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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.1 Lisboa mar. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150115 

Ideação suicida e sintomatologia depressiva em adolescentes

Suicidal ideation and depressive symptomatology in adolescents

 

Andreia Azevedo & Ana Paula Matos

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Dados recentes da Direção-Geral de Saúde (2013) apontam para um aumento do número de suicídios nos últimos anos, em Portugal. Nos adolescentes, o suicídio é a segunda causa de morte. Estudos internacionais têm mostrado que ideação suicida é um indicador fundamental para o risco de suicídio, aparece em cerca de 4 a 10% dos adolescentes da população geral, sendo mais prevalente no género feminino, e associa-se frequentemente com depressão. Este estudo teve como principais objetivos avaliar a presença de ideação suicida em adolescentes da população geral e analisar a relação entre a ideação suicida medida pelo Suicidal Ideation Questionnaire (SIQ, Reynolds, 1988; versão portuguesa de Ferreira & Castela, 1999) e a sintomatologia depressiva avaliada pelo Children´s Depression Inventory (CDI, Kovacs, 1985; versão portuguesa de Marujo, 1994). A amostra incluiu 233 adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos (M=15,69; DP=1,287), 86 (36,9%) do género masculino e 147 (63,1%) do género feminino.26 (10,7%) adolescentes apresentaram ideação suicida (pontuação acima do ponte de corte de Reynolds, 1988), dos quais 76,9% eram raparigas. Os resultados indicam ainda que a ideação suicida se correlaciona significativamente com a sintomatologia depressiva, explicando 39,5% da variância da mesma. Estes resultados suportam a existência de uma relação entre ideação suicida e sintomatologia depressiva e alertam para a presença de ideação suicida nos adolescentes portugueses da população geral. Salienta-se, assim, a necessidade de se desenvolverem estratégias de intervenção, nomeadamente preventivas, nas problemáticas da ideação suicida e da depressão, em Portugal.

Palavras-chave- ideação suicida; sintomatologia depressiva; adolescentes

 

ABSTRACT

Recent data from the Portuguese General Directorate of Health (2013) point to an increase in the number of suicides in recent years. Among adolescents, suicide is the second leading cause of death. International studies have shown that suicidal ideation is a key indicator for suicide risk. It appears in about 4-10% of adolescents in the general population, is more prevalent in females and is often associated with depression. This study aims to evaluate the presence of suicidal ideation in adolescents from the general population and to analyze the relationship between suicidal ideation measured by Suicidal Ideation Questionnaire (SIQ, Reynolds, 1988; Portuguese version by Ferreira & Castela, 1999) and depressive symptomatology assessed by the Children's Depression Inventory (CDI, Kovacs, 1985; Portuguese version by Marujo, 1994). The sample is comprised by 233 adolescents from the general population, aged between 14 and 18 years (M = 15.69, SD = 1.287), 86 males (36.9%) and 147 females (63.1%).26 (10.7%) adolescents present suicidal ideation (score above the cutoff point proposed by Reynolds), of whom 76.9% are girls. The results also indicate that suicidal ideation is significantly correlated with depressive symptoms, explaining 39.5% of its variance. These results support the existence of a relationship between suicidal ideation and depressive symptomatology and call attention to the presence of suicidal ideation in Portuguese adolescents of the general population. Thus, it is stressed the need to develop intervention strategies, including preventive ones, to address the problem of suicidal ideation and depression in Portugal.

Key-Words- suicidal ideation, depressive symptomatology, adolescents

 

Em todo o mundo, o suicídio é uma das principais causas de morte na adolescência. Em Portugal, dados recentes da Direção-Geral de Saúde apontam para um aumento do número de suicídios nos últimos anos e revelam também que nos adolescentes o suicídio é a segunda causa de morte (Direção-Geral de Saúde, 2013).

O estudo da ideação suicida tem contribuído com dados importantes para a compreensão do comportamento suicida na adolescência. Segundo uma perspetiva que concebe o comportamento suicida como um espetro comportamental, a ideação pode ser vista como um estado preliminar, percursor de outros comportamentos suicidas mais severos (Pfeffer, 1985).

A ideação suicida refere-se a pensamentos acerca de auto-destruição, que incluem a ideia de que a vida não vale a pena ser vivida, bem como planos específicos para lhe por fim. É tida como um indicador fundamental para o risco de suicídio (Reynolds, 1988), sendo uma componente básica na classificação de comportamentos suicidas (Pfeffer, 1985). A presença de ideação suicida é habitualmente um sinal de sofrimento emocional grave e aparece como um dos principais preditores de tentativas de suicídio e suicídio consumado (Nock et al., 2008). Estudos referem que um terço (34%) das pessoas com ideação suicida ao longo da vida elabora um plano de suicídio; desses, 72% fazem uma tentativa de suicídio; e 26% dos indivíduos que apresentam ideação suicida mas que não elaboram plano concretizam uma tentativa de suicídio não planeada. A maioria das tentativas de suicídio, planeadas ou não, ocorrem no primeiro ano após o início da ideação suicida (Nock et al., 2008).

O risco de comportamento suicida, que inclui ideação suicida, bem como o planeamento e a tentativa de suicídio, aumenta durante a adolescência e o início da idade adulta. Segundo Ferreira e Castela (1999), a identificação da gravidade da ideação suicida no adolescente pode contribuir para detetar pro-ativamente jovens em risco de suicídio.

Vários estudos apontam para a presença de ideação suicida nos adolescentes da população normal, variando as estimativas de prevalência em função dos estudos e das populações, provavelmente devido a diferentes definições de ideação suicida e a diferenças nas populações estudadas. Maris, Berman e Silverman (2000), num estudo com crianças e adolescentes da população geral, nos Estados Unidos, verificaram que 7 a 12% das crianças e adolescentes avaliados apresentavam ideação suicida. Em estudos mais recentes, conduzidos em amostras representativas da população adolescente dos Estados Unidos da América, as estimativas de prevalência de ideação suicida variaram entre os 6 e os 13% (Arria et al., 2009; Barrios, Everett, Simon, & Brener, 2000; Crow, Eisenberg, Story, & Neumark-Sztainer, 2008). No Canadá, Dupéré, Leventhal e Lacourse (2009) encontraram uma prevalência de 7,7% numa amostra representativa da comunidade canadiana. Lopes (2012), numa amostra de adolescentes da população geral de Cabo Verde, verificou que, nos últimos 8 dias que antecederam a avaliação, 8% dos adolescentes apresentaram ideação suicida.

Alguns estudos de revisão têm citado estimativas de prevalência mais elevadas. Salienta-se a revisão de Nock et al. (2008), que relatou uma prevalência de ideação suicida entre 20% e 24% entre os adolescentes norte-americanos com idades entre 12 a 17 anos.

A literatura aponta ainda para diferenças de género associadas à prevalência da ideação suicida. Na maioria dos estudos com amostras da comunidade, os sujeitos do sexo feminino apresentam mais ideação suicida do que os sujeitos do sexo masculino (p.e., Groeleger, Tomori, & Kocmur, 2003; Lewinsohn, Rohde, & Seeley, 1994). Estando a ideação suicida muito associada à psicopatologia, é de realçar que os estudos clínicos e epidemiológicos acerca da psicopatologia na infância e adolescência têm consistentemente demonstrado que o género tem um importante papel nos níveis de saúde mental na adolescência (Zahn-Waxler, Shirtcliff, & Marceau, 2008). A investigação tem documentado, quer em amostras clínicas, quer em amostras da comunidade, diferenças associadas ao género nas taxas de psicopatologia (p.e., Handwerk, Clopton, Huefner, Smith, & Hoff, 2006), nas trajetórias desenvolvimentais das perturbações da infância (p.e., Bongers, Koot, Ende, & Verhulst, 2003), nos fatores de risco (p.e., Chamberlain, & Reid, 1994) e na resposta ao tratamento (Chamberlain, & Reid, 1994).

A pesquisa sugere ainda que, durante a infância, os meninos tendem a exibir uma maior prevalência de perturbações psiquiátricas do que as meninas (p.e., Hartung, & Widiger 1998), sendo que esta tendência se inverte na adolescência. Nesta fase do ciclo de vida, as raparigas revelam maior taxa de perturbações internalizantes (Angold, & Rutter, 1992; Bongers et al., 2003). As adolescentes do sexo feminino revelam duas a três vezes mais probabilidade de desenvolverem uma perturbação do humor e da ansiedade do que os rapazes, padrão este que se mantem na idade adulta (Keenan, & Shaw, 1997).

As perturbações do humor, particularmente a Depressão Major e a Perturbação Distímica, são as perturbações mais identificadas em quem tenta o suicídio. A depressão é considerada um dos maiores problemas de saúde mundial (World Health Organization, 2008), e está fortemente correlacionada com o comportamento suicidário (Marttunen, Aro, Henriksson, & Lonnqvist, 1991; Rao, Weissman, Martin, & Hammond, 1993; Shaffer, Garland, Gould, Fisher, & Trautman, 1988). Apesar de a suicidalidade não se limitar a adolescentes com perturbações depressivas, a maioria dos adolescentes deprimidos manifesta ideação suicida de modo significativo (Bahls, & Bahls, 2002).

Em Portugal os estudos sobre o tema com adolescentes são escassos. Estando confirmadas as associações entre sintomatologia depressiva, ideação suicida e género em estudos internacionais, é necessário estudar estas associações na população portuguesa. Estão desenvolvidos alguns estudos neste âmbito, que confirmam a maior prevalência de ideação suicida e sintomatologia depressiva no sexo feminino (p.e., Monteiro, 2012; Oliveira, Amâncio, & Sampaio, 2001). O presente estudo pretende ser um contributo para o estudo do suicídio e para a análise das relações entre sintomatologia depressiva e ideação suicida numa amostra de adolescentes da comunidade. Atendendo à revisão da literatura efetuada, esperamos encontrar: mais ideação suicida e níveis mais elevados de sintomatologia depressiva nas raparigas (hipótese 1), uma prevalência de ideação suicida em toda a amostra superior a 7% (hipótese 2), associações significativas entre a ideação suicida e a sintomatologia depressiva (hipótese 3), que a ideação suicida se revele preditora da sintomatologia depressiva, mesmo controlando a variável género (hipótese 4).

 

MÉTODO

Participantes

A amostra do estudo foi constituída por 233 alunos de escolas da região Centro de Portugal, que responderam aos questionários, em sala de aula, no âmbito de um estudo mais alargado sobre o tratamento da depressão na adolescência1. O quadro 1 apresenta a distribuição dos participantes por idade e género.

 

 

Dos 233 adolescentes avaliados, 147 (63,1%) são raparigas e 86 (36,9%) raparigas. A média das idades é de 15,69 anos (DP = 1,287).

Material

Inventário de Depressão para Crianças (CDI - Children´s Depression Inventory; Kovacs, 1985, 1992, versão portuguesa por Marujo,1994). O CDI consiste num inventário de auto-resposta composto por 27 itens avaliados numa escala de Likert de 3 pontos, que mede a presença e severidade de sintomas depressivos específicos em crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos (Kovacs, 1992). A pontuação total desta escala varia entre 0 e 54 pontos, sendo que valores mais elevados indicam maior severidade da sintomatologia depressiva. No estudo original, o alfa de Cronbach da escala variou entre 0,70 e 0,89 para o total (Kovacs, 1985). A versão portuguesa do CDI foi validada por Marujo (1994), tendo as suas características psicométricas sido também estudadas posteriormente por Dias e Gonçalves (1999). Ambos os estudos encontraram valores elevados de alfa (entre 0,80 e 0,84). No presente estudo, o alfa de Cronbach obtido foi de 0,82. Na literatura, não existe consenso quanto ao ponto de corte do CDI. Optou-se por utilizar o valor que é sugerido na maioria dos estudos internacionais para adolescentes da população normal, isto é, o ponto de corte de 19 (Kovacs, 1985). Passos e Machado (2002) consideraram também este ponto de corte de 19 como um bom preditor da depressão em adolescentes portugueses entre os 14 e os 17 anos.

Escala de Ideação Suicida (SIQ - Suicidal Ideation Questionnaire; Reynolds, 1988; versão portuguesa por Ferreira & Castela, 1999). O SIQ é um instrumento de auto-resposta desenvolvido por Reynolds, que permite avaliar a gravidade dos pensamentos suicidas em adolescentes e adultos. O instrumento é constituído por 30 itens, variando as respostas de 1 – “o pensamento nunca ocorreu” até 7 – “o pensamento ocorreu sempre”, podendo o resultado variar entre 0 e 180. Ferreira e Castela (1999)encontraram um alfa de Cronbach elevado (0,96), ligeiramente superior ao coeficiente referido pelo autor original. No presente estudo, o alfa de Cronbach obtido foi ainda superior (0,97). O instrumento ainda não apresenta pontos de corte para a população portugesa, pelo que optamos por seguir o critério mais rigoroso proposto pelo autor. Segundo Reynolds (1988), uma pontuação =41 pode ser indicativa de significativa psicopatologia e de potencial risco de suicídio.

Procedimento

Após garantidas as autorizações de entidades nacionais de proteção de dados e reguladoras da aplicação de inquéritos em escolas (Comissão Nacional de Proteção de Dados e Direção-Geral da Educação, através do sistema de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar) obteve-se a autorização das direções de quatro escolas do distrito de Leiria. Os instrumentos foram aplicados em sala de aula. Previamente foi obtido o consentimento informado dos adolescentes e encarregados de educação (no caso de adolescentes menores de idade) para participar no estudo. Os dados foram tratados com a versão 20 do Software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences; IBM Corp, Armonk, NY, USA).

Para avaliar a fidelidade dos questionários, foram calculados os alfas de Cronbach (a). Para explorar as características da amostra foram utilizadas estatísticas descritivas. As diferenças em relação ao género foram testadas usando testes t para amostras independentes. Para analisar as diferenças em relação à idade foram efetuadas análises da variância. Os coeficientes de correlação de Pearson foram calculados a fim de explorar a relação entre as variáveis em estudo. Os valores de correlação abaixo de 0,10 foram considerados de baixa magnitude, entre 0,10 e 0,30 de magnitude moderada e correlações iguais ou superiores a 0,50 foram consideradas de alta magnitude (como sugere Cohen, 1988). A fim de investigar a relação de predição entre a ideação suicida e a sintomatologia depressiva, recorremos a uma análise de regressão múltipla hierárquica, para analisar a relação de predição entre a ideação suicida (medida pelo SIQ) e a sintomatologia depressiva (medida pelo CDI) quando controlado estatisticamente o efeito do género.

 

 

RESULTADOS

Testaram-se as diferenças entre géneros relativamente às variáveis em estudo,através teste t-Student. No quadro 2 são apresentadas as médias e desvios-padrão e as diferenças entre o género masculino e o género feminino. Pela análise do quadro, verificamos que foram encontradas diferenças significativas entre os grupos em ambas as variáveis. As raparigas apresentam resultados significativamente mais elevados na sintomatologia depressiva medida pelo CDI e na ideação suicida medida pelo SIQ.

 

 

Não foram detetadas diferenças estatisticamente significativas relativamente à idade na sintomatologia depressiva [F(4,228) = 2,29; p = 0,60] e na ideação suicida [F(4,228) = 0,89; p = 0,47]. A presença de ideação suicida na amostra foi analisada com base no ponto de corte sugerido por Reynolds (1988) para amostras baseadas na comunidade (= 41). Constata-se que 26 dos 233 adolescentes, ou seja, 10,7% dos adolescentes da amostra apresentaram ideação suicida. Destes, 20 (76,9%) são raparigas (o que corresponde a 13,61% do total de raparigas da amostra) e apenas 6 (23,1%) rapazes (o que corresponde a 6,98% do total de rapazes da amostra). A distribuição dos adolescentes com ideação suicida, por idade, pode ser observada no quadro 3.

 

 

Quanto à presença de sintomatologia depressiva medida pelo CDI, verificamos que 35 (15,02%) dos 233 adolescentes pontuaram acima do ponto de corte de 19. Destes, 26 (74,3%) são raparigas (o que corresponde a 17,69% do total de raparigas da amostra) e 9 (25,7%) são rapazes (o que corresponde a 10,47% do total de rapazes da amostra). O quadro 4 apresenta a distribuição dos adolescentes com sintomatologia depressiva, por idade.

 

 

Comparando a frequência e distribuição dos adolescentes com sintomatologia depressiva e com ideação suicida significativa, verificamos que a distribuição por idade e por género obedecem a um padrão muito semelhante. Por exemplo, os adolescentes de 16 e 17 anos apresentaram as pontuações mais elevadas em ambas as variáveis; as raparigas apresentaram proporcionalmente mais ideação suicida e mais sintomatologia depressiva que os rapazes.

3.2. Estudo da relação entre ideação suicida e sintomatologia depressiva

Para estudar a associação entre a sintomatologia depressiva (medida pelo CDI) e a ideação suicida (medida pelo SIQ) utilizou-se o coeficiente de correlação Produto-Momento de Pearson. Verificou-se uma correlação positiva e forte estatisticamente significativa (r (233)= 0,63; p < 0,01). Isto sugere, como esperado, que níveis mais elevados de ideação suicida se associam a mais sintomatologia depressiva.

A fim de investigar a ideação suicida enquanto preditora da sintomatologia depressiva, recorremos a uma análise de regressão linear múltipla, com seleção das variáveis pelo método hierárquico ou sequencial. A variável género foi controlada, uma vez que se verificaram diferenças estatisticamente significativas quanto ao género nas variáveis em estudo. O quadro 5 apresenta o sumário do modelo de regressão utilizado.

 

 

Após a introdução da variável género, o modelo explica 5% da variância da sintomatologia depressiva. Depois de a ideação suicida ter sido inserida, o modelo passou a explicar 42% da variância. A introdução da ideação suicida acrescentou 37% à percentagem de variância explicada, contribuição esta que se revelou estatisticamente significativa [F(2,230) = 81,73, p <0,001].

No quadro 6, apresentamos os dados que indicam em que medida cada variável independente incluída no modelo contribui para a predição da variável dependente, quando a variância explicada pela outra variável é controlada. Analisando os coeficientes de regressão, verificou-se que ambas as variáveis contribuem significativamente para a predição da sintomatologia depressiva. No entanto, a ideação suicida revela uma contribuição bem mais elevada (ß = 0,61; p < 0,001) do que o género (ß = -0,15; p = 0,002).

 

 

DISCUSSÃO

O principal objetivo da presente investigação foi estudar a ideação suicida e a sintomatologia depressiva e a relação que se estabelece entre ambas, numa amostra de adolescentes da população geral, tendo sido confirmadas as hipóteses assumidas. Os resultados obtidos relativamente às diferenças de género evidenciaram que as raparigas apresentaram níveis mais elevados de sintomatologia depressiva e ideação suicida (hipótese 1) e são consistentes com a literatura internacional. Estudos com características semelhantes, ou seja, que recorrem a medidas de auto-resposta e utilizam amostras comunitárias, têm encontrado também que os adolescentes do sexo feminino reportam níveis médios mais elevados de sintomatologia depressiva do que os adolescentes do sexo masculino (p.e., Brown, Jewell, Stevens, Crawford, & Thompson, 2012; Roberts, Andrews, Lewinsohn, & Hops, 1990). A investigação também tem mostrado que a ideação suicida é mais prevalente nas raparigas do que nos rapazes (Garrison, Addy, Jackson, McKeown, & Waller, 1991; Marcenko, Fishman, & Friedman, 1999; Lopes, 2012). Há estudos que têm concretizado análises mais finas sobre as diferenças de género na associação entre sintomatologia depressiva e ideação suicida (p.e., Allison, Roeger, Martin, & Keeves, 2001), tendo encontrado resultados curiosos que deixam pistas para estudos futuros na população portuguesa: o aumento do risco da ideação suicida nas raparigas não parece aplicar-se em todos os graus de severidade da sintomatologia depressiva, tendendo a ser significativo apenas nos níveis moderados de depressão. A presença de ideação suicida poderá ser, assim, um indicador da severidade da depressão nas raparigas.

Os dados do presente estudo também corroboram os resultados dos estudos internacionais, no que toca à presença de relações fortes e significativas entre sintomatologia depressiva e ideação suicida (p.e, Burge & Lester, 2001; Kisch, Leivo, & Silverman, 2005; Konick, & Gutierrez, 2005). No modelo de regressão múltipla hierárquica, a ideação suicida revelou-se, como esperado, um forte preditor da sintomatologia depressiva, mesmo controlando a variável género (hipóteses 3 e 4).

Sabe-se que, em amostras clínicas, a contribuição do género para a sintomatologia depressiva e para a ideação suicida é significativa, sobretudo em níveis moderados de sintomatologia depressiva (Allison, Roeger, Martin, & Keeves, 2001). De realçar ainda a existência de estudos que atestam a importância do género na ideação suicida quando os adolescentes se encontram institucionalizados; por exemplo, Brown, Jewell, Stevens, Crawford e Thompson (2012) encontraram que ser do sexo feminino contribui mais para a ideação suicida que o facto de estar deprimido.

Quanto à presença de ideação suicida nesta amostra, a percentagem encontrada (10,7%) está de acordo com as taxas de prevalência observadas noutros estudos da população geral (Arria et al., 2009; Crow, Eisenberg, Story, & Neumark-Sztainer, 2008; Lopes, 2012). A taxa encontrada neste estudo é inclusivamente mais elevada que a encontrada por Dupéré, Leventhal e Lacourse (2009) em adolescentes canadianos. Realce-se que optamos pelo ponto de corte mais conservador sugerido pelo autor original do instrumento de medição da ideação suicida (SIQ = 41). No manual da escala, Reynolds (1988) considera também um ponto de corte mais baixo, também para amostras não clínicas (SIQ = 30). Caso tivéssemos optado por esta solução, o número de adolescentes com ideação suicida seria bem mais elevado.

Estes dados não deixam de ser preocupantes, sobretudo tratando-se de uma amostra da população geral, ou seja, não clínica. Pouca atenção tem sido dada à ocorrência de ideação suicida em grupos da comunidade bem como às suas implicações a longo prazo. Poucos estudos têm investigado as ligações duradoiras existentes entre a expressão de ideação suicida na adolescência, particularmente na fase intermédia, e psicopatologia no adulto, ideação e comportamento suicida e défices no funcionamento ao longo da vida (p.e., Reinherz, Tanner, Berger, Beardslee, & Fitzmaurice, 2006).

Os resultados encontrados estão de acordo com a literatura internacional e corroboram a necessidade de se identificar precocemente sintomatologia depressiva e ideação suicida nos adolescentes portugueses da população geral, e de serem desenvolvidas estratégias preventivas e de intervenção na sintomatologia depressiva na adolescência.

Este estudo comporta várias limitações, pois trata-se de um desenho transversal e que utiliza instrumentos de auto-resposta. É importante que se realizem estudos futuros de natureza longitudinal e que utilizem amostras clínicas.

 

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 “Depressão na Adolescência: um novo programa de tratamento”. Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia com Bolsa Individual de Doutoramento (referª: SFRH/BD/84252/2012).

 

Endereço para Correspondência

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra; Rua do Colégio Novo, 3001-802 Coimbra; Tel.: 937877691; e-mail: andreia.azevedo81@gmail.com

 

Recebido em 9 de Dezembro de 2013/ Aceite em 20 de Março de 2014