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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 1645-4464

Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão v.8 n.1 Lisboa mar. 2009

 

Um estudo das tendências e incertezas do setor de transportes rodoviários de cargas no Brasil por meio da stakeholder analysis

Pérsio Martins*, João Boaventura**, Benny Costa*** e Denis Donaire****

 

Resumo: O objetivo deste estudo é apresentar as principais tendências e incertezas promovidas pelas forças de influência, oriundas das ações presentes e futuras dos stakeholders do setor de transportes rodoviários de cargas no Brasil, considerando o horizonte de dez anos, a partir de 2008. No centro da análise estão os transportadores rodoviários de cargas, cuja atividade é responsável por 60% da movimentação de cargas do país e por 60% dos custos logísticos das empresas. O método de pesquisa empregado é o stakeholder analysis e a coleta de dados é majoritariamente desenvolvida por meio de entrevistas em profundidade junto a diversos especialistas do setor, todavia pertencentes a distintos grupos de stakeholders. Os resultados puderam demonstrar que a stakeholder analysis é uma eficiente ferramenta para a aplicação proposta. Quanto ao setor, constatou-se que os stakeholders de maior influência são o Governo, clientes embarcadores, consumidores finais, operadores logísticos e associações. Já as principais incertezas do setor estão centradas nos desdobramentos das ações governamentais, dos clientes embarcadores e dos operadores logísticos.

Palavras-chave: Análise de Stakeholders, Estratégia, Tendências, Transporte Rodoviário de Cargas

 

Title: Study of trends and uncertainties of the freight highway transportation industry in Brazil using stakeholder analysis

Abstract: The objective of this study is to present a panorama of the freight highway transportation industry in Brazil that shows how the different agents of this sector are engaged. The focus of this analysis is transportation companies. The transportation infrastructure of a Nation is a vital element in terms of its developments, and in the Brazilian case the freight highway transportation is one of the most relevant transport modes. The method employed in the study was the stakeholder analysis and the data collection was mostly through in-depth structured interviews with experts of the different agents involved in the transportation industry belonging to different stakeholder groups. The founding showed that the stakeholder analysis is an operational method for this kind of study. Regarding to the industry, the research revealed the main stakeholders are the Government, the logistic operators, the customers, and the industry associations. The more relevant uncertainties of the industry regards to the Government policies, the customers actions and the logistics operators strategy.

Key-words: Stakeholders Analysis, Strategy, Trends, Freight Highway Transportation

 

Título: Un estudio de las tendencias y las incertidumbres en el sector de transporte de mercancías por carretera en Brasil por stakeholder analysis

Resumen: El propósito de este estudio es presentar las principales tendencias y la incertidumbre promovida por las fuerzas de la influencia, de las acciones presentes y futuras de las partes interesadas en el sector del transporte de carga por carretera en el Brasil, teniendo en cuenta el horizonte de diez años, a partir de 2008. En el centro del análisis son el transporte de mercancías por carretera, actividad que es responsable de 60% de la manipulación de la carga en el país y el 60% de los costes logísticos de las empresas. El método de investigación empleado es el «stakeholder analysis» y la recopilación de datos se desarrolla principalmente a través de entrevistas en profundidad com expertos en el sector, pero pertenecientes a diferentes grupos de «stakeholder». Los resultados podrían demostrar que el «stakeholder analysis» es un instrumento eficaz para la aplicación propuesta. En relación al sector, se constato que los «stakeholders» más influyentes son el gobierno, clientes, los consumidores finales, operadores logísticos y asociaciones. Ya las principales incertidumbres de la industria se centran en las deficiencias del gobierno, los clientes y a los operadores logísticos.

Palabras-clave: Análisis de Stakeholders, Estrategia, Tendencias, Transporte de Mercancías por Carrete

 

 

O crescente interesse pelo estudo da stakeholders analysis deve-se ao reconhecimento de como as características e os interesses dos diversos grupos de indivíduos que se relacionam com as organizações influenciam o desempenho destas. Esta questão tem ligações com o campo da política, do desenvolvimento e da administração, e neste último evoluiu como um instrumento sistemático que permite realizar uma investigação do ambiente organizacional, podendo também ser usado para gerar conhecimentos sobre os diversos atores de modo a melhor compreender seus comportamentos, intenções, inter-relações, agendas, interesses, influências e recursos que estes agregam ou poderiam agregar. Estes aspectos, por sua vez, podem ser usados para criação de estratégias nas organizações em relação a como melhor lidar com estes atores, alcance de objetivos organizacionais e leitura do contexto político (Brugha e Varvasovsky, 2000).

Assim, pode notar-se a importância desta temática não só dentro do campo organizacional, mas também em dimensões mais amplas em estudos relacionados com nações, regiões e setores. Em relação a setores e atividades específicas, o transporte exerce papel vital sobre elementos considerados prioritários em políticas para o desenvolvimento de um país, como por exemplo a exploração de recursos e a produção em larga escala, havendo relações recíprocas entre desenvolvimento dos transportes e progresso econômico e sabendo-se que o setor de transportes de cargas é influenciado por diversos agentes (Caixeta-Filho e Martins, 2001). Diante disso, o estudo das forças dos agentes que influenciam o setor de transportes se torna relevante para a compreensão mais aguçada e profunda do que acontece com esta atividade.

A realização deste trabalho se justifica na medida em que possibilita investigar desejos e interesses dos mais diversos, e até mesmo conflitantes, relacionados ao setor rodoviário de cargas, elaborando de certa forma um diagnóstico em tempo real das posições dos atores envolvidos na atividade. Este envolvimento se viabiliza na medida em que as idéias e necessidades individuais e de grupos são contempladas e, por conseguinte, inter-relacionadas.

Também cabe mencionar outros importantes aspectos: como o propósito de aumentar a consciência em relação ao progresso do tema stakeholders ao prover uma base inicial para a formulação de um pensamento; como realizar um debate contínuo neste tema; e como estabelecer uma sistemática analítica setorial.

O problema básico que a pesquisa enfoca se expressa a partir da necessidade de se avaliar uma atividade setorial – setor de transportes de carga – no Brasil, a partir da utilização de ferramentas de investigação que possibilitem a compreensão dos diversos atores envolvidos no processo. Deste modo, o objetivo desta pesquisa é avaliar o setor de transportes rodoviários de cargas no Brasil por meio do uso das técnicas de stakeholder analysis.

 

Referencial teórico

O ambiente de uma empresa, de certa forma, consiste num sistema fortemente condicionado pela ação dos stakeholders. Diversos autores, a exemplo de Goodpaster (1991, p. 54) ou Weiss (1998, p. 31), referem-se à definição de stakeholders proposta por Freeman (1984, p. 25), a qual é amplamente adotada: stakeholders de uma organização são grupos ou indivíduos, que podem influenciar, ou serem influenciados, pelas ações, decisões, políticas, práticas ou objetivos da organização.

Alguns autores, tais como Freeman (1984, p. 91), Wood (1990, p. 90), Weis (1998, p. 30), Svendsen (1998, p. 42) e Carroll e Buchholtz (2000, p. 22) desenvolveram modelos de stakeholder analysis. Este estudo, por sua vez, se baseou principalmente no modelo proposto por Mitroff e Emshoff (1979, p. 6), os quais explicam que esta técnica consiste em perguntar a indivíduos sobre os stakeholders de uma organização e suas características. Cabe destacar que outros estudos setoriais já empregaram o modelo de stakeholder analysis proposto por Mitroff e Emshoff (1979, p. 6), como técnica para levantamento de variáveis-chave, a exemplo de Boaventura e Fischmann (2007).

A identificação em si dos stakeholders não leva a conclusões sobre o ambiente. Mitroff e Linstone (1993, p. 146) explicam que na identificação dos stakeholders encontra-se o ponto de partida para se estabelecer as premissas (políticas e comportamento destes agentes) que interessa conhecer; identificados os stakeholders, então se poderá perguntar quais são suas políticas, interesses, poder e comportamento.

Nesta pesquisa, a fase de análise dos stakeholders dará origem a um grupo de tendências e incertezas. Todavia, as tendências e incertezas não decorrem exclusivamente da stakeholder analysis, pois esta não abrange todos os elementos do ambiente. Mitroff e Emshoff (1979, p. 7) excluem do grupo de stakeholders elementos referentes às condições gerais de mercado, aspectos sociais e políticos. Para estes pesquisadores, estes elementos compõem o que eles denominam de ambiente contextual.

Outros autores também aceitam o conceito de que os stakeholders compreendem uma parcela do ambiente e não o todo. Para Bethlem (2001, p. 147), o ambiente externo da empresa compõe-se de todos os fatores do meio ambiente que possam influenciar a atuação da empresa. Estes fatores são englobados em divisões arbitrárias, como sociais, culturais, econômicas, políticas, tecnológicas, psicológicas e influenciam indiretamente a empresa e o grupo dos stakeholders, i.e., os grupos de pessoas que têm relação direta com a empresa.

Há de se frisar, entretanto, que outros autores chegam a considerar o macroambiente como um stakeholder, a exemplo de Carroll e Buchholtz (2000, p. 336) e Svendsen (1998, p. 36), para quem os efeitos dos diversos segmentos do macroambiente – designado por grupo SEPT (Social, Econômico, Político e Tecnológico) - são na realidade efeitos dos diversos grupos – stakeholders -, que compõem a sociedade. Carroll e Buchholtz (2000, p. 5), por exemplo, entendem que a tradicional análise do macroambiente é uma outra forma, mais antiga que a stakeholder analysis, de se analisar o mundo dos negócios.

A teoria dos stakeholders tem avançado e se justificado nos estudos da administração em função de três visões: precisão descritiva (descriptive accuracy), força instrumental (instrumental power), e validade normativa (normative validity). Embora sejam inter-relacionadas, estas visões apresentam características distintas que envolvem diferentes tipos de evidências, argumentos e implicações (Donaldson e Preston, 1995).

Friedman e Milles (2006, pp. 29-30) descrevem cada uma das três abordagens apresentadas por Donaldson e Preston.

Na precisão descritiva, as organizações são vistas como constelações de interesses cooperativos e competitivos detectores de valor intrínseco, e, neste caso, a teoria é utilizada para descrever tanto as características específicas de uma corporação como a sua natureza.

Por sua vez, a força instrumental estabelece uma estrutura para o exame de conexões em condições ceteris paribus (demais condições constantes), ou seja, tem uma ênfase essencialmente hipotética, de causa e efeito.

Por fim, a validade normativa - que, em sua órbita, parte da identificação de guias de conduta de cunho moral e filosófico para a gestão das corporações e que pode assumir dois encaminhamentos:

a) Os stakeholders são pessoas ou grupos com interesses legítimos nos aspectos processuais e/ou substantivos intrínsecos nas atividades organizacionais, ou seja, os stakeholders são identificados pelos seus interesses na corporação, independentemente se esta organização tem um correspondente interesse funcional neles;

b) Os interesses de todos os stakeholders são de valor intrínseco e a consideração dos méritos de cada grupo é efetuada pelo que eles possuem e não meramente em função de suas capacidades de avançar sobre os interesses de outros grupos.

Mitchell, Agle e Wood (1997) contribuem para a identificação e proeminência da teoria dos stakeholders, a partir das características destes contidas em um ou mais dos três atributos: poder, legitimidade e urgência. Por meio da combinação destes atributos, segundo estes autores, pode gerar-se uma tipologia dos stakeholders, contendo, de um lado, uma proposição a respeito de suas contribuições para os gestores, e, de outro, para outras implicações em pesquisa e administração.

Por fim, Mitroff (1983, p. 36) mostra os tipos detalhados de adequação que caracterizam o comportamento dos stakeholders, que devem ser subdivididos nas seguintes categorias: as propostas e as motivações; os recursos impostos, que podem ser material, simbólico, físico, status, informacional, habilidade; os conhecimentos específicos e opiniões; os comprometimentos de ordem legal e de outros tipos; os relacionamentos com outros stakeholders no sistema em virtude do poder, autoridade, responsabilidade e controle.

 

Aspectos metodológicos

Esta pesquisa caracteriza-se por ser predominantemente qualitativa e de natureza exploratória. Segundo Vieira e Zouain (2004), os métodos qualitativos trazem como contribuição uma mistura de procedimentos de cunho racional e intuitivo, capaz de ampliar a compreensão dos fenômenos.

O método de coleta de dados desta pesquisa é caracterizado como uma consulta a especialistas, por meio de entrevistas em profundidade.

Esta pesquisa opta por trabalhar com as variáveis do macroambiente, pois se acredita que tal postura irá facilitar o entendimento dos questionamentos por parte dos especialistas. No sentido de completar a lista de elementos no macroambiente, o trabalho adotou para tanto, conforme já proposto por Wilson (1998, p. 87) e Schoemaker (2002, p. 52), os fatores do chamado grupo SEPT já referido atrás.

O termo consulta aqui empregado significa o método de coleta de dados, ou seja, a realização de uma entrevista. Mais especificamente, nesta pesquisa é usada a entrevista em profundidade. Glesne (1999, p. 93) esclarece que este tipo de entrevista é aquela em que se persegue todos os pontos de interesse sobre determinado assunto ou em que solicita-se ao entrevistado uma explicação sobre determinado fenômeno.

Já o conceito de especialista utilizado refere-se ao indivíduo que tem especial conhecimento sobre o fenômeno em estudo. Assemelha-se ao conceito de informante-chave proposto por Fetterman (1998, p. 483) que descreve um indivíduo capaz de prover informações detalhadas sobre dados históricos, nuanças sobre o momento atual e conhecimento sobre relações do meio onde vive. É ainda um conceito próximo ao proposto por McKllip (1998, p. 272), onde informantes-chave são indivíduos com o conhecimento e a habilidade de reportar as necessidades de uma comunidade; são geralmente advogados, juízes, físicos, ministros, líderes setoriais e prestadores de serviços que estão informados sobre as necessidades e serviços percebidos como importantes por uma comunidade.

A consulta a especialistas neste trabalho visa a identificação das incertezas e tendências-chave do setor em estudo. Os especialistas participaram de duas etapas. A primeira com o propósito de identificar as variáveis que influenciam o setor em estudo. A segunda com o objetivo de ordená-las por sua importância e classificá-las em tendências e incertezas.

O setor objeto de estudo é o de transportes rodoviários de cargas no Brasil, ou seja, a análise é desenvolvida sobre a perspectiva deste setor, representado por empresas que transportam cargas entre Estados e entre Municípios de um mesmo Estado. Desta forma, não considera em sua análise o transporte de cargas dentro do perímetro urbano.

Quanto ao perfil, foram entrevistados 19 especialistas. Cada especialista pertencia a alguma organização do ambiente em estudo, ou seja, todos os especialistas também eram stakeholders. Dedicou-se especial atenção à seleção destes especialistas, sendo utilizados basicamente dois critérios: identificação do dirigente principal da entidade, ou de dirigente com notório conhecimento do ambiente em estudo, e seleção de dirigentes de organizações de categorias distintas de stakeholders.

O perfil dos especialistas consultados é a seguir apresentado no Quadro I.

Quadro I

Perfil dos especialistas

 

O perfil dos especialistas consultados permite visualizar sob quais prismas o setor em estudo foi analisado. Esta visualização é compatível à abordagem de entendimento das organizações a partir de seus stakeholders, conforme Freeman (1984, p. 25).

A Figura 1 permite visualizar os stakeholders e os elementos do macroambiente considerados pelos especialistas.

Figura 1

Stakeholders e elementos do macroambiente do setor

Fonte: Adaptação do modelo de stakeholders e SEPT

 

A pesquisa de campo foi realizada em duas fases. A primeira, com o propósito de identificar os stakeholders, suas principais características e as variáveis ambientais que influenciam o setor em estudo. A segunda, com objetivo de ordenar as variáveis por importância, além de categorizá-las em tendências ou incertezas.

Embora usualmente os modelos sociológicos e das ciências políticas tratem os stakeholders como elementos externos, Mitroff (1983, p. 5) explica que o seu modelo considera também elementos internos, como se faz na área de psicologia. A esse respeito, vale informar que nesta pesquisa buscou-se identificar os stakeholders externos, pois os internos são particulares a cada organização e não ao ambiente comum das empresas de um determinado setor.

 

Análise de dados

• Identificação dos stakeholders e das variáveis ambientais

Nesta fase, o entrevistador foi guiado por um questionário-base, com as seguintes etapas: sugestão de stakeholders típicos para a avaliação dos especialistas; indagação das características principais para cada stakeholder, tais como seus propósitos, motivações, interesses, compromissos, conhecimento e poder; com base nas características apontadas de cada stakeholder, indagação de quais as forças que o mesmo possa estar atuando ou vir a atuar nos próximos 10 anos, a partir de 2008, no sistema em estudo; e apresentação de uma lista sugestiva do macroambiente (social, econômico, político e tecnológico,) com o objetivo de indagar quais variáveis de cada segmento possam estar influenciando, ou vir a influenciar, o sistema em estudo nos próximos 10 anos (de 2008 até 2018).

A seleção de um grupo eclético de especialistas revelou ter sido muito útil para esta fase da pesquisa. Uma vez que nesta etapa havia um propósito de levantar o maior número possível de variáveis, o fato de cada especialista conhecer o ambiente sob ângulos diferentes foi benéfico. De fato, cada especialista conhecia com mais profundidade aspectos distintos do sistema em estudo, prova disto é que a somatória das variáveis levantadas foi muito superior ao número médio de variáveis levantadas por cada especialista. Juntos, os especialistas levantaram 146 variáveis, uma média de 14,6 variáveis por especialista. Todavia, após uma análise da superposição das variáveis propostas, encontrou-se um conjunto de 75 variáveis distintas.

A identificação das variáveis de influência no ambiente em estudo, com base nas características atribuídas aos stakeholders e aos segmentos do macroambiente permitiu a elaboração de uma visão das forças que regem e poderão regir o setor.

 

• Qualificação das variáveis quanto a sua importância e incerteza

A etapa de qualificação das premissas é obtida através de outro conceito, o de importância versus incerteza de premissas, desenvolvido por Mitroff e Emshoff (1979, p. 9), e originalmente aplicado à análise de premissas (assumption analysis). Compreende-se melhor este conceito, através da análise do gráfico apresentado na Figura 2.

Figura 2

Gráfico Importância X Incerteza

Fonte: Mitroff e Emshoff (1979, p. 10)

 

Mason e Mitroff (1981, p. 102), analisando o mesmo gráfico, atestam que as variáveis mais certas e que mais se aproximam da verdade são as premissas situadas na parte superior direita, porque se revelam auto-explicativas e têm substancial evidência para suportar sua validade.

Para a pesquisa em pauta, destina-se outra aplicação do conceito importância-incerteza, embora próximo ao empregado por Mitroff e Emshoff. As premissas relativas aos stakeholders constituem tendências potenciais ou incertezas. Descartam-se as situadas à esquerda do gráfico, em função de sua pouca relevância no sistema. As premissas situadas na parte superior direita revelam tendências potenciais, pois mostram aquilo que se crê do comportamento dos stakeholders. Já aquelas, situadas na parte inferior direita, são potenciais incertezas, pois influem no sistema em estudo; porém não se sabe se ocorrerão.

Nesta fase, os especialistas foram convidados a atribuir valor as 75 variáveis identificadas na fase anterior. Os quesitos-alvo de julgamento foram a importância de cada variável no sistema em estudo e a incerteza com relação às mesmas.

As escalas empregadas para a resposta ao questionário foram:

a) Qualificação da importância das variáveis:

b) Qualificação da incerteza das variáveis:

 

Para cada variável, apresentada sob a designação de ‘Força’, após o julgamento foi calculada a média e desvio-padrão dos dois quesitos.

 

• Análise do quesito «Importância» e «Incerteza» das variáveis

Para classificar uma variável como «Incerteza», adotou-se um critério arbitrário e atribuiu-se o valor de corte 1,00; ou seja, valores iguais ou superiores a 1,00 foram classificados como «Tendência» e inferiores como «Incerteza». A análise do grau de incerteza mostrou que a média total das 75 variáveis foi de 1,17 e seu desvio-padrão 1,61. Já quando classificadas em ordem decrescente de importância para o sistema verificou-se que a média do grau de incerteza no primeiro quartil é 0,26 e seu desvio-padrão 1,71. Estas primeiras informações denotam que a ênfase foi dada às variáveis mais incertas. As variáveis selecionadas no estudo foram aquelas que se situavam no primeiro quartil classificado em ordem decrescente de importância e com médias de importância igual ou superior a 3,80.

A disposição das variáveis frente aos quesitos «Importância» e «Incerteza» pode ser melhor observada no Gráfico 1.

Gráfico 1

Importância X Incerteza

 

Por seu lado, o Quadro III relaciona as variáveis selecionadas. Neste são apresentados o stakeholder ou elemento do macroambiente que deu origem à variável, a descrição da variável, a força de influência no setor frente à característica da variável, o grau de importância, o grau de incerteza de sua ocorrência diante do horizonte de 10 anos (de 2008 até 2018) e, por fim, sua classificação mediante o grau de incerteza.

Quadro III

Relação de variáveis selecionadas

 

O critério de segregação de «tendências» e «incertezas» retro-mencionado implicou na classificação das 19 variáveis selecionadas em 12 incertezas e 7 tendências.

 

Síntese do setor

Uma síntese do setor foi elaborada com base nos depoimentos dos especialistas. São descritas a seguir as características dos stakeholders mais citados pelos especialistas e daqueles cuja influência no ambiente tiveram suas variáveis consideradas como de maior importância. Também são apresentadas as principais variáveis do macroambiente.

• Clientes embarcadores

Os embarcadores podem visualizar os serviços de transportes de cargas como commodities, na medida em que se deparam com transportadoras não diferenciadas; ou reconhecer a importância estratégica deste serviço na cadeia produtiva e buscar transportadores que tenham condição de atender aspectos tais como: informações precisas da carga; segurança acerca de roubos, avarias e ambiental; atendimento nos picos de demanda e especialização no manuseio e transporte de determinados produtos.

• Transportadores rodoviários de cargas

Atualmente, o setor de transportes rodoviários de cargas é muito pulverizado. Condição que, segundo os especialistas, gera rivalidade em termos de preços e reduz significativamente a lucratividade e o nível de serviço das empresas que ali competem. Também promove alta rotatividade destas transportadoras e conseqüentemente quebras de contrato. Uma possibilidade considerada pelos especialistas é o crescimento de fusões e aquisições entre empresas do setor forçando sua concentração. Outra característica nefasta para a lucratividade das transportadoras é a prática de preços inadequados, devido à gestão ineficaz dos custos.

• Operadores logísticos

Segundo os especialistas, uma vez que os operadores logísticos são habilitados para consolidar cargas e gerenciar ordens de transporte, e para tal empregam tecnologia no sentido de garantir a excelência de seus processos, forçam os transportadores a seguirem padrões de excelência em suas operações.

Normalmente, os operadores não querem competir com os transportadores no serviço de transporte de cargas, pois entendem que são complementares e não concorrentes. Todavia, o serviço de transporte representa parcela significativa de sua receita. Sua rentabilidade, neste caso, depende da intermediação entre embarcadores e transportadoras. Essa condição pode forçar tanto parcerias estratégicas com transportadoras, estabelecidas em uma relação «ganha-ganha», como depreciação dos preços e redução das margens das transportadoras.

• Ações governamentais

Em 2007, o governo federal lançou o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), prevendo R$ 58,9 bilhões de investimentos no setor de transportes entre 2007 e 2011, dos quais R$ 35,4 bilhões no modal rodoviário. Na sua execução, o PAC vem pecando, pelo menos neste primeiro momento, por vários tropeços que impedem o programa de deslanchar, conforme segue: hesitações do Governo em relação às concessões rodoviárias e parcerias público-

-privadas; dificuldades de liberação de licitações pelo TCU (Tribunal de Contas da União), especialmente de concessões rodoviárias; dificuldades com licenças ambientais e desapropriações; falta de gerenciamento mais eficaz para os projetos; despreparo das empreiteiras e seus fornecedores para dar respostas ao grande aumento do volume de obras. Faltam não só máquinas, mas também pessoal qualificado e até matérias-primas, como asfalto.

Logo a seguir ao PAC, o Governo anunciou o PNLT (Plano Nacional de Logística e Transporte) prevendo investimentos de R$ 172,5 bilhões entre 2008 e 2023. Um pouco mais ambicioso, segundo os especialistas, o PNLT busca resgatar o planejamento de transportes no país. Por fim, surgiu o PLB (Plano de Logística para o Brasil) proposto pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), que não tem horizonte definido, mas conclui que as necessidades de investimentos no setor alcançam R$ 223,8 bilhões.

Segue no Quadro IV o comparativo de investimentos em bilhões de reais, entre os planos apresentados.

Quadro IV

Comparativo de investimentos entre planos

Fonte: NTC & Logística (2007)

 

Quanto às rodovias – com maior interesse em termos de investimento para o modal rodoviário – o PLB, em particular, comete o mesmo equívoco do PAC. Ambos concentram recursos na recuperação e adequação de capacidade, mas são tímidos quanto à construção de novos trechos.

Investimentos em segurança, no que tange a uma melhor remuneração e aparelhamento das polícias rodoviárias, reduzem os roubos de cargas, os custos com gestão de riscos e apólices de seguro.

De acordo com os especialistas, se o Governo implementasse programas de desenvolvimento em regiões do país menos desenvolvidas economicamente, equilibraria a relação produção e consumo de produtos entre a região Sudeste e as demais. Este investimento favoreceria o retorno dos fretes e conseqüentemente a produtividade dos caminhões das transportadoras.

 

Conclusões

A coleta de dados através de consulta a especialistas mostrou-se eficiente para o levantamento das variáveis do sistema estudado. Esta eficiência pode ser atribuída à composição eclética dos especialistas selecionados. Prova disto foi que o total de variáveis distintas levantadas foi de 75 enquanto, em média, cada especialista informou 14,6 variáveis. Este fato é explicável em função do conhecimento distinto dos especialistas quanto aos diversos aspectos do ambiente estudado.

Quanto à fase de classificação das variáveis, em especial no quesito «importância», havia antes da pesquisa algumas preocupações. Suspeitava-se que a sensibilidade de um especialista que não fosse pertencente à categoria de transportador, julgasse de forma inadequada a importância de uma dada variável para o setor em estudo. Todavia, os resultados finais removeram esta preocupação, pois justamente as variáveis que receberam maior valor no quesito «importância» foram aquelas em que houve maior concordância entre os especialistas.

De qualquer forma, este fato pode não ocorrer necessariamente em outras pesquisas em que se decida empregar a metodologia aqui proposta, devendo, portanto, ser razão de um cuidado por parte do pesquisador.

Um aspecto que se ressaltou foi o fato das incertezas encontradas terem sido em número significativamente maior que as tendências. Este fato se deve, especialmente, ao horizonte de tempo considerado nas avaliações.

Quanto ao setor, verificou-se que os stakeholders de maior influência são o Governo, clientes embarcadores, consumidores finais, operadores logísticos e associações. Já as principais incertezas do setor estão centradas nos desdobramentos das ações governamentais, dos clientes embarcadores e dos operadores logísticos.

 

 

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*Pérsio Penteado Pinto Martins

persio.martins@ig.com.br

Mestre em Administração (Universidade Paulista). Professor do Curso de Graduação em Administração da Universidade Ibirapuera – UNIB e do Curso Técnico em Logística no Centro Universitário SENAC, São Paulo, SP, Brasil.

Master in Business Administration (Paulista University – UNIP). Professor of Business Administration at Ibirapuera University – UNIB and of Logistics at Centro Universitário SENAC, São Paulo, SP, Brazil.

Máster en Gestión (Univ. Paulista). Profesor de Grado en Administración de Empresas Curso de la Universidade Ibirapuera – UNIB y del Curso Técnica y Logística en el Centro Universitário SENAC, São Paulo, Brasil.

 

**João Maurício Gama Boaventura

jm@boaventura.adm.br

Doutor em Administração (FEA/USP, São Paulo). Professor do Programa de Mestrado em Administração da Fundação Instituto de Administração – FIA, São Paulo, SP, Brasil.

PhD in Business Administration (Sao Paulo University). Professor at the Graduate Program of Business Administration from Administration Institut Foundation – FIA, São Paulo, Brazil.

Doctor en Administración (FEA / USP, São Paulo). Profesor, Programa de Maestría en Administración de Empresas de la Fundação Instituto de Administração – FIA, São Paulo, Brasil

 

***Benny Kramer Costa

bennycosta@yahoo.com.br

Pós-Doutor e Doutor em Administração (FEA/USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Nove de Julho – UNINOVE e Professor do Curso em Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP, ambos no Brasil.

PhD in Business Administration (Sao Paulo University). Professor at the Graduate Program of Business Administration from Nove de Julho University – UNINOVE and Professor at the Under Graduate in Tourism of Arts and Communications School from São Paulo University – USP, São Paulo, Brazil.

Post-Doc y Doctor en Administración de Empresas (FEA / USP). Profesor de Programa de Postgrado en Gestión de la Universidad Universidade Nove de Julho – UNINOVA y profesor en el Curso de Turismo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA / USP, ambos en Brasil.

 

****Denis Donaire

denisdon@uscs.edu.br

Doutor em Administração (Universidade de São Paulo). Professor do Programa de Mestrado em Administração da Universidade Paulista e Professor do Curso de Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e da Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Doutor in Business Administration (São Paulo University). Professor at the Graduate Program of Business Administration from Paulista University – UNIP and Professor in Business Administration at Municipal University of São Caetano do Sul – USCS, São Caetano do Sul, Brazil.

Doctor en Gestión (Univ. de São Paulo). Profesor, Programa de Maestría en Administración de Empresas de la Universidad Paulista y Profesor del Curso de Administración Municipal, de la Universidad de São Caetano do Sul y la Universidad Ciudade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

 

Recebido em Novembro de 2008 e aceite em Janeiro de 2009.

Received in November 2008 and accepted in January 2009.

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