SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número1-2Fatores demográficos na percepção do risco de compra pela Internet: O caso de um site brasileiro de venda de ingressos índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 1645-4464

Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão v.10 n.1-2 Lisboa jan. 2011

 

O caleidoscópio da estratégia

O papel das consultorias externas no strategizing de uma organização

Silvana Walter* e Paulo Augusto**

 

* Doutorada em Administração (Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR). Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Regional de Blumenau (FURB), Brasil. silvanaanita.walter@gmail.com

** Doutorado em Administração (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo - FGV/SP). Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil. paulo.augusto@pucpr.br

 

Resumo

Este artigo objetiva investigar como consultores participam do strategizing (planeamento de uma estratégia) de uma organização. A base teórica empregada faz uso da abordagem de estratégia como prática e procura conjugá-la com a teoria institucional. Realizou-se um estudo de caso no Banco CNH Capital, um banco brasileiro, a partir da análise de seis programas que envolvem consultorias. Para a coleta de dados, empregaram-se entrevistas semiestruturadas, análise documental e observação não-participante e, para a análise de dados, se fez uso da análise de conteúdo. No que tange ao contexto, destaca-se que o momento da aplicação da pesquisa coincidiu com a deflagração da mais recente crise econômica mundial. Dentre os resultados obtidos, destaca-se a variação existente no grau d e atuação e de responsabilidade das consultorias, na promoção de aprendizado e no grau de customização. O estudo permitiu inferir que as consultorias podem atuar, dependendo do programa, como parceiras da organização contratante, conselheiras ou executoras do projeto. A respeito do papel das consultorias no strategizing, observou-se que estas podem atuar na legitimação de estratégias, no auxílio ao processo e como agentes isomórficos .

Palavras-chave: Consultorias Externas, Strategizing, Estratégia como Prática, Teoria Institucional, Organização Bancária

 

Strategy kaleidoscope: the role of external consultancies in the strategizing of an organization

Abstract

This study aims to investigate how consultants participate in the strategizing of an organization. The theoretical basis employed makes use of the strategy approach as practice and seeks to combine it with the institutional theory. To achieve this goal, a case study was performed in a Brazilian bank, Banco CNH Capital, from the analysis of six programs involving consultancies. For data collection, were used semi-structured interviews, documental analysis and non-participant observation, and for the data analysis, it was done the content analysis and categorization, as proposed by Straus and Corbin (2008). Referring to the context, it is detached that the research application moment coincided with the outbreak of the most recent global economic crisis, which exerted b influence on the researched organization. Among the obtained results, it is detached the existing variation in the performance and responsibility degree of the consultancies, in promoting learning and in the customization degree. The results permitted to infer that the consultancies can actuate, depending on the program, as partners of the contracting organization, advisors or executors of the project. Regarding the role of consultancies in strategizing, it was observed that they can act in the strategy legitimation, in the process aid and as isomorphic agents.

Key words: External Consultancies, Strategizing, Strategy as Practice, Institutional Theory, Banking Organization

 

El caleidoscopio de la estrategia – El papel de las consultoras externas en la elaboración en el strategizing de una organización

Resumen

Este artículo investiga cómo las empresas consultoras participan en el strategizing (planificación estratégica) de una organización. El marco teórico que hace uso de la estrategia como práctica y busca cómo se conjuga con la teoría institucional. Se realizó un estudio de caso en el Banco CNH Capital, un banco brasileño, a partir del análisis de los seis programas que involucran a consultoras. Para recopilar los datos, se utilizaron entrevistas, análisis de documentos y la observación no participante, y para el análisis de datos, se hizo uso del análisis de contenido. En cuanto al contexto, se hace hincapié en que el momento de aplicación de la encuesta coincidió con el estallido de la última crisis económica mundial. Entre los resultados, hay una variación en el grado de actuación y responsabilidad de las consultoras, la promoción del aprendizaje y el grado de personalización. El estudio también ha demostrado que las consultoras pueden actuar, en función del programa, como socios de la organización contratante, consejeros o en la ejecución del proyecto. En cuanto al papel de las consultoras en el strategizing, se observó que pueden actuar en la legitimación de estrategias, para facilitar el proceso y cómo agentes isomorfos.

Palabras-clave: Consultoras Externas, Strategizing, La Estrategia como Práctica, Teoría Institucional, Organización de la Banca

 

Na década de 1990, surgiu a perspectiva de estratégia como prática, na qual a estratégia é vista como uma prática social, na qual os estrategistas atuam e com a qual interagem (Whittington, 1996). Para analisar as práticas dos estrategistas das organizações, a estratégia como prática adota uma perspectiva em nível micro, procurando, contudo, relacioná-la aos níveis organizacional e institucional (Johnson et al., 2007). A respeito do nível institucional, percebe-se a importância de conciliar a estratégia como prática e a abordagem institucional, pois esta pode ampliar o foco da estratégia como prática.

Já no tocante ao nível organizacional, a estratégia como prática considera que as ações de diferentes estrategistas em nível micro são fundamentais para as estratégias da organização como um todo. Neste sentido, além dos estrategistas internos das organizações, atores externos também influenciam a estratégia das organizações (Whittington, 2006). Contudo, de acordo com o autor citado, a origem das práticas estratégicas sugeridas por praticantes externos ainda é incerta. Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007) acrescentam que ainda existem poucos estudos a respeito dos estrategistas externos. Assim, destaca-se a relevância de analisar a práxis de estrategistas externos, como os consultores, e suas consequências para as práticas estratégicas das organizações.

Por considerar relevante analisar a atuação de estrategistas externos, realizou-se o estudo de caso ora apresentado. Teve-se como ponto de partida as questões: Qual o papel dos consultores externos no strategizing? E qual o objetivo de investigar como os consultores externos participam do strategizing das organizações e como essas práticas estratégicas são legitimadas internamente?

Tem-se ainda a intenção de conjugar a perspectiva de estratégia organizacional e a de teoria institucional. De seguida, na primeira seção, refere-se a fundamentação teórica do estudo; na seção seguinte, a metodologia empregada na pesquisa; depois a análise dos dados obtidos; e, por último, as considerações finais.

 

Fundamentação teórica

Nesta seção, apresenta-se a base teórica que serviu de norte para este estudo. Inicialmente, destaca-se o modelo de Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007), apresentado na Figura. Esse modelo fornece uma base teórica para analisar a participação dos consultores no strategizing das organizações e abrange práxis, práticas e praticantes.

 

Figura

Interconexão entre práxis, práticas e praticantes

 

Para Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007, p. 11), a práxis consiste em um «conjunto de atividades locais, socialmente aceitas e estrategicamente importantes para a orientação e a sobrevivência de um grupo, uma organização ou uma indústria»; as práticas referem-se a «práticas cognitivas, comportamentais, procedimentais, discursivas, motivacionais e físicas combinadas, coordenadas e adaptadas para criar uma práxis»; e os praticantes consistem em atores que afetam a construção de práticas pelo que são, pela forma como agem e pelos recursos que utilizam.

Percebe-se que o strategizing acontece na interconexão entre os três elementos, práxis, práticas e praticantes. Pode-se associar o conceito de strategizing à imagem de um caleidoscópio que, por meio de seus espelhos - práticas, práxis e praticantes -, permite a visualização dos diferentes elementos que constroem a estratégia. O strategizing inclui as ações, as interações e as negociações de atores múltiplos, bem como as práticas situadas que eles utilizam para realizar uma atividade também situada e socialmente realizada (Jarzabkowski, 2005), ou seja, o strategizing consiste na construção de atividades por meio das ações e das interações dos múltiplos atores, bem como das práticas que eles utilizam.

Tem-se, ainda, o modelo de Whittington (2006), que, ao relacionar prática, práxis e praticantes, indica a influência de atores externos na adoção de práticas estratégicas nas organizações. Segundo o autor, a concepção de prática recorre a rotinas compartilhadas de comportamento, incluindo tradições, normas, maneiras de pensar e atitudes em um sentido mais amplo. Já a práxis consiste em uma atividade atual que os atores executam em prática, consistindo no trabalho intraorganizacional exigido para fazer e executar a estratégia. Praticantes são os atores da estratégia, são os estrategistas que executam as atividades de prática, ou seja, realizam atividades envolvidas com a formulação e a implementação da estratégia. As práticas estratégicas são utilizadas pelos praticantes em sua práxis (Whittington, 2006).

Este modelo destaca praticantes internos e externos à organização. Os internos compartilham algumas práticas e confiam nelas; no entanto, em algum momento, eles podem alterar uma prática, realizando uma adaptação. Eles podem, também, incorporar uma prática nova trazida para a organização por um praticante extraorganizacional, como um consultor.

Assim, os praticantes se configuram como centrais na transferência e na inovação de práticas estratégicas. A partir do mencionado por Whittington (2006), nota-se que os consultores atuam como praticantes externos à organização, podendo interferir na adoção de uma nova prática estratégica pela organização e, até, proporcionar essa adoção. Isso pode ser um indício da ocorrência de um mecanismo isomórfico institucional.

Segundo DiMaggio e Powell (1983), o isomorfismo institucional é fomentado por três mecanismos: o coercitivo, derivado de influências políticas; o mimético, oriundo da imitação organizacional diante da incerteza ambiental; e o normativo, derivado, principalmente, de aspectos da profissionalização, como normas, regulamentos e métodos de trabalho. Segundo os autores, esta é uma distinção analítica, sendo que os três tipos não são empiricamente distintos.

Scott (2008) destaca que as profissões podem atuar como agentes legitimadores de determinadas práticas. Neste sentido, acredita-se que os consultores também possam atuar legitimando práticas e estratégias nas organizações em que atuam. Suchmann (1995) considera que a legitimidade consiste em uma suposição ou percepção mais geral de que as ações de uma entidade são desejáveis ou socialmente apropriadas dentro de sistema de valores, normas e convicções.

Já Weber (2000) frisa a importância de a maioria dos indivíduos do grupo aceitar determinada prática para que esta obtenha legitimidade. Essa obediência à determinada ordem vigente está normalmente associada, de acordo com o autor, a uma crença na legitimidade de três maneiras distintas: de caráter racional (legitimidade das ordens estabelecidas e poder de mando dos superiores), de caráter tradicional (legitimidade das tradições e crenças vigentes) ou de caráter carismático (legitimidade baseada nas características pessoais de um indivíduo). Mantere (2008) acrescenta que uma forma de obter legitimidade para uma prática junto aos integrantes de uma organização é envolvê-los no processo.

Johnson, Scholes e Whittington (2007) e Paula e Wood Jr. (2008) abordam o papel dos consultores no desenvolvimento de estratégias em organizações. Johnson, Scholes e Whittington (2007) enfatizam que muitas organizações se valem do trabalho de consultores para desenvolver e/ou validar estratégias. De acordo com os autores, isso pode ocorrer porque as organizações desejam consultar uma percepção externa ou eliminar possíveis desacordos internos no que tange às estratégias, visto que, diante do papel simbólico exercido pelos consultores, o trabalho e as sugestões destes costumam ser valorizados pelos membros das organizações.

Paula e Wood Jr. (2008) identificaram a existência de duas formas de atuação das consultorias: a padronização e a customização. A primeira possui uma tendência predominantemente exogênica, ou seja, os consultores costumam se valer de «pacotes» e de ferramentas gerenciais, em geral importados, para solucionar problemas locais. Já a segunda tende a ser endogênica, i.e., os consultores buscam soluções de acordo com as necessidades locais das empresas nas quais atuam.

A adoção de uma perspectiva de customização pelas empresas de consultoria, de acordo com os autores, pode encontrar barreiras relacionadas às expectativas dos clientes; às imposições de tempo e de ritmo; e às competências próprias de cada consultor.

A partir desse estudo, percebe-se que as empresas de consultoria brasileiras estão vivenciando uma dicotomia entre a reprodução e a construção de soluções, sendo que a opção por uma das perspectivas está relacionada a características do projeto, do cliente e do consultor.

Por meio da revisão de literatura apresentada nesta seção, destacou-se o processo de strategizing e a influência de atores externos e de elementos do campo organizacional neste processo, de forma a demonstrar a relação existente entre os níveis individual, organizacional e institucional e, consequentemente, entre as abordagens de estratégia organizacional, estratégia como prática e institucional. Discutiu-se, também, o papel exercido pelos consultores no desenvolvimento de estratégias em organizações.

 

Estratégia da pesquisa

Para responder à pergunta de pesquisa, realizou-se um estudo de caso único (Stake, 2005) do Banco CNH Capital, localizado na cidade de Curitiba, estado do Paraná, Brasil. A escolha dessa empresa se deu por sua adequação aos objetivos deste estudo, visto que recorre a diferentes consultorias externas para auxiliar no desenvolvimento de sua estratégia. A pesquisa abrangeu seis programas de consultoria em andamento na empresa no momento da pesquisa – Evolution, Planejamento Estratégico, 6 Sigma, 5S, Central de Atendimento e Recrutamento de Executivos –, sendo que envolvem a participação de cinco consultorias.

O nível de análise empregado foi o organizacional, a unidade de análise consistiu na prática estratégica e a unidade de observação foi a influência dos consultores externos nas práticas estratégicas organizacionais.

Realizou-se a coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas, análise documental e observação não-participante. Realizaram-se as entrevistas com os praticantes internos e os consultores externos responsáveis pelos programas pesquisados.

Assim, entrevistaram-se 5 praticantes internos, visto que um deles é responsável pelo acompanhamento de 2 programas, e 7 consultores, uma vez que 2 consultores atuaram em um dos projetos. As entrevistas tiveram duração média de duas horas, foram gravadas em áudio e transcritas literalmente. Para a análise documental, verificaram-se projetos, portfólios, relatórios, slides de palestras e outros materiais relacionados aos projetos de consultoria. Já a observação não-participante ocorreu por meio da participação dos pesquisadores em reuniões e em treinamentos dentro dos programas, bem como pelas visitas realizadas ao banco durante o período da pesquisa.

Realizou-se a análise dos dados transcritos por meio da análise de conteúdo com o auxílio do software Atlas.ti 5.0.

 

Apresentação e análise dos dados

O Banco CNH Capital, inicialmente denominada Banco New Holland, foi criado, em 1999, como uma forma da fábrica New Holland financiar suas vendas. Ainda em 1999, a New Holland comprou a Case, e o banco assumiu as operações de financiamento da New Holland, Case IH, Case e FiatAllis, passando a adotar o nome atual. O banco, atualmente, possui unidades no Brasil, nos EUA, no Canadá, na Europa e na Austrália, sendo a matriz nos Estados Unidos. A unidade brasileira, localizada em Curitiba, possui aproximadamente 200 colaboradores e apresentou uma receita de intermediação financeira de R$ 338.395.000,00 (cerca de €133,75 milhões, ao câmbio da altura) no primeiro semestre de 2008. Considera-se importante destacar que a aplicação desta pesquisa coincidiu com a deflagração da mais recente crise econômica mundial, a qual afetou a instituição pesquisada, culminando na retração de algumas ações que envolviam tempo dos estrategistas internos e recursos financeiros.

· Atuação das consultorias

Analisou-se a atuação dessas consultorias no tocante a: grau de atuação e de responsabilidade no programa; promoção da aprendizagem; e grau de customização.

A respeito do grau de atuação e de responsabilidade da organização contratante e da consultoria, o gestor de marketing destaca que as soluções necessitam ser criadas em conjunto pela consultoria e pela empresa, como no caso do programa Evolution. Além disso, a gestora de RH ressalta que o erro em que muitas consultorias incorrem é tentar implantar um pacote pronto de soluções nas empresas. No entanto, alguns consultores pareceram apresentar certa resistência inicial a esse tipo de atuação.

No caso do programa Planejamento Estratégico, a pedido do banco, a consultoria alterou seu processo para desdobrar o plano até ao nível dos objetivos individuais de cada colaborador, o que, a princípio, causou certo desconforto no consultor que nunca havia realizado o planejamento desta forma. Uma das consultoras vinculadas ao programa Evolution ressaltou que o banco procurou participar ativamente em diversos aspectos relacionados ao programa e que isso não era comum, se comparado à participação de outras empresas. Nessa mesma direção, dois consultores destacaram que esse tipo de atuação torna mais moroso o trabalho da consultoria.

Ressalta-se, ainda, que a consultoria que acompanha os programas 5S e Central de Atendimento, pretende, para o futuro, transformar alguns programas em pacotes pré-formatados para venda. Um dos consultores dessa consultoria tem a concepção de que a customização de cada projeto exige muito tempo e causa perdas de eficiência para a consultoria. O mesmo consultor crê que os empresários gostam das coisas materializadas. Assim, o cliente poderia comprar um produto e aplicar em todas as suas filiais.

Diante desse contexto, observa-se uma discrepância entre o que os gestores de Marketing e RH desejam das consultorias e a forma como a maioria das consultorias pesquisadas normalmente atua. Enfatiza-se, ainda, que u ma das consultoras do programa Evolution indicou que a maioria dos clientes prefere se envolver o menos possível e outros, ao contrário, preferem participar de todas as etapas do processo.

Por meio dos resultados apresentados, percebe-se que o nível de participação da consultoria e do banco varia conforme o programa desenvolvido, visto que, no programa Evolution, consultoria e banco compartilham as responsabilidades e atuam em parceria; nos programas Planejamento Estratégico, 5S e 6 Sigma, o banco possui a maior responsabilidade no desenvolvimento, sendo auxiliado pela consultoria; e, nos programas Central de Atendimento e Recrutamento de Executivos, a consultoria possui a maior responsabilidade de realização. Diante desses resultados, pode-se inferir que as consultorias podem atuar como parceiras da empresa contratante, conselheiras ou executoras dos programas desenvolvidos.

Como parceria, consideram-se os programas especialmente desenvolvidos para a organização contratante, em que a maioria das atividades e as decisões relacionadas ao programa são compartilhadas entre as duas. Este tipo de programa apresenta, como possíveis características, a maior adaptação do programa à realidade e aos objetivos da organização, o contato mais amplo e frequente entre as duas, maior tempo de duração do programa e, talvez, maiores custos, bem como maior insegurança sobre os resultados a serem obtidos. Isto porque um programa desenvolvido de maneira personalizada apresenta maior probabilidade de estar alinhado aos objetivos e às características da organização, do que um programa baseado em um modelo prévio. Ressalta-se, contudo, que isso não significa que, nestes programas, não poderá ser observada a aplicação de ferramentas já existentes. Significa, sim, que a escolha dessas ferramentas é realizada em parceria, visando atender a um objetivo do programa.

A realização deste tipo de programa possivelmente demandará maior contato e interação entre consultoria e organização contratante para que a primeira possa conhecer as características e objetivos da segunda, bem como para que as duas possam realizar as escolhas e tomar as decisões em conjunto. Provavelmente, a dinâmica deste projeto exigirá maior tempo de realização já que o programa necessita ser criado e demanda maior tempo de contato entre consultoria e contratante. Consequentemente, o programa poderá envolver investimentos financeiros maiores. Além disso, é possível que esse tipo de programa provoque maior insegurança, visto que, por não ter sido realizado anteriormente pela consultoria, há maior dificuldade em prever os resultados que serão obtidos.

Os programas em que as consultorias atuam como conselheiras são, em sua maior parte, realizados pelas organizações contratantes sob a orientação da consultoria. Como é a consultoria que detém o conhecimento de todo o processo do programa, esta atua orientando a organização sobre os procedimentos e atividades a serem realizados. Assim, é a organização a responsável por apreender o programa a ser desenvolvido e realizar os esforços de customização à sua realidade. Este tipo de programa, provavelmente, é o que demandará maiores esforços da organização contratante para sua realização.

Por fim, têm-se os programas em que as consultorias atuam como executoras, ou seja, realizam a maior parte do processo. Este tipo de programa, possivelmente, será mais específico e restrito, como a implementação de um sistema ou a realização de uma atividade. Dos três tipos de programa, é possível que este seja o de menor adaptabilidade à realidade da organização contratante, visto que é o que menos envolve sua participação. Também é possível que este tipo de programa se caracterize por promover um menor aprendizado para a organização contratante, visto que é a consultoria que detém o conhecimento sobre o programa e, ao realizar o projeto, retém as informações.

Dessa forma, este tipo de programa pode ser preferido pela organização contratante quando esta sabe especificamente do que necessita e que esta necessidade envolve alta especificidade técnica e/ou quando dispõe de pouco tempo para realizá-lo, e pela consultoria, quando deseja empregar um modelo amplamente estruturado e/ou deseja reter a tecnologia relacionada à realização do programa. Tem-se, ainda, que este é o tipo de programa que apresenta maior risco para a consultoria no que tange aos resultados obtidos, uma vez que ela é a principal responsável pelo sucesso ou fracasso do programa.

Ressalta-se que esta não é uma tipologia para classificação das consultorias, visto que sua atuação pode variar. É uma tipologia para compreensão dos diferentes graus de atuação e de responsabilidade da consultoria e da organização contratante nos programas desenvolvidos.

Por meio do apresentado, percebe-se que outro aspecto a ser destacado é o fato de que algumas consultorias atuam promovendo aprendizado. Esse aspecto pode ser observado no tocante aos programas Planejamento Estratégico, 6 Sigma, 5S e Central de Atendimento, que têm como um de seus objetivos promover a aprendizagem para que o banco continue fazendo uso dos conhecimentos, independente da presença da consultoria. Contudo, essa característica não foi verificada no tocante aos programas Evolution e Recrutamento de Executivos.

Tem-se, ainda, o processo de customização que se destaca entre os resultados obtidos. Paula e Wood Jr. (2008) indicam que existem dois tipos de projetos desenvolvidos pelas consultorias: padronizados e individualizados. Nesta pesquisa, se percebe um resultado similar, uma vez que o processo de customização pode ocorrer em diferentes níveis. O programa Evolution é um exemplo de programa totalmente customizado para o banco. Os programas Planejamento Estratégico, 5S e Recrutamento de Executivos realizam algumas adaptações na metodologia, mas mantêm os principais aspectos, ou seja, a estrutura básica de atuação da consultoria. Os programas 6 Sigma e Central de Atendimento sofrem adaptações apenas no tocante às informações repassadas nos treinamentos realizados. Dessa forma, a partir da verificação do processo de atuação das consultorias pesquisadas, pode-se analisar o papel dos consultores no strategizing do Banco CNH Capital, conforme apresentado na próxima subseção.

· Papel dos consultores no strategizing

Nesta subseção, apresenta-se a análise dos diferentes papéis desempenhados pelos consultores no strategizing do Banco CNH Capital. Foi possível constatar que o banco possui o hábito de contratar consultoria quando deseja realizar uma mudança importante ou implementar um programa.

Neste sentido, por meio das entrevistas realizadas, verificou-se que a gestora de RH revelou que, às vezes, uma consultoria é empregada para dar credibilidade e conseguir adesão das pessoas a uma estratégia ou mudança pretendida. Como ela destaca: «normalmente um consultor externo tem muito mais credibilidade do que uma pessoa interna, então, por exemplo, se um consultor falar que determinada coisa não deve ser feita dessa forma, talvez isso tenha maior credibilidade» e «às vezes eu preciso de uma consultoria para validar algo de que (...) eu tivesse conhecimento técnico para realizar internamente, mas não sei se eu conseguiria o envolvimento de todo mundo».

Essa constatação se alinha à definição de Suchmann (1995) para o conceito de legitimidade. Observa-se, assim, que as consultorias também atuam no banco estudado por meio da legitimação de práticas já pretendidas por integrantes da organização. Além disso, verifica-se que essa gestora tem consciência desse processo envolvendo a atuação da consultoria, o que pode se transformar em uma ferramenta para a organização. Este hábito de contratar consultorias por parte do banco pode ser considerado como uma legitimidade de caráter tradicional conforme Weber (2000) , ou seja, uma crença de que a contratação de consultoria é importante para o desenvolvimento de projetos e obter a adesão necessária às mudanças.

Corroborando esse resultado, a coordenadora do programa 5S e a coordenadora do programa Central de Atendimento também destacaram que o fato de as ações terem o aval da consultoria auxilia a aprovação pela diretoria. Além disso, de acordo com a gestora de RH, o banco costuma acatar a opinião da consultoria do programa Recrutamento de Executivos sobre a escolha do candidato a ser contratado. Estes fatores podem ser considerados como legitimidade de caráter racional (Weber, 2000), uma vez que os dirigentes do banco acreditam que as consultorias têm poder para realizar indicações e fazer sugestões ao banco.

Além disso, de acordo com a coordenadora do programa Central de Atendimento, algumas práticas que já tentara implementar para melhorar o atendimento, depois de sugeridas pelo consultor, ganharam a adesão das atendentes. A coordenadora do programa 5S apontou, ainda, que um profissional externo ao banco consegue obter maior motivação dos colaboradores, fato perceptível no envolvimento destes após a realização de palestras por profissionais externos . Estes resultados podem estar associados à legitimidade de caráter carismático (Weber, 2000) dos consultores, visto que ele consegue motivar e obter a adesão dos funcionários para a realização dos programas.

Ainda nesse sentido, a gestora de RH esclarece que, no programa Planejamento Estratégico, procurou promover a participação de todos os colaboradores do banco. A este respeito, Mantere (2008) observa, em seu estudo, que uma forma de obter legitimidade para uma prática junto aos integrantes de uma organização é envolvê-los no processo.

A partir desses resultados, percebe-se que os consultores podem atuar como legitimadores de estratégias dentro das organizações, de modo a obter o apoio da diretoria e dos gestores, bem como o envolvimento dos colaboradores. Esses resultados ratificam o apontado por Johnson, Scholes e Whittington (2007) de que o trabalho e as sugestões dos consultores costumam ser valorizados pelos membros das organizações. Tais resultados igualmente vão ao encontro da concepção de Scott (2008), para quem as profissões podem promover a legitimidade.

Todavia, existe a possibilidade de que nem todos os consultores consigam obter essa legitimidade para as práticas desenvolvidas, visto que um dos consultores responsável por um dos programas revelou que gostaria de maior envolvimento da diretoria e dos colaboradores.

Além de atuar na legitimação de práticas estratégicas já desejadas por integrantes das organizações, observa-se que os consultores também podem auxiliar a organização na elaboração dessas práticas. Neste sentido, as estratégias desenvolvidas para melhoria do atendimento interno e do relacionamento com as concessionárias relacionadas com o programa Evolution foram realizadas em parceria entre o banco e a consultoria. Dessa forma, a consultoria atua auxiliando a organização contratante em seu strategizing. Contudo, observa-se que, no caso do Banco CNH Capital, este foi o papel menos presente entre as consultorias que desenvolvem os projetos.

Outro aspecto que pode ser percebido refere-se à influência de práticas existentes no campo extraorganizacional sobre o banco, ou seja, os consultores podem influenciar o strategizing sugerindo a seus clientes estratégias já existentes no mercado, o que pode ser considerado como isomorfismo mimético (DiMaggio e Powell, 1983). Os processos miméticos, de acordo com os autores, são motivados pela incerteza, momento em que a organização se depara com causas ambíguas e soluções pouco nítidas e pode tomar outras organizações como modelo.

Os autores ressaltam, ainda, que os modelos podem ser difundidos indiretamente por meio da atuação de uma consultoria, por exemplo. Essa prática pode ser verificada na atuação do programa Consultoria de Recrutamento que, por meio de seu conhecimento de mercado, indica para o banco práticas que outras empresas têm adotado. O consultor vinculado ao programa Central de Atendimento também empregou práticas de outras empresas como exemplo para o banco, bem como empregou o modelo de atendimento de outra central para a Central de Atendimento. Similarmente, o consultor do projeto 6 Sigma destacou que indica possíveis soluções já existentes no mercado para que as pessoas que estão desenvolvendo projetos pesquisem a respeito. A própria aplicação de metodologias como 6 Sigma e 5S pode ser considerada um processo mimético.

Além do exposto, é importante destacar que o Banco CNH Capital procura contratar consultores familiarizados com seu ramo de negócio ou consultores da indústria CNH, de forma que o processo seja agilizado e que o trabalho de parceria entre banco e consultoria forneça os melhores resultados possíveis. Desta forma, esta prática fornece um indício relevante sobre a origem de práticas oriundas do campo organizacional e adotadas pelo banco, ou seja, se é priorizada a contratação de consultorias que já atuaram no mesmo setor, é provável que estas consultorias insiram práticas já existentes em outras organizações deste setor no Banco CNH Capital. Tais resultados permitem inferir a seguinte proposição teórica (P1): os consultores são agentes catalisadores do isomorfismo de um dado campo organizacional.

No sentido indicado, nota-se que algumas consultorias adotam modelos já existentes no mercado, como 5S e 6 Sigma, ampliando a difusão destes modelos por meio de um processo de isomorfismo mimético. Este processo também está relacionado à existência de um modismo e desejo de atualização entre as organizações, sendo que uma organização não deseja ser retardatária no que se refere à adoção de uma prática bem difundida no campo organizacional.

Ainda, neste sentido, algumas consultorias também indicam procedimentos, estruturas organizacionais e estratégias que obtiveram bons resultados em outras organizações para seus clientes. Este processo está vinculado à incerteza da organização sobre como agir diante de determinadas situações. Assim, a imitação de um modelo já adotado e bem-sucedido em outra organização amplia a confiança dos integrantes da organização a respeito dos resultados que possivelmente serão obtidos, assim como amplia a confiança da consultoria nos resultados que poderão ser obtidos por meio de sua proposta, visto que esta assume um grau de responsabilidade ao indicar a adoção de uma prática pela organização.

 

Considerações finais

Por meio deste estudo, foi possível investigar como ocorre o processo de atuação de consultorias no Banco CNH Capital e qual o papel dos consultores no strategizing dessa instituição financeira.

Primeiramente, analisou-se a atuação das consultorias envolvidas, destacando-se a variação existente no grau d e atuação e de responsabilidade da consultoria e da organização contratante no programa, na promoção de aprendizado e no grau de customização. Por meio desses resultados, foi possível inferir que as consultorias podem atuar, dependendo do programa, como parceiras da organização contratante, conselheiras ou executoras do projeto.

Analisou-se, também, o papel desempenhado pelas consultorias no strategizing das organizações. Verificou-se que as consultorias podem atuar legitimando práticas estratégicas já desejadas por integrantes da organização, participando da elaboração dessas práticas e atuando como agentes isomórficos. Ressalta-se que a parceria para elaboração de práticas estratégicas entre consultoria e organização contratante mostrou-se mais rara.

A atuação das consultorias com agentes isomórficos permitiu a elaboração de uma proposição teórica para este estudo e reflete a relação existente entre os níveis individual e organização e o nível institucional. Este resultado reforça a influência do campo organizacional sobre as estratégias das organizações e a possibilidade de conexão entre as perspectivas de estratégia como prática e institucional.

Sugere-se, para futuros estudos, pesquisar quais os motivos que levam alguns consultores a obterem maior legitimidade para suas práticas e outras não. Essa capacidade de algumas consultorias em promover maior legitimidade para suas ações pode estar relacionada a um conjunto de fatores, como o status da empresa no mercado, envolvendo marca e custo; à característica de realizar as ações independente da empresa contratante; e ao conhecimento e à experiência em uma área específica.

 

Referências bibliográficas

DIMAGGIO, P. J. e POWELL, W. W. (1983), «The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields». Sociological Review, vol. 48, n.º 2, abril, pp. 147-160.         [ Links ]

JARZABKOWSKI, P. (2005), Strategy as Practice: An Activity-Based Approach . Sage, Londres.         [ Links ]

JARZABKOWSKI, P.; BALOGUN, J. e SEIDL, D. (2007), «Strategizing: the challenges of a practice perspective». Human Relations , vol. 60, n.º 5.         [ Links ]

JOHNSON, G.; LANGLEY, A.; MELIN, L. e WHITTINGTON, R. (2007), «Introducing the strategy as practice perspective». In G. Johnson, A. Langley, L. Melin e R. Whittington, Strategy as Practice: Research Directions and Resources, Cambridge University Press, Boston e Nova Iorque.         [ Links ]

JOHNSON, G.; SCHOLES, K. e WHITTINGTON, R. (2007), Explorando a Estratégia Corporativa: Textos e Casos. 7.ª ed., Bookman, Porto Alegre.         [ Links ]

MANTERE, S. (2008), «Role expectations and middle manager strategic agency». Journal of Management Studies , vol. 45, n.º 2, março, pp. 294-316.         [ Links ]

PAULA, A. P. P. de e WOOD JR., T. (2008), «Dilemas e ambigüidades da 'indústria do conselho': um estudo múltiplo de casos sobre empresas de consultoria no Brasil». RAC-Eletrônica , Curitiba, vol. 2, n.º 2, art. 1, maio/agosto, pp. 171-188.         [ Links ]

SCOTT, W. R. (2008), «Lords of the dance: professionals as institutional agents». Organization Studies, vol. 29, n.º 2, pp. 219-238.         [ Links ]

STAKE, R. E. (2005), «Qualitative case studies». In N. Denzin e T. Lincoln, Handbook of Qualitative Research, Sage, Londres.         [ Links ]

SUCHMANN, M. C. (1995), «Managing legitimacy: strategic and institutional approaches». Academy of Management Review , vol. 20, n.º 3, pp. 571-610.         [ Links ]

WEBER, M. (2000), Economia e Sociedade: F undamentos da Sociologia Compreensiva . Universidade de Brasília, Brasília .         [ Links ]

WHITTINGTON, R. (2006), «Completing the practice turn in strategy research». Organization Studies , vol. 27, n.º 5, pp. 613-634.         [ Links ]

WHITTINGTON, R. (1996), «Strategy as practice». Long Range Planning, vol. 29, n.º 5.         [ Links ]

 

Recebido em dezembro de 2010 e aceite em março de 2011.

Received in December 2010 and accepted in March 2011.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons