uma amostra significativa de alunos do 9º ano de escolaridade do distrito de Aveiro. Apresentamos os principais resultados desse estudo e apontamos algumas das ideias base que estiveram na origem da segunda fase do projecto, motivada por este primeiro momento de sondagem acerca da cultura linguística. Concluímos o nosso artigo com uma breve reflexão sobre hipóteses de trabalho futuro e possíveis formas de desenvolvimento de uma cultura linguística facilitadora da construção da cultura de paz democrática onde todos ansiamos viver.

Enquadramento contextual do estudo

A importância de um estudo que pretenda conhecer a relação entre os sujeitos e as línguas (alunos do 9º ano de escolaridade, neste caso) ganha destaque quando observamos o tecido demográfico de Portugal nos últimos anos e, particularmente, da população escolar portuguesa.

Segundo o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo de 2010 (SEF: 2010), a população estrangeira residente em Portugal a 31 de Dezembro de 2010 totalizava 445.262 cidadãos. As nacionalidades mais representadas são, tal como sucedia em 2009: Brasil, Ucrânia, Cabo Verde, Roménia, Angola e Guiné-Bissau, sem que exista alteração de posição das principais dez nacionalidades.

Enquanto a comunidade brasileira continua a ser a mais representada (com 119.363 residentes em Portugal), regista-se um decréscimo do peso relativo das comunidades oriundas de Cabo Verde (43.979), Angola (23.494) e Guiné-Bissau (19.817), assim como dos novos fluxos migratórios provenientes de países do Leste europeu como a Ucrânia (49.505). A comunidade romena (36.380 pessoas) assume-se como a mais significativa entre os Estados membros da União Europeia.

O crescimento sustentado dos estrangeiros residentes em Portugal verificado na última década foi, no entanto, quebrado nos anos de 2005 e de 2010, resultado de uma combinação de factores, como o aumento da atribuição de nacionalidade portuguesa (desde a última alteração à lei da nacionalidade), a crise económica e financeira que Portugal vivencia (redução do investimento e do emprego) e a alteração dos processos migratórios em alguns países de origem (nomeadamente o Brasil e Angola).

Quanto à população escolar, o último relatório Eurydice, realizado em 30 países europeus, concluiu que no ano de 2003/04 havia cerca de 90 mil imigrantes no sistema de ensino português, sendo que a maior parte deles frequenta o 1º Ciclo (com 36.740 alunos), também com maior diversidade de nacionalidades de origem, sendo o 3º Ciclo do Ensino Básico o segundo nível de ensino mais frequentado (com 19.065 imigrantes). No total, os alunos de origem angolana registavam o maior número de estudantes (14.081), seguidos dos de origem cabo-verdiana (12.501), romena (8.784), guineense (4.507), brasileira (3.057), enquanto que os alunos oriundos de países da UE eram 12.563. Note-se que, nos dias de hoje, os valores relativos aos imigrantes do leste da Europa e aos brasileiros devem ser em maior número, devido ao forte crescimento que estes grupos nacionais registaram desde 2001.

Outro estudo, realizado pelo ILTEC (Instituto de Linguística Teórica e Computacional)1, concluiu, através das respostas a um inquérito por questionário, que 66.189 (89%) dos alunos a frequentar as escolas de Educação Básica de um con-junto de concelhos da Área Metropolitana de Lisboa são alunos portugueses e que 8.406 (11%) são não-portugueses, sendo inventariadas cerca de 58 línguas faladas em casa por estes alunos. Também no estudo de Mira Mateus (2011) se constata essa diversidade de línguas nas escolas.

Os dados que sumariamente apresentámos, oriundos de diferentes estudos, evidenciam a realidade escolar que Portugal está a viver, que se concretiza num alargamento da diversidade linguística e cultural e subsequente aumento de contactos interculturais. Cabe às escolas, e à educação em línguas em particular, um papel fundamental, nomeadamente no que respeita ao conhecimento da relação que os sujeitos estabelecem com as línguas e culturas, conhecimento esse que acreditamos que o conceito de cultura linguística nos poderá ajudar a obter. As próprias políticas linguísticas europeias e nacionais têm tentando fazer face a esta nova realidade (vf. Gonçalves, 2011).

Enquadramento teórico do estudo: a cultura linguística

As primeiras ocorrências do conceito de cultura linguística encontram-se em Feytor Pinto (1998) e Candelier (2000), ou seja, num período de tempo relativamente recente e de uma forma pouco expandida, o que determina um estado ainda incipiente de desenvolvimento teórico do conceito.

Concomitantemente, estes autores equacionam o conceito de forma distinta entre si, ora numa abordagem mais restritiva, focalizada na dimensão conteudal e declarativa (como Candelier, 2000), ora numa acepção mais abrangente, mas pouco desenvolvida do ponto de vista praxeológico (como Paulo Feytor Pinto, 1998). Este autor, inspirado em Schiffman (1996), apesar de englobar no conceito de CL o conjunto de comportamentos, atitudes, crenças, representações e modos de pensar as línguas, não aborda a conceptualização e desenvolvimento do mesmo numa perspectiva didáctica, em termos de um trabalho escolar com as línguas.

Do nosso ponto de vista, a cultura linguística diz respeito ao “conjunto de atitudes, estereótipos, representações e mitos relativamente às línguas (…), envolve saberes, quer sobre a LM do sujeito, quer sobre outras que já aprendeu ou não, e com que já contactou ou não, que funcionarão como um conjunto de referências que ajudam à compreensão do mundo plural em que o sujeito vive (…), que terão implicações na forma como o sujeito se relacionará com as línguas” (Simões, 2006: 145).

Acreditamos ainda que cultura linguística não será estática, definitiva, fixa e inalterável, mas antes evolutiva e dinâmica. Será ainda de natureza tridimensional, englobando três dimensões: (i) cognitiva; (ii) representacional/imagética e (iii) das práticas. A dimensão cognitiva relaciona-se com os saberes/conhecimentos dos sujeitos acerca do mundo das línguas.

A dimensão representacional/imagética diz respeito às atitudes e representações, estereótipos e preconceitos, ou seja, à imagem que o sujeito formula acerca das línguas e povos, motivadora de uma eventual relação de amor ou desamor em relação ao objecto em questão. Muitos são os trabalhos de investigação realizados nesta área, desde estudos sobre representações face a uma língua específica (o alemão: Perrefort, 2001; o inglês: Yang & Lau, 2003; o italiano: Paganini, 1994); representações face ao povo que fala essa língua e ao país correspondente (por exemplo, Cain & De Pietro, 1997); representações de conjuntos de línguas (por exemplo as línguas românicas e seus locutores: Billiez, 1996); ou ainda representações face a grupos mais vastos de línguas ou línguas em geral (Castelloti, Coste & Moore, 2001), ou estudos sobre os factores envolvidos no processo de construção dessas representações (Zarate, 1993). Esta dimensão representacional/imagética permite-nos estudar as representações/imagens que os sujeitos têm sobre as línguas e seus locutores, assim como os factores que estão na sua origem e que determinam a sua evolução.

A dimensão das práticas remete-nos para as práticas individuais e colectivas dos sujeitos em relação às línguas e culturas, tais como hábitos de leitura (livros, revistas, prontuários,...); hábitos de contacto com e de utilização de línguas variadas, em diferentes contextos e circunstâncias; visitas a instituições culturais ou a exposições de divulgação linguística e/ou cultural; envolvência na aprendizagem de línguas dentro e fora do contexto escolar; reacções perante o contacto com a diversidade linguística e cultural; hábitos de falar línguas e sobre as línguas com outros sujeitos, assim como o envolvimento em práticas de comunicação em que diferentes línguas se assumam como instrumentos de comunicação e ou de construção de relações interpessoais.

Relacionando estas dimensões com trabalhos realizados anteriormente sobre conceitos centrais na Didáctica, encontramos a dimensão cognitiva na competência plurilingue, em referência às operações de aprendizagem verbal e aos “processos de aprendizagem que o sujeito é capaz de gerir em situação de contacto de línguas” (Andrade & Araújo e Sá et al: 2003), situados em dois níveis: um processual e outro meta-processual (idem), incluindo ainda as capacidades de aprendizagem linguística e os procedimentos de aprendizagem de línguas. Também no modelo de competência intercultural (Byram, 1997), o domínio dos saberes inclui o conhecimento acerca dos grupos sociais (os seus e os dos outros) e das suas culturas, e o conhecimento acerca dos processos de interacção ao nível social e individual.

A dimensão representacional/imagética relaciona-se com a componente sócio-afectiva da competência plurilingue (Andrade, Araújo et al., 2003), que integra a predisposição e disponibilidade para contactar com diversas línguas e culturas, incluindo, deste modo, vontades, predisposições, motivações (instrumentais, integrativas e académicas), qualidades e representações (Andrade, Araújo et al., 2003: 494). No campo da competência intercultural, esta dimensão equipara-se à dimensão atitudinal perspectivada por Byram no seu modelo de trabalho: “attitudes towards people who are perceived as different in respect of the cultural meanings, beliefs and behaviours they exhibit, which are implicit in their interaction with interlocutors from their own social group or other” (1997: 35). O modelo de competência plurilingue parece ainda conceptualizar a dimensão das práticas predominantemente em termos de gestão da interacção, na qual as autoras incluem os “processos interactivos próprios das situações de contacto de línguas” (Andrade e Araújo e Sá et al, 2003: 495), e onde se observa como “o locutor aprendente constrói, colaborativamente, trocas plurilingues, lida com as línguas enquanto instrumentos de comunicação, provoca e se envolve em trocas de tutela significativas e regula o processo interaccional” (Andrade e Araújo e Sá et al, 2003: 495). Evidencia-se, pois, a necessidade de envolvimento dos sujeitos nas práticas que desenvolve e a motivação para agir, aqui a nível interaccional, mas que alargaremos a outras áreas da actividade humana.

Descrição do estudo

Como exemplo de um possível trabalho a realizar nas escolas, falaremos do projecto “A cultura linguística de uma população escolar no final da escolaridade obrigatória”, que teve como principais objectivos: (i) conhecer a cultura linguística da comunidade educativa portuguesa – alunos do 9º ano do distrito de Aveiro – face às línguas e ao seu ensino-aprendizagem e (ii) conceber, experimentar e avaliar um plano de intervenção didáctica, visando a sensibilização à diversidade linguística e cultural.

Procedimentos metodológicos

Para darmos resposta ao primeiro objectivo acima descrito, decidimos utilizar o inquérito por questionário, por este instrumento de recolha de dados poder ser administrado a uma amostra lata do universo e garantir o anonimato. Este instrumento de recolha de dados, a aplicar a uma vasta amostra de alunos do 9º ano do distrito de Aveiro, tinha os seguintes objectivos: caracterizar o público através de dados gerais (idade, sexo, escola,...); definir o perfil linguístico dos alunos; identificar os projectos linguísticos desses alunos; identificar as representações dos alunos face a línguas e povos.

Universo e amostra

O universo de alunos de todo o distrito a frequentar este ano de escolaridade perfazia um total de 7.712 indivíduos, que se distribuem por 77 escolas, pertencentes a dois CAE (Centro de Área Educativa): o de Aveiro (com 3.982 alunos no 9º ano de escolaridade) e o de Entre Douro e Vouga (com 3.730 alunos). Seleccionámos uma amostra que correspondesse a 25% do universo de sujeitos, o que completou um total de 1.926 indivíduos num conjunto de 24 escolas. Para se efectuar a escolha da amostra, utilizámos, num primeiro momento, uma amostra probabilística estratificada de tipo proporcional para seleccionar o número de alunos a inquirir por concelho. A amostra aleatória ou probabilística é aquela em que “cada um dos elementos do universo tenha probabilidade igual de integrar a amostra” (Pardal & Correia, 1995: 34), ou seja, cada um dos indivíduos do universo pode ter a mesma oportunidade de ficar representado na amostra. A amostragem estratificada apresenta uma divisão da população em estratos, pressupondo que se faça a repartição do universo em segmentos homogéneos. No caso da selecção de amostra que efectuámos, os estratos eram os concelhos de todo o distrito, que constituem por si só uma forma de categorização. Num segundo momento, utilizámos uma amostra de tipo não probabilístico intencional para seleccionar as escolas de cada concelho onde inquirir os alunos.

De um total de 1.926 inquéritos distribuídos, obtivemos a resposta de 1.837, o que fez com que o número de não resposta fosse apenas de 89 questionários.

O instrumento: processo de construção e estrutura

O inquérito por questionário, constituído por 27 questões, divide-se em quatro partes: caracterização geral, perfil linguístico, projectos linguísticos, representações face às línguas e povos. Foram utilizados diferentes tipos de perguntas, de acordo com os objectivos que pretendíamos e com o público a que se destinava: questões abertas (em número reduzido devido ao grande número de inquiridos), questões fechadas, questões de escolha múltipla (de leque e de estimação) e diferenciais semânticos.

Realizámos um pré-teste com 47 alunos do 9º ano, em duas turmas de duas escolas pertencentes ao distrito, que representam duas realidades diferentes a vários níveis (social, económico, cultural,...). Depois de apresentarmos alguns dados referentes à elaboração, distribuição e recolha do inquérito por questionário, importa agora apresentar alguns dos dados obtidos através da análise feita às respostas dadas, através do programa Spss.

Análise dos resultados

Relativamente à caracterização geral dos alunos, 54% dos inquiridos são do sexo feminino e 45.5% do sexo masculino (0.5 não responde). No que se refere ao seu background socioeconómico, e relativamente ao nível de escolaridade dos progenitores, quer o pai quer a mãe possuem um baixo nível de escolaridade (maioritariamente o 1º Ciclo do Ensino Básico). Quanto a vivências anteriores, uma grande percentagem dos alunos (85.4%) nunca viveu no estrangeiro e aqueles que o fizeram escolheram diferentes destinos, maioritariamente típicos de emigração portuguesa, como a França, a Venezuela ou os E.U.A. De entre os alunos que já haviam residido no estrangeiro, 48.2% afirmam saber falar a língua desse país, 32.1% revelam falar “alguma coisa” e apenas 14.8% não o fazem. A maioria dos alunos (89%) não tem nenhum progenitor de outra nacionalidade. Destaca-se, pois, nesta caracterização geral, o facto de a maioria dos alunos não ter experienciado a vivência no estrangeiro e de terem pais com reduzida escolaridade.

Quanto ao Perfil Linguístico dos alunos, um dos primeiros pontos a observar era referente à Língua Materna (LM) dos sujeitos. Constatámos que 95.2% dos alunos tinham o Português como LM, enquanto que apenas 22 alunos tinham o Espanhol, outros 22 o Francês, 14 o Inglês, e somente 5 alunos outras línguas. Existem ainda 25 alunos que não respondem à questão.

Note-se, no entanto, que 6.3% dos alunos têm pai e/ou mãe de nacionalidade estrangeira (a que surge em primeiro lugar é a Angolana) e, desse grupo de alunos, 43.9% falam a língua do pai e/ou mãe, o que confirma os dados do SEF atrás mencionados, onde se denota um número crescente de estrangeiros no nosso país.

Em relação à LE1, a grande maioria dos alunos (86.9%) tem o Inglês como LE1, enquanto que para apenas 11.5% o Francês é a primeira Língua Estrangeira estudada na escola. No que diz respeito à Segunda Língua Estrangeira iniciada na escola, 70% dos alunos têm o Francês como LE2 e só 10.8% tem o Inglês.

Quanto às línguas mais contactadas pelos alunos (em qualquer contexto, formal e/ou informal), a ordem é a seguinte: Inglês, Francês, Espanhol, Italiano, Alemão, Línguas Africanas, Chinês, Russo, Grego, Árabe e outras (ver gráfico 1).

 

 

Interessava agora analisar as circunstâncias em que ocorreram esses contactos de acordo com as línguas (cf. tabela 1), sendo que os tipos de contacto mais referidos foram: “Televisão e cinema” (N= 3.393), “Música” (N= 3.183), “Familia-res e amigos” (N= 2.076), “Instruções /rótulos de produtos” (N=1.937) e “Livros e revistas” (N= 1.734). O tipo de contacto que apresenta um menor número de ocorrências é “Escolas de línguas” (N= 501).

 

 

Concluímos, pois, que as circunstâncias de contacto se relacionam intimamente com as línguas em questão. Assim, notamos que, por exemplo, com o Inglês aparece a referência sobretudo no que diz respeito aos Media; no Francês às vivências familiares; no Espanhol à música e à relação de vizinhança e no Italiano aos media.

O segundo tópico a analisar é o dos Projectos Linguísticos dos alunos, onde importa, desde logo, abordar duas vertentes: as línguas que os alunos gostariam de estudar e as línguas em que os alunos pretendem matricular-se no 10º ano de escolaridade, que podem ser duas vertentes coincidentes em termos de resultados ou não.

Analisaremos apenas as 5 primeiras línguas mais referidas como aquelas que os alunos mais gostariam de estudar, as quais aparecem por esta ordem: Alemão (821 ocorrências), Italiano (523), Espanhol (441), Latim (252) e Nenhuma língua (191). Por sua vez, as línguas em que os alunos pretendem matricular-se são as seguintes: Inglês (716 ocorrências), Francês (380), Alemão (313) e Espanhol (63). Podemos concluir que não há coincidência entre as línguas que os alunos gostariam de estudar e aquelas em que vão matricular-se, o que se deve sobretudo a constrangimentos em termos de oferta linguística da escola e do currículo. Temos ainda de referir que o número total de ocorrências e, por isso, de referência a línguas que os alunos gostariam de estudar, perfaz 2.859, o que nos faz compreender que a grande maioria dos alunos indicou mais do que uma língua. Além disso, nota-se que a primeira língua mais referida pelos alunos é, por coincidência ou não, uma das que a escola pode oferecer no 10º ano de escolaridade (alemão), assim como a quarta (latim), embora a estrutura curricular não o permita a qualquer aluno.

A escolha da aprendizagem das línguas está intimamente relacionada com a imagem que os alunos têm das línguas: “L’image de la langue est liée à la motivation (…) les étudiants et bénéficiaires des programme européens se tournent vers les langues dites ‘utiles’ qui sont d’abbord pour la majorité d’entre eux l’anglais et le français (et dans une moindre mesure l’allemand)” (Gosse, 1997:156).

Assim, em relação ao constrangimento de oferta linguística da escola, podemos referir o exemplo do Italiano e do Espanhol aparecerem respectivamente em segunda e terceira posição como as línguas que os alunos mais gostariam de aprender e não aparecer, em contrapartida, uma única ocorrência em relação ao Italiano na matrícula no 10º ano, por esta não ser uma opção nas nossas escolas. Aparecem apenas 63 alunos a referir que irão matricular-se em Espanhol (contrastando como o número de 441 que desejaria aprender esta língua), devido ao facto de poucas escolas terem esta disciplina como opção.

O terceiro tópico a analisar é o das representações dos alunos face à diversidade linguística e cultural. Quanto ao prestígio que as línguas tinham para os alunos e as razões que lhes concediam esse prestígio, a ordem das línguas que os respondentes consideram terem mais prestígio é a seguinte: Inglês, Francês, Português, Alemão, Espanhol, Italiano, Latim, Chinês, Japonês, Russo, Grego, Hindu, Hebraico, Holandês e Árabe. Quanto às razões que conferem prestígio às línguas, elas aparecem por esta ordem: grau de internacionalização; número de pessoas que fala a língua como LM; importância cultural e literária; importância científica e tecnológica e importância política e económica. Os factores de ordem política surgem, de novo, na última posição.

Relativamente à opinião dos alunos acerca da variedade de oferta de línguas no currículo escolar, cerca de 46.3% pensam que a escola devia oferecer maior variedade de línguas, 28.5% não têm opinião (o que é significativo, já que demonstra que, provavelmente, os alunos ainda nem pensaram nesta hipótese porque sentem que têm de se integrar no sistema sem possibilidade de o mudar) e 23.7% consideram que a escola não deve oferecer maior variedade de línguas. Estes dados confirmam uma das conclusões de um estudo realizado por Feytor Pinto (1998: 78), onde o italiano foi a língua estrangeira que a maioria dos professores inquiridos (40.3%) considerou ser a próxima língua a ser introduzida no nosso país como oferta de estudo na educação básica.

As línguas que os alunos referem como aquelas que deveriam aparecer na escola são: o Italiano (N= 428), o Espanhol (N=398), o Alemão (N=296) e depois várias línguas “exóticas” (Chinês, Grego, Russo, Japonês,...), ou, como refere Roualt, « langues  lointaines » (Roualt, 2001 : 63)

No entanto, apesar deste desejo de aprender línguas e de se notar a vontade de alargar a variedade de línguas oferecidas na escola, notamos que os alunos estão decepcionados com as aprendizagens que têm feito até agora. Isto percebe-se quando, na resposta à questão “Deixarias de estudar alguma língua?”, um conjunto de 772 alunos (42%) diz que sim (deixariam de estudar alguma língua), 537 alunos dizem que não (29%), 470 alunos não sabem (26%) e 60 não respondem (3%). Quando foi perguntado aos alunos que responderam que sim na resposta anterior que língua(s) deixariam de estudar, 449 alunos referem o Francês, 378 o Inglês e 37 o Português, o que perfaz um total de 864 alunos. Ao compararmos este número (864) com o total de alunos que responde que deixaria de estudar uma língua (772), vemos que há alunos que referem o abandono do estudo de mais do que uma língua (daí a diferença numérica entre os 77 e da reposta anterior e os 864 desta questão). Assim, tendo em conta estes dados, podemos concluir que há que repensar o ensino-aprendizagem das línguas na escola e o papel dos professores de línguas, já que parte do público escolar que se encontra no 9º ano apresenta alguma decepção em relação às aprendizagens efectuadas até ao momento.

Isto nota-se de novo quando se percebe que, apesar de muitos alunos quererem abandonar o estudo de uma ou mais línguas, grande parte deles tem consciência da importância da aprendizagem de línguas. Isto porque 1.585 alunos consideram importante estudar línguas, enquanto que 167 não sabem e 74 dizem que não. Em relação ao número de línguas que é importante estudar, 40% dos alunos refere mesmo mais do que duas LE.

Quando se pergunta aos alunos por que é importante estudar línguas, 79% dos alunos referem objectivos de ordem prática, 11% objectivos culturais, 3% objectivos formativos e somente 1% objectivos políticos. Sublinhamos a relação entre estas razões e as da escolha da LE no que diz respeito aos objectivos, já que os de ordem prática aparecem em primeiro lugar e aparece pouca importância atribuída aos factores de ordem política.

No campo das representações dos alunos face às línguas, utilizámos ainda um diferencial semântico com base em outros estudos já realizados, onde incluímos diferentes binómios: feia/bonita; difícil/fácil; inútil/útil; rica culturalmente/pobre culturalmente e com importância política/sem importância política.

Os alunos tinham a liberdade de escolher sete línguas sobre as quais iriam dar a sua opinião neste diferencial semântico e numa escala de 1 a 7. A ordem de escolha das línguas é a seguinte: Inglês, Francês, Português, Espanhol; Italiano, Alemão; Chinês; Russo; Japonês; Grego; Árabe; Neerlandês; Línguas Africanas e Crioulo. Para além de notarmos que as primeiras são mais ou menos as mesmas que aparecem nas outras listagens anteriores, temos de referir que existem duas línguas que não são escolhidas pelos alunos: o Hindu e o Latim. Em relação à primeira, não é de estranhar o facto de não ser referida, mas em relação à segunda parece-nos um pouco estranho que assim aconteça, o que demonstra que os alunos, apesar de a incluírem no grupo de línguas com prestígio, não parecem saber muito ou terem muitas opiniões formadas acerca do Latim.

Quanto às representações dos alunos face às diferentes línguas, e referindo-nos às línguas cuja posição aparece no ponto mais extremo, aparece-nos o Português no campo mais positivo (mais bonita, mais fácil, mais útil e mais rica culturalmente), o que demonstra que os alunos têm uma boa imagem da sua língua, já que só não a colocam no topo no que diz respeito à importância política. De seguida, aparece o Inglês, com referência a três aspectos: útil, rica culturalmente e com importância política, o que salienta a imagem desta língua sobretudo no que se refere a questões práticas. Também noutros estudos (cf. Simões, 2006) se conclui que a língua inglesa aparece sobretudo associada, por alunos de diferentes níveis de ensino e de forma muito homogénea e consistente, a aspectos de ordem pragmática e funcional. Refira-se também as conclusões do Eurobarómetro das Línguas, onde os sujeitos, quando questionados acerca da(s) língua(s) que são mais úteis, mencionam, em primeiro lugar, o Inglês (75%).

Por último, ainda no extremo positivo, aparece-nos o Italiano, que aparece referido apenas uma vez no extremo mais positivo, no que diz respeito ao item bonito.

Quanto aos extremos negativos, a variedade de línguas é maior e refere-se sobretudo a línguas mais “longínquas”. Aquela que é mais referida é o Árabe (nos itens feia, difícil e inútil), seguida do Chinês e do Japonês (que aparecem ambas nos itens difícil e inútil), do Russo (no item feia) e do Crioulo (no item inútil). No que diz respeito aos itens pobre culturalmente e sem importância política, não existe nenhuma ocorrência no extremo negativo.

Em relação às representações dos alunos face aos povos e nacionalidade, utilizámos também um diferencial semântico com um outro conjunto de binómios: tristes/alegres; organizados/desorganizados; simpáticos/antipáticos; bonitos/feios; limpos/sujos; barulhentos/silenciosos; solidários/egoístas e racistas/abertos aos outros.

Importa fazer referência de novo aos povos mais referidos, cuja ordem é a seguinte: Portugueses, Franceses, Brasileiros, Ingleses, Ciganos, Espanhóis, Italianos, Alemães, Venezuelanos, Chineses, Moçambicanos, Japoneses, Russos, Holandeses, Cabo-Verdianos, Polacos, Árabes e Gregos. Note-se a inclusão de duas novas referências nos cinco primeiros povos mais referidos, que são os Brasileiros e os Ciganos.

Nota-se uma concentração das representações negativas em relação aos Ciganos (que a aparecem no extremo negativo em todos os itens com excepção do primeiro tristes), tal como acontece noutros estudos (por exemplo, Cortesão e Pinto, 1995), e uma grande referência aos brasileiros nas representações positivas.

Assim, em relação aos extremos negativos, além dos Ciganos, aparece-nos apenas a referência aos Moçambicanos no primeiro item (tristes/alegres), denotando-se ainda uma grande frequência de sentimentos neutros face aos outros povos. Quanto às representações positivas, os Brasileiros são o povo que aparece mais vezes no extremo positivo (só não são referidos no item organizados), seguidos dos Portugueses (que não são referidos em dois itens: organizados e bonitos), dos Italianos (referência o item alegres e limpos), dos Ingleses (no item organizados e limpos) e dos Japoneses (no item organizados). Vários outros estudos confirmam uma imagem positiva dos italianos (Paganini, 1994).

Note-se, no entanto, que os Ingleses poderão ser confundidos, pelos alunos, com outros povos falantes de língua inglesa, como os Americanos, devido à forte presença destes nos media a que os alunos têm acesso diariamente (como por exemplo nas séries televisivas ou no cinema) e à importância dos media na (re)formulação das representações dos sujeitos. Também os manuais escolares podem ter esse papel, como referem Amossy & Herschberg Pierrot: “Les enfants et les adolescents prennent connaissance de certaines réalités à travers les séries télévisées, la BD, mais aussi les livres scolaires”  (1997: 37).

Podemos ainda destacar um conjunto de povos acerca dos quais os alunos formulam sobretudo representações neutrais, aparecendo no extremo destas situações, porque em todos os itens, o povo russo. Com excepção das representações neutras, os Árabes são vistos como bonitos (3), os Japoneses como simpáticos (3) e limpos (3), os Gregos como simpáticos (3) e organizados (3), os Cabo-verdianos como alegres (3), simpáticos (3) e solidários (3), os Chineses como organizados (3), limpos (3) e simpáticos (3), e os Moçambicanos como simpáticos (3), solidários (3), abertos aos outros (5) e tristes (3), aliás, única referência a um povo como sendo triste.

A existência de todas estas representações neutrais denota, desde logo, alguma dificuldade dos alunos em definirem as suas representações face a alguns povos, sobretudo os menos contactados, e em relação a determinadas categorias, como é o caso de “barulhentos/silenciosos” (com 15 povos no campo neutro) e “racistas/abertos aos outros” (com 14).

Conclusões

Assim, depois de uma análise dos dados recolhidos através deste inquérito por questionário, podemos delinear algumas notas conclusivas. Pela resposta dos alunos nota-se a existência de um certo monolinguismo, tanto no que diz respeito à caracterização dos alunos e aos seus projectos linguísticos, como nas representações que eles apresentam, que são muito neutras face a várias línguas e povos. Relacionado com este ponto está também o de os alunos apresentarem um horizonte linguístico muito reduzido, o que se observa ainda na sua visão linguística muito limitada, quer no que diz respeito aos seus projectos curriculares, quer nas circunstâncias de contacto com as línguas, quer mesmo no que se refere ao seu “futuro linguístico”. Apesar de existirem essas limitações, existe também da parte dos alunos uma abertura à aprendizagem linguística, por exemplo no que diz respeito ao desejo que os alunos manifestam em aprender línguas e na compreensão que têm do papel e importância da aprendizagem das mesmas. Além disso, não se notam muitas representações de ordem negativa no que diz respeito às línguas e culturas, mas sim opiniões positivas ou neutras.

O horizonte linguístico limitado que os alunos apresentam deve-se, talvez, aos constrangimentos que as escolas impõem aos alunos, quer na oferta linguística limitada, que não aparece satisfazer os desejos de aprendizagem de línguas dos alunos, quer na rigidez curricular que apresenta (por exemplo, no caso da impossibilidade de alunos matriculados no 10º ano de determinados departamentos iniciarem o estudo de mais do que uma LE), quer mesmo no que se refere à carga curricular apresentada aos alunos.

Através da análise das respostas ao questionário, podemos ainda concluir que existe uma relação de distanciamento por parte dos alunos face à sua LM, assim como uma falta de conhecimentos de ordem linguística, entendida aqui como um conjunto de saberes/conhecimentos acerca das línguas. Esta falta de conhecimentos revela-se, por exemplo, em relação a alguns tópicos, como: as famílias linguísticas (desconhecimentos revelados em alguns aspectos das respostas relativas à proximidade de outras línguas com a Língua Portuguesa); as variedades e variantes da Língua Portuguesa (quando os alunos referem por exemplo, a língua * “Brasileira”, * “Moçambicana”, * “Angolana”,...) e no Latim (evolução e contacto com a “língua mãe” − que não é quase nunca referido). Alguns destes aspectos não parecem, no entanto, ser apenas típicos de grupos de alunos, já que outros estudos evidenciam dificuldades desta ordem junto de professores de línguas (Feytor Pinto, 1998).

Na globalidade, os alunos parecem ter uma boa imagem da sua LM (a mais bonita, a mais útil, rica culturalmente e com importância política), apesar de a considerarem, enquanto objecto escolar, como uma língua difícil. As outras línguas da escola, consideradas por eles como as que lhes estão mais próximas, são vistas como as mais úteis (como é o caso do inglês, português e francês, italiano e espanhol) e aquelas estudadas pelos alunos parecem deter, para eles, uma maior importância política.

De uma forma geral, podemos dizer que as línguas são sobretudo equacionadas como objectos mais difíceis do que feios, já que aparecem muito mais referências nos extremos do binómio facilidade/dificuldade do que no de feia/ bonita. Indicia-se, por isso, a tendência para que: as línguas mais distantes e menos contactadas sejam vistas como as mais difíceis; as línguas estudadas pelos inquiridos sejam consideradas ora as mais fáceis (inglês) ora as mais difíceis (portuguesa) e as línguas românicas próximas, apesar de não estudadas, como o italiano e espanhol, serem consideradas fáceis, ao contrário do alemão, que vê perpetuado o mito de língua difícil. Parece ainda ser mais difícil para os alunos posicionarem-se quanto à riqueza/pobreza cultural das línguas e à sua importância política, enquanto que facilmente equacionam a imagem que têm das línguas quanto à sua beleza, facilidade ou utilidade.

Este poderá ainda ser um factor motivador do desenvolvimento de imagens muito escolarizadas das línguas, muito em particular, por exemplo, no que se refere à hierarquização das mesmas relativamente a aspectos como a utilidade, importância ou facilidade.

Os alunos parecem ainda valorizar os aspectos relacionados com a dimensão instrumental e comunicativa das línguas, nomeadamente nas finalidades de aprendizagem e nas razões para o prestígio das mesmas, relacionando a importância de uma língua com a sua utilidade e importância política e, concomitantemente, com a importância da sua aprendizagem. O inglês, por exemplo, destaca-se como língua internacional, útil para a comunicação e, por isso, importante de aprender, principal razão pela qual escolheriam esta língua como LM.

As línguas próximas da LM dos alunos, italiano e espanhol, indicadas como línguas que gostariam de aprender, são vistas como bonitas e úteis. Associa-se, de novo, a aprendizagem e a importância das línguas com a utilidade e a beleza que lhes são atribuídas. A imagem positiva destas duas línguas pode também relacionar-se com o facto de existir uma disponibilidade afectiva face a algumas línguas exteriores ao currículo escolar, criando quase uma imagem idealizada das mesmas, porque não equacionadas em termos de objectos escolares.

Podemos, ainda, concluir que as imagens que os alunos têm das línguas parecem condicionar os seus projectos linguísticos: as imagens positivas face ao italiano e ao espanhol podem estar relacionadas com o desejo de as conhecer melhor, enquanto que imagens negativas de línguas como o árabe, o japonês ou o chinês parecem levar os alunos a não gostar de as estudar no futuro.

Quanto às imagens dos povos, podemos concluir que se mantém uma boa auto-imagem nacional, assim como todo um conjunto de representações positivas face a vários outros povos, como os Brasileiros, Italianos e Ingleses. Aliás, os Brasileiros surgem como sendo ainda melhores que os Portugueses em várias características, os Italianos como povo caloroso, alegre e amistoso e os Ingleses como limpos e organizados. Nota-se ainda, à semelhança do que aconteceu com as línguas, uma relação entre o distanciamento e/ou menor contacto com determinados povos e a presença de representações neutrais face a estes. Parece ainda existir uma tendência para representações negativas relativamente a minorias, como é o caso dos Ciganos, grupo que aparece sempre no campo mais negativo, com excepção do de povo alegre.

Estas conclusões colocam alguns desafios quer ao sistema educativo, quer à escola, mais propriamente aos professores. Esses desafios passam, no nosso entender, pela necessidade de realizar um trabalho articulado entre as várias línguas, no sentido de diversificar as línguas com as quais os alunos podem contactar e ainda por um trabalho de sensibilização dos alunos para a diversidade linguística e cultural. Tendo concluído que o reduzido contacto com determinadas línguas aumenta o seu sentimento de afastamento em relação a elas, e a ideia de inutilidade das mesmas, acreditamos ser necessário multiplicar e diversificar as experiências linguísticas e interculturais dos professores e alunos.

É ainda importante realizar um trabalho bem estruturado que ajude o público escolar a tornar-se mais consciente não só dos seus conhecimentos sobre e nas línguas (dimensão cognitiva), das suas representações, imagens, estereótipos e preconceitos (dimensão imagética/representacional) e das suas práticas e contactos no universo plurilingue e intercultural que os rodeia (dimensão das práticas). O desenvolvimento da cultura linguística dos alunos só será possível se se tentarem abordar as três dimensões deste conceito e se estas foram trabalhadas de forma integrada e complexificada.

Foi este o desafio com que partimos para a segunda fase do nosso estudo, que consistiu num trabalho interdisciplinar e colaborativo com uma turma de alunos, durante um ano lectivo, e que teve como principal objectivo o desenvolvimento da sua cultura linguística, sendo os resultados desta segunda fase apresentados noutras publicações.

 

Referências Bibliográficas

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Data de Submissão: Julho de 2012

Data de Avaliação: Outubro de 2012

Data de Publicação: Abril de 2013

 

Notas

1 Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa, coordenado por Maria Helena Mira Mateus, realizado entre Março de 2003 e Fevereiro de 2004, com o Ministério da Educação – Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian: (http://www.iltec.pt/projectos/em_curso/divling.html)

2 Siglas das línguas: Ing= Inglês; F= Francês, E= Espanhol; It= Italiano; LAfr= Línguas Africanas;Ch= Chinês; Russ= Russo; Gr= Grego; Ár= Árabe; Out= Outras