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Revista Portuguesa de História do Livro

versão impressa ISSN 0874-1336

Rev. Port. de História do Livro  n.24 Lisboa  2009

 

Helenismo, filosofia e cultura no Renascimento italiano, de Giovanni Argyropulus a Constantino e Janus Lascaris

 

Manuel Cadafaz de Matos

 

 

Hellénisme, philosophie et culture dans la Renaissance italienne, de Giovanni Argyropulus à Constantino et Janus Lascaris

Resumé

L’auteur étudie dans ses deux travaux, en premier, les contributions de trois philologues de Byzance, Giovanni Argyropulus, Constantino Lascaris et Janus Lascaris à l’Histoire de la Renaissance italienne.

Il analyse, aussi, six moments, de la plus nette importance, d’évolution de la présence de la pensée hellénique au Portugal, et d’autres régions de la Péninsule Ibérique depuis le XIVe. jusque le XVIII siècle. Sont abordés, entre autres, l’arrivé au Portugal de D. Vataça Lascaris avec la reine, D. Isabel, jusqu’au période dans lequel sont arrivés à Lisbonne (provenants de Coimbra) de characteres typographiques grecs du XVIIIe. siècle.

Mots-clefs: Giovanni Argyropulus; Constantino Lascaris; Janus Lascaris; Philologie grecque dans la Renaissance; Histoire de l’ Imprimerie.

 

Hellenism, philosophy and culture in the Italian Renaissance from Giovanni Argyropulus to Constantino and Janus Lascaris

Abstract

The author studies, in the present work, the contributions from three Byzantine philologists, Giovanni Argyropulus, Constantino Lascaris and Janus Lascaris, to the History of the Italian Renaissance.

He also analyses six moments, with outstanding relevance, from the evolution of the presence of Hellenic thinking in Portugal and other areas of the Iberian Peninsula after the XIV to the XVIII century. There are studies, between others, about the arrival of D. Vataça de Lascaris to Portugal with the queen D. Isabel, until the arrival, in Lisbon of typographic characters (coming from Coimbra) from the XVIII century.

Keywords: Giovanni Argyropulus; Constantino Lascaris; Janus Lascaris; Greek Philology in Renaissance; Printing History.

 

 

I

Preâmbulo: o trabalho de Eugenio Garin (1909­‑2004): evocação do erudito de Rietti no centenário do nascimento

 

Em 1937 ocorriam, no plano da História da Edição filosófica e cultural, dois acontecimentos verdadeiramente marcantes. Enquanto no universo francês se verificou a publicação da obra exemplar de Marcel Bataillon, sobre Erasmo e Espanha[1], na Itália, mais precisamente em Florença, era editada a obra de um jovem universitário Eugénio Garin, que há pouco concluíra 28 anos de idade, intitulada  Giovanni Pico della Mirandola, vita e dottrina[2].

Este homem, ainda jovem, já então trabalhava também, em Florença,  na cultura helénica, tanto nas vertentes do platonismo e do aristotelismo na Renascença[3] como nas da própria mitologia clássica. Tratava­‑se de duas vertentes que, sobretudo a primeira, jamais deixaria de cultivar, a partir de então, com persistência e talento.

Esses seus começos de actividade verificaram­‑se no período em que, em Florença, principiou a ser publicada, em 1938, a revista Rinascità. Esta publicação, inicialmente de carácter trimestral, era então dirigida por Giovanni Papini[4]. O secretário de redacção era Ettore Allodoli e, entre os colaboradores, Garin passou a ser, desde então, um dos colaboradores.

Por decorrer este ano o centenário do seu nascimento – ele que veio ao mundo na cidade de Rietti, um pouco a norte de Roma, em 9 de Maio de 1909 – poder­‑se­‑á dizer, dela, que orgulhosa urbe que (tal como o lendário imperador Vespasiano[5]) tais filhos tem[6].

Já nesses inícios do percurso de Eugenio Garin como investigador, com visibilidade na comunidade académica, ele era dotado de uma invulgar curiosidade intelectual. Sentia­‑se atraído em particular, até em resultado dos mestres universitários que tivera, pela problemática do Renascimento italiano, nas suas extensões pelas vias da helenização e da latinização dos principais meios cultos do seu país.

Essa sua curiosidade intelectual por temas da cultura grega  tê­‑lo­‑á levado, nessa fase inicial, a redigir um trabalho de incidência mitológica (e com repercussões para a área do hermetismo) sobre a morte de Hermes e o Liber Alcidi[7]. Essa divindade da mitologia helénica, que parece ter sido originária da Arcádia, já havia surgido, como ele mesmo reconhecia, nos tempos mais remotos desde Homero a uma grande parte dos autores clássicos.   

Durante a segunda metade dos anos quarenta Eugenio Garin dedicou-se a explorar alguns filões documentais respeitantes ao humanisto italiano, em particular sobre Nicoletto Vernia, Pietro de Mântua, Landino, Filelfo e o sempre presente (aliás inseparável da sua carreira) Giovanni Pico. Nos fins dos anos quarenta e nos começos dos anos cinquenta voltava a visitar a sua Hélade, os seus filósofos precursores, tanto Platão como Aristóteles, ou os seus naturais continuadores, como o neo­‑platónico Plotino[8]. Deste modo, um tanto na qualidade de leitor compulsivo, é significativo o número das recensões que passa a redigir nesse período.

Uma dessas recensões fá­‑la publicar na revista Rinascimento (iniciada em 1950  e natural continuadora da Rinascità), sobre a obra de Raimondi, a Defensio Epicuri[9]. Este filósofo ateniense (341­‑270 a.C.) também o atraía de algum modo, como representante de um pensamento que, a partir das sensações, estabeleceu um critério de incidências no plano do conhecimento, da moral e do prazer com vista à felicidade humana.

Entre os seus múltiplos testemunhos de erudição – que tivemos ensejo de receber deste mestre de Florença –  alguns foram, para nós, deveras frutificadores. Tratou­‑se dos primeiros grandes levantamentos, em obras diversas, das figuras fundadoras como Giovanni Argyropulus, Constantino Lascaris e Janus Lascaris. É deles, pois, que iremos tratar no presente estudo.

 

II

Decorrem três décadas sobre a nossa primeira missão na Grécia antiga, mais precisamente entre Janeiro e Fevereiro de 1978. Atraídos, nesse período, pelo estudo da epigrafia grega e pela representação dos anjos e outras figuras aladas (nas suas múltiplas tipologias) na arte grega, e também na romana, aterrámos em Atenas quando, insuspeitadamente – e de uma forma indirecta guiado pelos ensinamentos de mestres como Jean­‑Pierre Vernant[10] e Eugenio Garin – um complexo mundo de fascínio se abria imorredoiramente para nós.

Em fins dos anos quarenta – cerca de duas épocas antes do precursor estudo de Geanakoplos[11] sobre a difusão da cultura helénica na Europa mediterrânica – Eugenio Garin continuava a investir na difusão dos filósofos gregos na Renascença italiana. Nesse período, porém, ele passou a debruçar­‑se com mais regularidade sobre grandes mestres da intelectualidade bizantina, entre eles Giovanni Argyropulus e Constantino Lascaris e Janus Lascaris.

O nosso projecto – tomando a exigência heurística de Vernant como referência e modelo – foi então, desde os fins dos anos 70, partir do território de eleição desse helenista francês à descoberta do mundo grego recriado, na Itália do Renascimento, por filólogos da craveira de Argyropulus ou dos Lascaris[12]. É pois dos recriadores desse mundo antigo, desses escultores, ou seja, de filólogos de um mundo já então perdido nesses séculos XIV e XV, que vamos aqui tratar.

 

1 ­‑ Giovanni Argyropulus na difusão do helenismo, através do trabalho filológico na Itália renascentista

O filólogo helenista Giovanni Argyropulus nasceu em Constantinopla, no coração do império bizantino, em 1393­‑94[13], de uma família nobre, tendo enveredado, muito presumivelmente, pela carreira eclesiástica. Encontrando­‑se hoje inequivocamente provada a tradição textual  – no âmbito da produção caligráfica de textos – nessa capital religiosa, ela está documentalmente estabelecida por testemunhos vários desde os séculos VII e VIII[14] até aos tempos mais recentes.

Importa relevar aqui, com efeito, o papel que o primeiro dos referidos  mestres bizantinos teve na difusão da língua e cultura grega na Itália do Renascimento. Poder­‑se­‑á dizer, até, que os impressos e os manuscritos de e em torno de Argyropulus permitiram, a Garin – estudando inclusivamente a obra de Donato Acciaiuoli[15] – uma melhor interpretação quer do platonismo quer do aristotelismo renascentistas.

Argyropulus tinha cerca de 45 anos quando, em 1438­‑39, por ocasião do Concílio de Ferrara-Florença,  terá vindo pela primeira vez, de Constantinopla, até à região levantina de Itália. Pouco depois ele regressou a terras da grande Grécia. Muito em breve voltava pelo que, entre 1441 e 1444, já se encontrava com residência de certo modo fixa, em Pádua, junto a Palla Strozzi (c. 1373­‑1462)[16], que se vira forçado a deixar Florença, e que agora ali passava a dedicar­‑se aos estudos clássicos, entre os quais a língua grega, precisamente sob a direcção deste mestre bizantino.

Em 1448 já este estudioso da cultura bizantina se encontra a residir em Roma, muito presumivelmente à procura de apoios influentes para o seu trabalho junto da Cúria Régia. Não é conhecido o período em que permaneceu nos meios pontifícios. Apenas em 1453, já tinham decorrido cinco anos, se detecta a sua presença, como docente, nas terras natalícias de Bizâncio, mais precisamente em Constantinopla, numa instituição então bem credenciada, o Katholicon Mouseion.

Também nessa cidade a sua permanência não vai ser muito dilatada no tempo, pois empreende então longas viagens pela Itália, Grécia, França[17] e Inglaterra. Entre 1456 em 1471 dedica­‑se à actividade docente, como helenista, em Florença. Aí, segundo Paolo Eleuteri e Paul Canart, leu e comentou sobretudo textos aristotélicos[18].

O filólogo bizantino optou, então, por partir de novo para Roma[19], onde desenvolve também a sua primeira missão pedagógica nessa cidade até c. de 1476.

Entre 1477 e 1480 volta a leccionar (presumivelmente também sobre temas aristotélicos) em Florença. Ele, porém, não esquecera o ambiente romano e voltou à cidade dos pontífices e a parti de 1481 não mais abandona essa cidade até ao fim dos seus dias[20].

Nesse segundo período do seu magistério romano Giovanni Argyropulus contou, entre os seus discípulos, Johannes Reuchlin bem como o francês Jacques Lefèbre d’Étaples. Aquele que veio a ser, também, mestre de Ângelo Poliziano – autor de uma carta dirigida (através do humanista Luís Teixeira, ao rei de Portugal, D. João II, em 15 de Agosto de 1489[21] – ou ainda de Palla Strozzi e de Constantino Lascaris, acabou os seus dias em 1487.

 

1.1 ­‑ A tradição textual de Argyropulus e alguns contornos que envolve

Eugenio Garin procurou desenvolver primeiramente como que uma pesquisa em torno das características psicológicas de Giovanni Argyropulus enquanto homem e cidadão (já então com um filho a seu cargo) – que chegara a Florença para exercer o seu munus pedagógico – mais do que do helenista. Pretendia­‑se, pelo que se antevê numa epístola hoje conhecida, que este humanista – de que se conhece um retrato[22] quinhentista – levasse por diante, em Novembro de 1456, os seus ensinamentos em Florença, no âmbito das Belas­‑Letras.

Neste aspecto o estudioso de Giovanni Pico procura fundamentar, documentalmente, os meandros dessa sua pesquisa argiropuliana numa carta que foi enviada, em 9 de Novembro daquele ano, por Acciaiuoli, de Florença a Alamanno Rimuccini.

Em tal epístola Acciaiuoli regista, apesar de tudo, não sem alguma perplexidade:

Quanto ao nosso Argiropulo, que suscitara tanta expectativa nas suas lições, e quem com tanta avidez desejávamos ouvir, nada se sabe dele. Eu não deixo de admirar­‑me pela sua negligência e pela sua falta de seriedade, e não gostaria de falar de uma subtil e enganadora astúcia: de facto não se preocupou em enviar nem uma linha sequer depois da sua partida[23].

Regista­‑se, ainda, na referida epístola, acerca do filho que aquele helenista deixara em Florença:

Até parece que se esqueceu completamente desse filho que tanto dizia estimar. Precisamente queria dizer­‑te qualquer coisa sobre esta questão. Há alguns dias a mulher que o tem a seu cuidado queixava­‑se com grande discrição e medida daqueles que detêm a tutela da criança, a quem faltam muitas coisas necessárias; e pediu­‑me que te escrevesse sobre este assunto. Esforça­‑te, portanto, para que se faça tudo o que for preciso[24].

Mais pertinentes, decerto, no tocante à acção pedagógica desenvolvida por aquele mestre bizantino em Florença, são alguns manuscritos (também) revelados por Eugenio Garin[25], que dão testemunho de alguns passos fundamentais do percurso intelectual[26] deste grande difusor em Florença, para além da língua da Hélade, também do pensamento grego.

 

Gravura quinhentista com retrato de Argyropulus, numa edição suíça, por Paolo Giovio, de 1577

 

A questão da ampla difusão da filosofia platónica e aristotélica no Renascimento transalpino – em particular graças a Argyropulus – constitui, após essas primeiras incursões de Garin pelos terrenos do pensamento helénico, uma das suas coroas de glória. Ele veio a registar, algum tempo depois, que o intelectual bizantino, na introdução de 1460 ao seu curso de Psicologia, já tinha passos deveras significativos acerca da evolução da filosofia grega nos seus primeiros séculos de história conhecida e documentada.

Argyropulus sustentava, então, uma ideia de continuidade, desde Zaratustra e os pré­‑socráticos, autores de uma “filosofia obscura e poética”, até Sócrates, que “impulsionava os homens para as ciências através da  moral”; Platão, “divino e perfeitíssimo em qualquer ramo do saber” e Aristóteles, “durante vinte e um anos discípulo de Platão, que elaborou uma ordem perfeita das ciências”[27].

Na perspectiva daquele mestre bizantino não existia, efectivamente, uma verdadeira oposição entre os ensinamentos de Platão e os de Aristóteles. O que se verificava, isso sim, era uma forma diferenciada de abordar os problemas, atendendo à diversidade das ciências, dentro da unidade do saber e da pesquisa.

As divergências, na óptica de Argyropulus – que, para o efeito considerava, comparativamente, as posições de Alexandre de Afrodísia e de Temístio, a propósito da alma – “dependem do desenvolvimento das várias possibilidades em questões equívocas, possibilidades que o pensador, que abordou essas questões pela primeira vez, deixou sem explorar”[28].

Esta forma de ver, por parte de  Argyropulus não deixa, na Florença do Renascimento, por ser um tanto precursora. Tal sucede, com efeito, várias décadas antes de em Veneza, na oficina de Aldo Manuzio, ser  produzida, entre 1495 e 1498, também com a colaboração do mesmo Argyropulus,  a impressão dos Opera Omnia do Estagirita[29].

 

Opera Omnia de Aristóteles, na edição veneziana, por Aldo Manuzio, de 1497

 

Estas últimas considerações – a partir de uma obra de  que se veio a socorrer, anos depois, também Erasmo de Roterdão[30] – permitem, de igual modo, constatar o papel que aquele pensador bizantino teve na difusão das artes do livro quer na já referida cidade de Veneza, quer em Florença.

 

Mapa - Itinerário de Arogyropulus, desde a sua saída de Constantinopla até ao seu falecimento em Roma

 

1­‑2. Da preparação por Argyropulus de alguns manuscritos à utilização das suas versões aristotélicas por impressores transalpinos

Sendo especialista, como de facto era, na língua e na cultura grega, tal facto explica que Argyropulus tenha preparado, por sua livre iniciativa, alguns manuscritos na língua helénica.

 

Um dos manuscritos gregos de Argyropulus, existente nos fundos da Biblioteca Nacional de França

 

Nesse sentido ele apresenta­‑se como que estabelecendo, nessa segunda metade do século XV em Itália, uma interessante ponte entre a cultura de Bizâncio e a das terras que ali o acolhiam. Um caso que prova tal postura, de uma forma notória, é o de uma comédia bizantina, daquele período, de que deu testemunho num dos seus manuscritos, estudado por P. Canivet e por N. Oikonomides[31].

Ele contribuiu também, por outro lado – tanto em vida como a título póstumo – para que vários impressores, particularmente os venezianos, beneficiassem das suas versões, preparadas a partir da língua helénica, na (re)edição de diversos originais de clássicos gregos (para além da já referida colaboração com Aldo, na mesma cidade). Apresentamos, aqui, apenas quatro exemplos, dois manuscritos e dois impressos.

Encontram­‑se, com efeito, na Biblioteca Marciana, em Veneza, entre outros, estes códices quatrocentistas (que já tivemos ensejo de analisar):

1 ­‑ [“LOG.”DE ANIMA (lat.): trad. J. Argiropulus, pref. T. Gaza;

Comm. Boethius, Marsilius de Inghem; anot N. Vernia][32], cart. do séc. XV (de 227 fls.).

Assinale­‑se que, neste códice, para além das traduções de Porfírio, Boethius, ou Marsilius de Inghem, todas as outras, incluindo os textos aristotélicos De Interpretatione, Analytica priora, ou De Anima  (este último in fls. 35 rº­‑47 vº.) são da responsabilidade precisamente de Argyropulus.

2 ­‑ [ETHICA NICOMACHEA (lat.): trad. J. Argiropulus, comm. D. Acciaiuoli][33], cart. do séc. XV (de 270 fls.).

Sabe­‑se que este manuscrito provém dos “Canonici regolari di S. Leonardo fuori Verona”. Indica­‑se ainda o esforços de Eugenio Garin, em 1951, na interpretação desta fonte[34].

Na mesma instituição, por seu lado, encontram­‑se, na secção de fundos impressos antigos, outras edições, com conhecidos textos do pensamento medieval como estes, com comentários do Aquinate a textos de Aristóteles, resultantes de igual modo dos esforços de Argyropulus:

1 ­‑ [“LOG.”  (lat.): trad. mediev. “antiqua” e J. Argyropulus,  comm., S. Thomas Aquinas, ecc.][35]

Trata­‑se, afianal de um impresso em cujo frontispício se pode ler:

S. THOMAE AQVINATIS / Praeclarissima Commentaria / in Libros Aristotelis / Peri hermenias & Posteriorum / Analiticorum, / CVM ANTIQVA TEXTVS TRANSLATIONE, / atque etiam nouaIoannis Argyropyli (sic): Ite(m) Thoma Caietani Cardinalis / Supplementum Commentariorum in reliquum / secundi libri Peri Hermenias…

VENETIIS,/ Apud Hieronymum Scotum. / MDLVII. In fine: Apud Hieronymum Scotum. / 1555.

Esta última edição (impressa) insere­‑se, naturalmente, numa iniciativa de maiores dimensões, por parte daquele editor veneziano, em empreender, em meados do século XVI – cerca de quatro décadas após a morte de Aldo Manuzio – um plano de várias edições aristotélicas, autor muito em voga nos meios universitários veneto­‑paduanos da época. Daí que passemos à identificação de uma nova fonte argiropuliana:

2 ­‑ [PHYSICA (lat.): trad. mediev. J.Argyropulus;  com. S. Thomas Aquinas][36]

Trata­‑se de uma nova edição quinhentista impressa, em cujo frontispício se pode ler:

S. Thomae AQVINATIS / In octo Physicorumm Aristotelis / libros commentaria, / EX VETVSTISSIMO AC FIDISSIMO / manu scripto exemplari, nuper diligentissime castigata, & locis quam / plurimis integrati restituta: Cum duplici textus tralatione, / antiqúe, & ARGYROPOLI recognitis./

Ad haec accesit ROBERTI LINCONIENSIS / in eosdem Summa./ Quibus etiam nuper sunt additi Sancti Thome libelli asd ne­‑/ gocium  Physicum spectantes [a duas colunas­‑ col. I] De Principiis Naturae, / De Natura Maeriae,/ De Loco, / De Tempore libri Duo / De Aeternitate mundi: / ACTHOMAE DE VIO CAIETANI / Questiones…

VENETIIS,/ Apud Hieronymum Scotum / MD LVII, No fim: Apud Hyeronymum Scotum / MDLVIII.

Estas quatro obras, duas manuscritas e duas impressas, vêm dar, afinal, uma perspectiva sobre como o trabalho de Argyropulus – com tradutor de Grego – ainda se mantinha actuante e era procurado, em meios cultos, na segunda metade do período quinhentista em Veneza, isso para não falar de algumas das edições verificadas na Alemanha e em França a partir de versões textuais por si fixadas (ver nota, adiante, em “Algumas conclusões”).

 

2 ­‑ A discussão em torno das traduções de Platão: a polémica entre J. de Trebizonda e Bessarione

Quando Argyropulus, com cerca  de 45 anos de idade, se encontrava no auge da sua produção helénica transapina, deflagrou, por assim dizer, a polémica entre Johannes Basilius Bessarion, mais frequentemente referenciado por Bessariona (1399­‑1400/1472) – que na hierarquia eclesiástica atingiu o cardinalato – e Jorge de Trebizonda (1395 / 1472­‑73)[37]. Aquele religioso italiano tinha regressado do império de Bizâncio, em 1440, onde, entre outras façanhas, se contava a de ter conseguido transportar para Veneza uma soma considerável de códices helénicos medievais de uma importância fundamental.

Recuando um pouco no tempo, importa estabelecer que Bessarione – que estivera activo em Nápoles em 1455 e que em 1460­‑61 se encontrava de novo em Roma – pouco depois passou a ensinar em Veneza onde, em 1465, o papa Paulo II o enviou em missão a Constantinopla. Esta missão constituiu, sem dúvida, o primeiro momento fulcral da luta deste religioso na união de dois mundos, o de Bizâncio e o da cultura humanística do Renascimento.

 

O Cardeal Bessarione, numa gravura constante da edição quinhentista suíça de Paolo Giovio, de 1577

 

Foi neste  período, à volta de 1468­‑69, que as discussões, no âmbito do platonismo, entre Jorge de Trebizonda e Bessarione vieram a ganhar uma significativa dimensão. Elas acabaram por despoletar, como se sabe, a inimizade do Cardeal italiano por aquele intelectual bizantino[38].

Assinale­‑se que Jorge de Trebizonda tinha publicado, recentemente, a sua versão das Leis de Platão. Nessa sua produção teórica (e como tradutor) aquele intelectual – que chegara a Veneza proveniente de Cândia, na ilha de Creta – insurgia­‑se conta a deficiência de algumas das traduções de obras de Platão em Itália.

Veio então à luta Bessarione, que fez publicar a obra Adversus Calumniatorum Platonis. Correctio Lirorum Platonis De Legibus Giorgio Trapezuntio Interprete. De Natura et Arte adversus Georgium Trapezuntium, obra que saiu na oficina romana  de C. Sweynheym e de A. Pannartz, antes de 28 de Agosto 1469. Trata­‑se, ao fim e ao cabo, na expressão de J. Hankins, de um dos mais importantes textos na história do platonismo[39] na Itália renascentista, num período em que ele tinha também comentado o De factis et dictis Socratis (constante da edição dos Opera de Xenofonte, de Lyon, de 1551, existente no CEHLE).

Tudo indica que esta polémica teve uma significativa importância na decisão de, anos depois, o humanista fiorentino, Marsilio Ficino (1433­‑1499), passar a esse exemplar empreendimento de traduzir e editar o verdadeiro monumento dos Opera de Platão. Essa edição ocorreu em Veneza, recorde­‑se, na oficina de Bernardino de Core e de Andrea Torresani (o sogro de Aldo Manuzio), em 1491 (com trabalhos tipográficos terminados antes de 13 de Agosto desse ano)[40].

 

Uma das folhas iniciais da edição dos Opera de Platão, na edição veneziana (Andrea Torresani), de 1491

 

3 ­‑ O papel do vasto clã dos Lascaris, de Constantinopla, na difusão da cultura helenística em Itália

Outros casos importam, ainda, ser considerados neste âmbito da difusão do helenismo em Itália nos séculos XV e XVI. É a situação de Constantino Lascaris, gramático bem conhecido, e de Janus Lascaris, professor exilado em Florença, ambos provenientes do império de Bizâncio. Esta problemática, de âmbito mais alargado, insere­‑se na perspectiva da fixação em Itália de alguns membros das famílias Lascaris, no período de transição da idade Média para o Renascimento.

Importa com efeito, neste contexto, traçar uma (mesmo que breve) retrospectiva acerca de algumas das movimentações no seio destas famílias, indo até ao período final das cruzadas cristãs.

Entre 1204 e 1261, no período do império de Niceia[41] – situando­‑se esta cidade, como é sabido, a sudeste de Constantinopla – os destinos das populações foram regidos pela família aristocrática dos Lascaris (ou Laskaris). Desde o primeiro imperador aí em funções, Teodoro I Lascaris[42], o seu continuador Teodoro II Lascaris[43], até ao último titular, Miguel VIII Paleólogo (que reocupou com êxito a cidade de Constantinopla), decorreu mais de meio século.

Num período um pouco posterior, embora não muito distante, há a registar, ainda, que uma dama, descendente daquele clã, D. Vataça Lascaris, acaba por deixar aquela região em direcção à  Península Ibérica. Associa­‑se a Isabel de Aragão (com quem a sua família já mantinha laços) e acaba por a acompanhar quando esta, c. 1288, deixa aquela região com destino a Portugal, onde se casa com o rei D. Dinis[44].

Avancemos, porém, no tempo, até ao final dos anos cinquenta do século XV. É desse período, com efeito, que subsistem as primeiras informações acerca de um pré­‑humanista bizantino – decerto que proveniente de um desses clãs dos Lascaris, de Constantinopla, de nome Constantino, que chegará a Milão por volta desse período e se virá a notabilizar como gramático.

 

4 ­‑ Um gramático bizantino de renome, Constantino Lascaris na difusão do helenismo na Itália do Renascimento

Um dos primeiros humanistas bizantinos que contribuiu significativamente para a afirmação da cultura helénica em meios cortesãos e cultos no centro norte e no nordeste de Itália, a partir de meados do século XV, foi Constantino Lascaris. Passemos em revista, primeiramente, alguns aspectos sobre a sua origem e proveniência e, de seguida, acerca das premissas históricas do seu trabalho.

Ele tinha nascido em Constantinopla em 1434[45], provavelmente mais de uma dezena de anos antes de Janus Lascaris, um outro helenista da mesma cidade de quem nos iremos ocupar um pouco adiante. Em 1453 foi feito prisioneiro pelos Turcos, conseguindo a sua libertação pouco depois. Após ter passado por Corfu e por Rhodes, já se encontrava em Milão, em 1458, com 24 anos de idade[46].

 

4 ­‑1. Do período de Milão ao de Nápoles

Nessa cidade ele entrou ao serviço do Duque Francesco Sforza (1401­‑1466). Este homem de estado italiano, recorde­‑se, casado com uma filha da poderosa família Visconti, tinha­‑se feito proclamar Duque de Milão em 1450. Ele mesmo o incentivou e contratou para ensinar publicamente a língua grega, posição que o humanista de Constantinopla conservou até 1464.

Foi durante a sua permanência nessa cidade – tudo indica que até 1464 – que Constantino Lascaris – que algum tempo depois virá a ser aluno de Giovanni Argyropulus[47] – compôs uma das suas mais influentes obras, o tratado gramatical Erotemata[48] (impresso cerca de duas décadas depois nesta mesma cidade). O códice com este tratado destinava­‑se à formação de Hipólita[49], precisamente  filha de Francesco Sforza.

Ainda antes de Francesco Sforza vir a falecer, o que sucedeu em 1466, sabe­‑se que já C. Lascaris tinha deixado essa cidade.

 

4 ­‑ 2. Do seu período de Messina e da escola grega na Sicília

Encontramo­‑lo primeiramente a leccionar em Nápoles, em 1465. De registar que um pouco antes, mais precisamente em 1443, D. Afonso V, o Magnânimo incentivador das artes[50] em geral, tinha criado o Centro Humanístico de Nápoles. Nele acabaram por se distinguir, entre outros, Filelfo, Pogio, Jorge de Trebizonda, Bessarione, Teodoro de Gaza ou Valla, todos protegidos pelo monarca (castelhano como o seu sobrinho, Príncipe de Viana, trradutor de Aristóteles[51]).

Terá Constantino Lascaris rumado em 1465 de Milão para Nápoles, atraído pela fama de que desfrutava, ainda então, esse centro de Humanidades? Tudo indica que sim. Também é provável, no entanto, que a actividade então aí desenvolvida já tivesse decrescido, qualitativa e quantitativamente, um vez que ele só aí permaneceu alguns meses, pois no ano seguinte já se encontra na cidade de Messina, no sul de Itália. Aí veio, com efeito, a abrir uma escola de Grego que em breve conhecia uma notória popularidade[52].

É sensivelmente nesse período, segundo P. Eleuteri e P. Canart, que o gramático bizantino vem a conhecer aí Giogio Valla (1447­‑1500) e, um pouco mais novo do que este,  Pietro Bembo (1470­‑1547).  

Já Constantino Lascaris vivia e ensinava há cerca de uma década em Messina, quando viu criadas as condições para ser impresso, pela primeira vez, o seu tratado gramatical Erotemata. Tinha­‑se iniciado, há pouco, em Milão, a actividade tipográfica.  Curiosamente uma das primeiras obras escolhidas para ser ali impressa foi, precisamente, a gramática grega de Constantino Lascaris (em oito partes: “Finis compendii octo orationis partium”, segundo Renouard).

Tal veio a suceder na oficina de Dionysius Paravisinus, para Demetrius de Creta. Os trabalhos tipográficos para esse livro foram concluídos em 30 de Janeiro de 1476. Esta  obra, que pouco depois foi objecto de reedição na mesma cidade[53], já beneficiou, assinale­‑se ainda, de uma edição em fac­‑símile[54].

Cerca de duas dezenas de anos depois daquela edição princeps, o impressor veneziano Aldo Manuzio ­‑ que, como erudito (e para além do seu conhecimento das línguas clássicas) tinha, na qualidade de editor, uma particular sensibilidade para o negócio de livros que eram de assegurado êxito comercial – optou por editar, observando presumivelmente a edição milanesa de 1476, essa mesma obra.

É hoje conhecido, com efeito, que não se tornou necessário a esse editor, entrar em contacto epistolar com o autor para este efeito da realização daquela obra. Foi Pietro Bembo quem, viajando em 1494 daquela escola de grego, em Messina, para Veneza, levou com ele – como mensageiro, tal Mercúrio, a unir duas entidades com interesses comuns – o manuscrito da gramática grega, corrigido pelo autor, bem como uma narrativa da sua própria ascensão ao monte Etna[55].

A cedência daquele manuscrito ocorria num período em que os contornos de direitos autorais eram ainda bastante diferentes dos de hoje[56].

O que é certo é que em Fevereiro­‑Março de 1495 estava concluída a impressão, naquela oficina venezina, desta obra. Na abertura da mesma consta esta dedicatória­‑prefácio:

Aldus Manutius Romanus studiosis, s. d. / Constantini Lascaris viri doctissimi, institutiones grammaticas, introducendis in litteras Graecas adolescentulis quam utilíssimas, quoddam quasi praeludium esse summis nostris laboribuset impendiis tantoque apparatui ad imprimenda Graeca volumina omnis generis, fecit cum multiudo eorum qui Graecis erudiri litteris concupiscunt – nullae enim extabant impressae venales et petebantur a nobis frequenter – tam status et coditio horum temporum et bella ingentia, quae nunc totam Italiam infestant irato Deos vitiis nostris, et mox totum orbem commotura ac potius concussura videntur, propter omnifariam hominum scelera multo plura maioraque iis, quae causa olim fuere ut totum humanum genus summergeret aquisque perderet iratus Deus[57].

Não deixa de ser um facto que, neste aspecto do seu mester, e em relação aos manuscritos que pretendia editar,  Aldo Manuzio era um pouco exigente e  perfeccionista. Nessa sua introdução aos textos gramaticais gregos de Constantino Lascaris, Aldo professava, segundo Martin Lowry, “um certo desprezo pelas versões impressas que circulavam. O manuscrito trazido de Messina por Bembo (e, ainda, por Gabriel, regista ele), tinha sido corrigido pela mão do próprio Lascaris ‘em cerca de cento e cinquenta passagens diferentes’. Graças a este manuscrito, Aldo ‘podia suprimir certas secções, corrigir outras, bem como juntar novos textos’. A tradução  latina teria sido acrescentada ‘por sua iniciativa’ para ajudar aqueles que principiavam no estudo do Grego”[58].

O genro de Asola, que poucos meses depois (já em 1497) punha em marcha, em letra de forma, o seu plano – prolongado por alguns anos, dada a vastidão de tal empreendimento – da restituição do Aristoteles grego, entendeu, cerca de seis anos depois da sua 1ª. impressão de Erotemata,  voltar à difusão dos trabalhos eruditos de  Constantino Lascaris. Tal sucedeu com a publicação, em 1501-1502, de Constantino Lascaris De Octo Partibus Orationis[59] – com reedição em Veneza, em 1512 e 1549 – quando aquela gramática impressa também dava origem a algumas cópias manuscritas[60].

 

Reedição de De Octo Orationus Partibus (1540), de Constantino Lascaris

 

Acerca dessa edição de 1501-1502, os dados em presença – na concisa interpretação de Giovanni Orlandi[61] – apontam que tal poderá ter sucedido, ainda, nos últimos meses de vida do conceituado helenista do quatroccento, presumivelmente a partir de Fevereiro-Março de 1501. Nos trabalhos preparatórios dessa edição interveio, também, o intelectual veneziano, Angelo Gabriel, que tinha estado, por sinal sob a tutela do próprio humanista bizantino. Esta afirmação é fundamentada no prólogo dessa edição onde, logo no início, o próprio impressor, deixa registado:

Aldus Manutius romanus Angelo Gabrieli patritio Veneto s. p. d. / Cum plurimis in rebus, Angele humanissime, novi te plenissimum amoris, humanitatis, officii, diligentiae, tum praecipue tua in Contantinum Lascarem Byzantinum, praeceptorem tuum…[62]

Tudo parece indicar que esta obra beneficiou de um bom acolhimento nos meios italianos universitários da época (e em outros meios cultos em geral).

 

Mapa - Itinerário de Constantino Lascaris, desde a sua partida de Constantinopla até à sua morte na vila de Messina, na Sicília (sul de Itália)

 

Não é sabido, ao certo, até que período o autor de Erotemata continuou, na sua escola grega de Messina, com o seu intenso labor de restituição de fontes gregas. Do que se conhece, com mais rigor, é que ele acabaria por falecer, em Agosto de 1501 nessa cidade (curiosamente antes de vir ao mundo um novo helenista, Giovanni Ettore Lascaris[63]). Ele ficaria reputado, afinal, como “um dos máximos difusores da cultura grega na Itália do século XV”[64].

 

5­ ‑ Uma súmula do legado grego impresso por Aldo, apenas nos primeiros seis anos (entre 1494 e 1499)

Nem tudo se encontra ainda cabalmente estudado, até hoje, quanto à multímoda produção tipográfica veneziana  de Aldo Manuzio em caracteres gregos. Isso apesar de os estudos – alguns dos quais temos vindo aqui a seguir – de Martin Lowry, de Giovanni Orlandi e outros, terem já contribuído para se superarem muitas das inexactidões que haviam sido escritas.

Um dos problemas que continua a não ser, apesar de tudo, pacífico, é se o livro de Constantino Lascaris, Erotemata, de 1495, foi efectivamente ou não o primeiro a ser impresso por ele em Veneza.

 

Retrato em gravura (do século XVI) de Aldo Manuzio

 

Em 1979, quando Martin Lowry lançou a 1ª. edição da sua obra sobre a tipografia aldina, deixou nela, num quadro de interesses mais vastos, uma súmula das obras gregas impressas por este técnico e humanista, nos primeiros seis anos da sua actividade. Sintetizamos, aqui essa faceta da sua produção tipográfica grega no seguinte quadro. Ela é obtida, no essencial, do 1º. catálogo das edições gregas que Aldo Manuzio tinha produzido até 1498[65]:

 

1º. catálogo de edições gregas por Aldo Manuzio (Veneza,1498)

 

Produção tipográfica grega de Aldo: 1494-99

 

Assim, e num cômputo geral, pode estabelecer­‑se que, nesse espaço de seis anos – com a parte mais avultada da sua produção tipográfica com caracteres gregos – Aldo Manuzio fez imprimir aos técnicos seus colaboradores cerca de 4.250 folhas de texto. Para se dar apenas uma ideia muito geral, estes números correspondem, se tal produção fosse regular e constante, a uma média de 700 f. de texto grego (apesar de em muitas delas haver também texto em latim, ou coabitando as duas línguas em muitas páginas comuns) em cada um desses anos de produção. Ou, ainda, se se preferir, tal acção corresponde a uma média de cerca de seis dezenas de  f. em caracteres gregos por mês.

Trata­‑se, efectivamente, de uma produção gráfica, de algum modo, quantitativamente avultada. Se se pensar, ainda, na exigência que aquele impressor punha na sua produção, estes dados revelam a existência de quadros humanos técnica e cabalmente preparados para lidarem, quase no dia a dia, com uma língua clássica, manifestamente diferenciada da sua.

O sentido de exigência que, como referimos, Aldo punha neste seu labor oficinal – tão rigoroso como o trabalho filológico que lhe estava na base – levou­‑o, em várias fases da progressão de tais trabalhos, a tentar encontrar soluções, quanto ao desenho dos próprios caracteres, que melhor se adequassem às missões editoriais específicas  que a sua equipa de técnicos tinha em mãos. Daí resultou uma estreita colaboração com o bem conhecido técnico Francesco Griffo. 

Esse facto legitimou a necessidade de que este impressor – quando editou Aristofanes em 1498 – tinha já na sua oficina, pelo menos, uma tipologia de caracteres gregos[66]. Um estudo mais atento, como o de G. Mardersteig, vem provar, no entanto, que nessa mesma obra foi utilizada uma segunda tipologia de caracteres na mesma língua.

 

Duas tipologias de caracteres gregos na impressão, por Aldo Manuzio, da obra de Aristofanes (1498)

 

Veja­‑se um outro caso. Em 1499, Aldo imprimiu as obras de Dioscórides e Nicandro. Pode­‑se estabelecer, assim, que os caracteres gregos utilizados na edição desta nova obra não correspondem, já, aos jogos de caracteres de que os seus funcionários se haviam servido no referido trabalho do ano anterior.

 

Uma nova tipologia de caracteres gregos na impressão, por Aldo Manuzio, das obras de Dioscorides e Nicandro (1499)

 

Uma outra conclusão poderia ainda ser tirada. Quando na oficina de Aldo é publicada a edição de Sofocles, de 1502 – obra já fora do presente quadro cronológico e à qual faremos referência mais adiante – os caracteres gregos de que se serviu este impressor e a sua equipa já não correspondem a nenhuma das tipologias[67] anteriormente empregues.

 

Uma nova tipologia de caracteres gregos na impressão, por Aldo Manuzio, da obra de Sofocles (1502)

 

6 ­‑ Dos códices de Constantino Lascaris (alguns levados para Castela) à sua disputa com Pomponazzi sobre as línguas clássicas

Mais de uma década depois da morte do helenista bizantino, aquele  seu tratado do De Octo Partibus Orationis acabou por vir a ser reeditado[68], por Aldo Manuzio, em Outubro de 1512. Tal sucedeu cerca de dois anos antes de ele próprio vir a falecer em Veneza (e 37 anos antes de o mesmo vir a ser de novo publicado, na mesma cidade, em 1549).

Nesse período, em Messina, o legado de Constantino Lascaris – a recordação dos seus ensinamentos e, presumivelmente, ainda os seus códices – continuavam na memória dos homens.  Parte desse legado, ou seja, a soma dos códices deixados para a posteridade (após a sua morte) não foi, efectivamente, de reduzida importância.

A produção codicológica deste filólogo bizantino avant la lettre – quer em Messina quer antes de chegar a essa cidade – é também hoje, de facto,  de uma reconhecida importância para o estudo da língua e da cultura grega em Itália nesta segunda metade do século XV. Paolo Eleuteri e Paul Canart assinalam, ainda, a existência de uma Vita di San Demetrio martire e uma introdução a Argonautiche Orfiche, para além de outras traduções[69].

 

A letra caligráfica grega de Constantino Lascaris, perspectivada através de dois testemunhos (apud Annaclara Palau; e P. Eleuteri e P. Canart)

 

De não menor interesse, em particular para os leitores da Península Ibérica, é que uma parte dos códices helénicos de Constantino Lascaris acabariam – em função dos trâmites políticos e dos interesses que ligaram a Coroa de Castela àquela região do sul de Itália – por ser transportados para esse país. Encontram­‑se hoje na Biblioteca Nacional de España, onde mereceram a atenção, nomeadamente, de Iriarte, no catálogo dos manuscritos da então Biblioteca Real[70].

Um outro aspecto a considerar no seu legado é que este humanista contribuiu, de igual modo com elevação, no seu tempo de intelectual activo e militante, para a discussão da problemática da língua. Nesta questão – sucintamente relevada por Eugenio Garin – importa avançar c. de quatro décadas após a morte deste intelectual bizantino. Assim, perspective­‑se um excerto da obra Dialoghi del Sign. Speron Speroni, nobile padovano, di nuovo ricorrentti: á quali sono aggiunti molti altri non più stampati e di più l’apologia dei primi.

Assinale­‑se que Sperone Speroni (1500­‑1588) – natural de Pádua e que foi educado sob a orientação de Pomponazzi[71] – apresenta, nesta sua obra, vários diálogos, reunidos pela primeira vez em 1542 (e com uma outra edição, a utilizada por Garin para o efeito, de 1592). Neles, segundo o autor de Idade Média e Renascimento, estão particularmente presentes “as disputas ‘sobre as línguas’ e ‘sobre a retórica’, onde ressoa o eco, provavelmente puro, da escola de Pomponazzi”[72]

No diálogo das línguas reproduz­‑se “uma suposta discussão” entre Constantino Lascaris e  Pietro Pomponnazzi (1462­‑1525), este 28 anos mais novo do que aquele (mas que à altura da referida edição também já havia falecido).

Na primeira parte do diálogo – que não escapa a aspectos autorais caracterizados como algo insidiosos, mesmo que propositados – Lazzaro Buonamici sustenta, contra Pietro Bembo, “a perfeição paradigmática dos antigos e, em seguida, das línguas clássicas: o mundo greco­‑romano, e depois as línguas grega e latina, constituem a perfeição total, milagre alcançado de uma vez para sempre, e irrepetível”[73].

Eugénio Garin explicita que, ante os dados em presença, “o extremo da tese classicista aniquila a história. Se já tudo foi alcançado, só falta “morrer de sofrimento”.

A tese oposta, porém – que Peretto[74] defende aí contra Constantino Lascaris – ao destruir todo o vínculo entre ‘expressão’ e ‘conceito’, reduz também, e de modo mais subtil mas não menos radical, na feliz expressão de Eugenio Garin, “as línguas a meros disfarces arbitrários e indiferentes de uma formação humana”. E acrescenta: “Por paradoxal que pareça, a tese tão franca, tão revolucionária, tão ‘democrática’ de Pomponazzi (que ‘tão bem filosofa o camponês como o gentil­‑homem, o lombardo como o romano’), negava qualquer valor ao esforço do homem, excluía qualquer evolução e desenvolvimento da verdade”[75].

Nesta contenda as posições de Constantino Lascaris e de Poponazzi acabam por se extremar. Assim este segundo autor, “ainda que não conhecesse outra língua que a de Mântua[76], recusa vigorosamente a posição de Lascaris, segundo a qual

as diferentes línguas constituem outras tantas formações históricas e, portanto, terá existido uma ligação muito estreita entre os conceitos dos Gregos e a sua língua. Considero, escreveu ele, que ‘quando se traduziu para latim, o grego de Alexandre de Afrodísia o seu texto mudou tanto como de estar vivo para estar morto… As diferentes línguas significaram diferentes conceitos’[77].

Esta posição de João Lascaris acerca da língua grega,  como  se sabe, não foi bem aceite por Pompanazzi.

 

7 ­‑ Janus Lascaris, um humanista em Florença ao serviço de Lourenço o Magnífico e da sua biblioteca

O terceiro filólogo helénico de que vamos tratar é Janus Lascaris. Cerca de uma década e meia antes de ser detectada a presença de Constantino Lascaris em Milão – presumivelmente nos fins da década de cinquenta como atrás se disse – veio a nascer (por volta de 1445) este outro membro da vasta família bizantina dos Lascaris. Esta figura central no estudo e na difusão da helenização da região central e nordestina de Itália, estudada por Paolo Giovo[78], nasceu em Constantinopla.

Este provinha (também ele, tal como Constantino), da estirpe[79] dos imperadores Lascaris bizantinos activos em Niceia. Acabaria por se notabilizar, como se observa adiante,  no mundo das Belas­‑Letras, para além da Itália, ainda na França do Renascimento[80].

Janus Lascaris partiu de Constantinopla, ainda muito novo, para Itália, fixando­‑se então em Veneza. Aí foi, primeiramente, um protegido do Cardeal Bessarione[81].

Sabe­‑se que, como se regista em P. Eleuteri – P. Canart, esteve desde muito cedo aos cuidados – e, também, sob a formação – do helenista Demetrio Calcondilla[82] (o qual em 1463 já se encontrava empossado como professor de Grego em Pádua), onde também aprofundou os conhecimentos do latim.

Após a morte do Cardeal Bessarione, em 1472, Janus acabou por se fixar em Florença. Nesta capital do Renascimento ganhou particular notoriedade pelo curso de Grego que aí ministrou. Foi então convidado, por Lourenço de Médicis, para desempenhar as funções de director da Biblioteca Laurenziana, onde já se encontrava na última década do século XV.

É bem conhecida quer a grande apetência cultural de Lourenço de Médicis por fontes bibliográficas antigas e raras como, também, o incentivo que deu às Belas­Letras, à Filosofia, sendo disso um inequívoco testemunho as benesses que concedeu a Marsilio Ficino ou a Gionni Pico della Mirandola, entre outros.

Ao serviço de Lourenço de Médicis e da sua biblioteca Janus Lascaris terá empreendido uma ou mais missões de pesquisa e aquisição de fontes antigas[83] por regiões da Itália central, por exemplo no período de 1490­‑91, em particular na região de Modena[84]. Com o mesmo intuito deslocou­se, entre 1491 e 1492, por centros de produção cultural da Grécia e da Ásia Menor, missão de que se encarregou com grande sucesso[85]. Ao regressar, porém, a Florença, o seu protector, Senhor de Florença, tinha expirado (já em 1492) há algum tempo.

De assinalar, no entanto, que se veio a verificar uma relativa indiferença, por parte de Pedro de Médicis, por todo este esforço de colecta, por Janus Lascaris, de todas essas fontes codicológicas gregas. Assim esse helenista – até em consequência das dificuldades sentidas então pelo regime em 1494 – acabou por  conservar, durante algum tempo, um certo número dessas preciosas fontes[86].

Nesse período, este membro do clã Lascaris, na sua especialidade na língua grega, ligou­se ao Studium de Florença, onde passou a ministrar os seus cursos. Essa sua actividade docente ter­se­á prolongado, estamos em crer, entre 1492 e 1496[87]. Enquanto duravam estes seus cursos, sabe­se que Janus estreitou os seus contactos – e passou a dar a sua colaboração como helenista – à oficina de um bem conhecido impressor, Lorenzo de Aloppa, que nesse período operava em Florença.

Há que registar que, só entre 1494 e 1496, foram produzidas nessa cidade e oficina “dez edições gregas, tendo sido aí ensaiados três tipologias de caracteres diferentes, entre eles um oncial universalmente admirado pelos críticos modernos pela sua notoriedade e clareza”[88].

Nessa Itália pré­renascentista Janus Lascaris  e, tal como ele, Accursius, apresentava­se, decerto, como um daqueles que, ainda na segunda metade do século XV – e depois da introdução da imprensa naquele território graças ao contributo alemão – levaram mais longe a concepção e o estudo de várias tipologias de caracteres gregos (os quais, ao longo de gerações de tipógrafos, foram passando de mão em mão, de oficina para oficina)[89]

Assinale­se, por outro lado, que o conjunto de produções tipográficas – a que Janus Lascaris associa o seu nome em Florença – compreende, entre outras obras,  a Antologia Planudea, de 1494, extractos das tragédias de Eurípides, poemas de Calímaco, os diálogos de Luciano, bem como Argonauticos, de Apolónio de Rhodes[90], estas últimas obras de 1496.

 

7 ­‑ 1. Da presença de Juan Lascaris entre os cortesãos de Carlos VIII de França ao início da sua colaboração veneziana com Aldo Manuzio

Esse foi o período em que o rei de França, Carlos VII – que presidiu aos destinos daquele país entre 1483 e 1498 – na fase final do sua governação, invadiu a Itália. Partidário da sua acção, Janus Lascaris acabou, então, por o acompanhar no regresso a terras francesas. Tendo aquele monarca falecido em 1498, e sendo empossado no trono Luís XII, este acabou por – tal como fizera o seu antecessor – fazer também a sua campanha em Itália.

Sabe­‑se, assim, que Janus Lascaris integrou a missão régia francesa de Luís XII, a caminho de terras transalpinas. Giovanni Orlandi estabelece que, em Abril de 1500, este bizantino se encontra, nesse âmbito, em Milão. Aí o podemos encontrar, também, em Julho do ano seguinte, bem como em Pavia. Nesta última cidade vem a encontrar­‑se com um outro helenista, Musurus[91].

Entretanto em Veneza, Aldo Manuzio – graças a Girolamo Amaseo, estudante da Universidade de Pádua – tinha acabado por tomar conhecimento do papel desempenhado em Florença, por Janus Lascaris, quer como bibliotecário ao serviço de Lorenzo de Médicis, quer como “editor de numerosos textos impressos”, designadamente ao serviço da tipografia Aloppa.

Terá sido, assim, entre 1490 e 1491 que se iniciaram os contactos entre Janus Lascaris e Aldo Manuzio[92]. A ampla cultura deste humanista bizantino passou a servir, inequivocamente, desde muito cedo, os interesses universalistas daquele impressor. O genro de Andrea Torresani – também ele impressor e de quem herdou a oficina, em 1494­‑95 –era já, como depois se veio a confirmar, um erudito de excelência[93]

Apesar do início da relação entre J. Lascaris e Aldo se ter iniciado naquele período de 1490­‑91, tudo indica que, desde então, e por mais meia dúzia de anos, as suas relações se tenham mantido à distância.

Entretanto depois desse período, mais precisamente em 1495, Aldo principiou a imprimir, entre as suas primeiras obras[94], Erotemata, do já referido Constantino Lascaris[95]. E dali a cerca de meia dúzia de anos, mais precisamente em Agosto de 1502 – e quando Janus Lascaris ainda não se encontrava a viver (de novo) na cidade de Veneza – fez com que ali se editasse, sob os seus cuidados filológicos, a obra Sophocles Tragoedia Septem, cum Commentariis[96].

Já ano ano anterior, porém, ou seja, em fins de 1501 Janus Lascaris – que já lhe era bastante familiar para o poder encorajar no sentido de uma recentivação da tipografia em caracteres gregos[97] – censurava­‑o abertamente de  ter “abandonado a Grécia e tê­‑la trocado por Itália”[98]. Aconselhava­‑o, assim, a ter perseverança em levar por diante o seu programa inicial de difusão de fontes helenísticas. Isso apesar de posteriormente se saber que o sogro deste, Andrea Torresani (como consta de uma epístola de Johannes Conon de 1505), era contra continuarem­‑se, nesse período, a publicar obras em grego[99].

 

Códice grego de Janus Lascarus

 

As aludidas relações distanciadas (geograficamente) de Janus Lascaris com Aldo vieram de facto a alterar­‑se poucos meses depois. Tal sucedeu na sequência de o rei de França Luís XII – retribuindo a Janus Lascaris os serviços até aí prestados – o nomeou, em 1503­‑04, seu embaixador em Veneza[100], substituindo assim nessas funções o advogado de Avignon, Accursio Mainer (ou Maynieri).

É na realidade a partir de 1504 que este intelectual bizantino estreita, na cidade dos dodges, os seus contactos, quer com Aldo Manuzio, quer com alguns dos helenistas então activos[101]. Foi o caso de Marcus Musurus[102] (c. 1470­‑1517), que é também conhecido como autor de uma elegia sobre Platão.

No respeitante à colaboração, desde então, de Janus Lascaris com Aldo, as funções diplomáticas[103] que ele desenvolveu  inicialmente em Veneza (e, mais tarde, durante a sua permanência de novo em França), não impediram que ele e o genro de Andrea Torresanus continuassem, de uma forma ou de outra, em estreito contacto.

Este período – para além daquele em que, em Florença, trabalhou em estreita proximidade em relação ao impressor Aloppa – constitui um dos mais fecundos da actividade de Janus Larcaris como helenista. Entre 1507 e 1508 ele trabalha intensamente na sua versão de Rhetores Graeci. Esta obra acaba por ser dada aos prelos, nessa cidade, na oficina de Aldo Manuzio, em Novembro de 1508.

Importa registar ainda, a este respeito, que chegou até aos dias de hoje um códice contemporâneo daquele período da produção de Janus Lascaris. Trata­‑se de uma interessante fonte que Annaclara Cataldi Palau identificou na Bibliotheque Nationale de Paris, como “Ermogene (XVI secolo, inizio). Modello di stampa dell’edizione aldina, Rhetores Graeci (1508­‑1509). Copista Anonimo”[104].

 

Modelo de impressão de Rhetores Greci, Veneza, oficina de Aldo Manuzio, 1508

 

É sabido, de igual modo, que o erudito bizantino contribuiu também nesse período (das duas primeiras décadas do período quinhentista, pelo menos), para uma maior afirmação da tipografia grega aldina em França, para uma maior atenção dos humanistas – em particular os franceses, mas também outros – para a produção que ia saindo daquela oficina do genro de Andrea Torresani[105].

Uma situação documentada deste período ocorre quando, em Julho de 1508, o humanista Aleandro, “escrevia, muito alarmado, a Aldo, que as três caixas de livros que ele tinha trazido de Itália se encontravam perdidas. Ele tinha uma absoluta necessidade, para começar as suas aulas, de uma dezena de exemplares da obra [de Janus Lascaris] Erotemata”[106], de 1495 (retomando, com novo aparato gráfico, a edição princeps desta obra, ocorrida em Milão em 1476[107]), que constitui, como dissemos atrás, a mais antiga obra saída da oficina de Aldo Manuzio.

Seja como for, sentiu­‑se uma significativa redimensão da produção tipográfica helenística naquela cidade do Adriático, na oficina de Aldo Manuzio, a partir do momento em que Janus Lascaris – após ter abandonado Florença – fixou a sua residência nesta outra cidade, na sua qualidade de “embaixador de França em Veneza”, onde já se encontrava em 22 de Novembro de 1504[108].

Não muito tempo depois, Janus Lascaris forneceu a Aldo Manuzio um códice com a obra de Salústio. Fruto as boas relações entre ambos, Aldo não apenas imprimiu em 1508 (presumivelmente poucos meses antes da partida deste membro do clã Lascaris para França) esta obra, como a dedicou, ainda, aquele humanista bizantino[109].

 

7 ­‑ 2. De alguns passos fulcrais da actividade de J. Lascaris e dos seus ensinamentos entre Paris, Roma e Castela

Entretanto em 1509 – logo após a guerra da Liga de Cambraia ­‑ este filólogo e diplomata já se encontrava (proveniente de Veneza) na capital francesa, onde ficou associado à Corte de Luís XII[110]. Não é abundante a documentação referente às  suas actividades e à sua produção textual, então naquela cidade.

É por demais evidente que Janus Lascaris deixou si gnificativos frutos da sua permanência em França. Um dos mais importantes terá sido o do ensino da língua grega na capital do país contando­‑se, entre os seus mais dilectos discípulos, o humanista Guillaume Budé.

Há a registar, com efeito, que entre os seus discípulos se contaram, nessa cidade, os humanistas Guillaume Budé[111] e Germain de Brie[112]. Uma outra particularidade a referenciar é o facto de Léon E. Halkin, enquanto investigador e erasmista, identificar este helenista – nesse período da sua permanência em Veneza em 1508 – como sendo “então porta­‑voz do rei de França”[113], Luís XII.

Pode referir­‑se, ainda, que esse é um período de que chegaram até hoje, de igual modo, vários testemunhos sobre as relações de Aldo com Janus Lascaris, inclusivamente sobre alguns volumes impressos naquela oficina com dedicatória a ele, já na sua qualidade de diplomata ao serviço do rei de França[114].

Sabe­‑se, por outro lado, que em 1513 o Papa Leão X chamou Janus Lascaris a Roma. A partir de então ele passou a trabalhar em estreita colaboração com a Cúria[115], num período em que ele ficou associado ao Colégio grego, Gymnasium Caballini montis, fundado no monte Quirinal[116], na casa de Angelo Colocci. Aí ele responsabilizou­‑se pelo ensino da língua grega, trabalhando também aí nessa área o já referido helenista Musurus.

Sabe­‑se, ainda, que, em resultado de vicissitudes várias, tanto o próprio Janus Lascaris, como Zachararias Callierges, com quem então também trabalhou, passaram, a pouco e pouco, a desinteressar­‑se, cada vez mais, deste processo de comunicação tipográfica helénica[117].

Durante esse período romano – e quando em França, depois da coroação de Francisco I, em 1515[118], principiava um florescente período para as Artes – este bizantinólogo continuou em contacto, à distância, decerto, com Aldo Manuzio. É muito provavelmente deste período da maior colaboração dada por Janus Lascaris a Aldo Manuzio que datará a preparação da sua conhecida Anthologia Graeca[119].

Outro dado de interesse é que, dos contactos estreitos de Janus Lascaris com a Cúria Romana resultou uma sua missão diplomática na Península Ibérica. Em 1525, como efeito, segundo registam Paolo Eleuteri e Paul Canart, o papa Clemente VII enviou­‑o a Espanha, até junto de Carlos V[120]. Tal decorria no período de ajustes matrimoniais entre Carlos V e Isabel de Portugal[121].

Sabe­‑se que Carlos V, neste como em posteriores períodos, optou por amplos périplos, em termos de governação, pelos vastos territórios que detinha. Assim, mesmo não se sabendo, com precisão, em que espaço decorreram os contactos havidos entre Janus Lascaris e Carlos V (em Castela ou não), estes revestem­‑se de uma significativo interesse para a História da Técnica e da Cultura neste período.

Roland Mousnier estabelece, com efeito, que Janus Lascaris transmitiu, num dado período, a Carlos V, o segredo de um arco de vapor “à roues, à aubes”[122]. Este projecto acabaria, no entanto, por ser posto em prática, já cerca de uma década depois da morte do próprio J. Lascaris[123].

É um facto que a permanência de Janus Lascaris em Castela[124], nesse ano, terá sido de não muito longa duração. Não abundam, por outro lado, as investigações que documentem as relações deste bizantinólogo com intelectuais ou agentes diplomáticos, seja do período da sua deslocação à Península Ibérica em 1525, seja do período anterior, particularmente da sua vida social em Florença ou em Roma.

O que sabemos, em rigor, graças a Artur Moreira de Sá – e em relação a um período anterior (em cerca de três décadas) à sua deslocação a Castela, é  que Janus Lascaris se encontrava a viver em Florença, em Janeiro de 1495, precisamente no período em que o humanista e latinista lusitano, Henrique Caiado, também residia nessa cidade.

Tal pode ser afirmado na medida em que Caiado escreveu, em 23 de Janeiro daquele ano, de Florença, uma epístola dirigida ao Professor Marcelo Virgílio[125]. Acontece que, nesse período, João Lascaris vivia e ensinava nesse cidade fiorentina, uma das capitais do Renascimento.

E será lícito, decerto, interrogarmo­‑nos. Terá Henrique Caiado, interessado com estava no estudo das culturas clássicas, estreitado conhecimento com esse mestre helenista, um dos mais reputado, então, a viver naquela urbe? Na realidade não o sabemos, tudo apontando que tal terá acontecido.  

Ignorando­‑se se voltou para Roma ou para Veneza, o que é certo é que essa permanência decorreu, porém, por não muito mais tempo. Fosse num lugar ou noutro, ele continuou a desenvolver as suas investigações e, presumivelmente também, o seu trabalho de versões a partir do Grego. Só que não o fez já num período dilatado, uma vez que acabaria por falecer, com cerca de 90 anos de idade, na cidade de Roma, em 1534.

Pelo exposto pode concluir­‑se que, na Itália do Renascimento, a introdução e o aprofundamento da cultura grega decorreu por parte de intelectuais como Argyropulus, Constantinus e Janus Lascaris, todos eles oriundos de ambientes culturais bizantinos. Estes – a par de diversos outros como Musurus, Teodoro de Gaza, ou Georgius Trapezuntius (ou Jorge de Trebizonda, mesmo que natural de Creta), souberam, com afã, levar por diante um ambicioso projecto de helenizar a cultura latina numa Itália em transformação.

 

Mapa - Itinerário de Janus Lascaris, desde a sua saída de Constantinopla até ao seu desaparecimento em Roma, após regressar da Península Ibérica

 

Do intelectual dos sécs. XIV e XV como hermeneuta à sua postura como angelos-mensageiro

Pelo exposto, configura-se pelo presente estudo que, tanto Giovanni Argyropulus como Constantino Lascaris e Janus Lascaris desenvolveram um substancial trabalho de transporte para terras de Itália – e a consequente vivificação – de alguns elementos bibliográficos essenciais da cultura helénica, no essencial de matriz bizantina.

Esse seu esforço – a par do de diversos outros helenistas dessa geração fundadora, como Jorge de Trebizonda ou Theodoro de Gaza – não pode hoje ser desligado, no entanto, dos gestos empreendedores de intelectuais como o Cardeal Bessarione, que trouxeram de Bizâncio (ou adquiriram mesmo em Itália em variadas circunstâncias) fontes codicológicas gregas da mais elevada importância para os trabalhos filológicos e editoriais que se lhe seguiram.

Sobretudo com Argyropulus e com os Lascaris criaram-se, enfim, as condições de trabalho para muitos dos esforços filológicos que se seguiram, sobretudo na Itália do Renascimento. Essas condições criadas, vieram a dar origem a outras manifestações de trabalho – no sentido da helenização da província itálica nesse período – repercutidas em vários domínios das artes.

Identificamos, por outro lado, um momento alto em que se sintetiza todo o esforço de helenização em humanistas transalpinos nessa época, sejam eles de cultura helénica ou latina. Tal sucede entre 1509 – faz precisamente agora meio milénio – e 1511, quando um pintor de Urbino, de nome Raphael, faz cristalizar em pintura o cerne de todo esse movimento da implantação da Grécia e da sua cultura na Itália de Theodoro de Gaza e de Marsilio Ficinio, de Jorge de Trebizonda e de Ângelo Politiano.

Raphael já é então, embora novo, um homem respeitado. Tem 26 anos e viaja pelo espírito ao encontro de Platão e Aristóteles, cuja presença materializa na sua pintura Scuola di Atene, na Stanza della Segnatura (por nós agora revisitada e reavaliada) no Vaticano.

Essa presença dos grandes vates helénicos não se restringe, nessa sua pintura, apenas a dois filósofos sem dimensão humana, tal o poder e a não perenidade dos seus discursos. Ela é extensiva a outras figuras como Hipatia de Alexandria[126] que, um pouco por detrás (e à esquerda) da representação do homem sentado em estado de melancolia, desafia com o seu olhar questionador o leitor do quadro. Ostentando as vestes de uma brancura impoluta ela remete também para uma outra configuração dos anjos (entre pecadores terrenos e mártires).

O tema da helenização italiana nesse quadro de Raphael é conhecido desde que tal ideia principiou a burilar no espírito do artista. Na Pinacoteca da Ambrosiana de Milão[127] – instituição que, como é sabido, celebra precisamente em 2009 o 4º. centenário desde que foram patentadas pela primeira vez ao público as suas colecções[128] – conserva-se ainda hoje, com efeito, o cartão que veio a dar origem a essa pintura do mesmo.

 

Cartão de Raphael, da Pinacoteca da Ambrosiana de Milão, que veio a dar origem à sua pintura Scuola di Atene

 

Numa leitura comparativa com o referido cartão, registe-se que o quadro La Scuola de Atene ostenta, bem visíveis – para além de Platão e de Aristóteles (este personificado pela figura corpórea do próprio Leonardo da Vinci, em termos de vera efígie) – todos os elementos da helenização da província itálica nos séculos XIV e XV. Lá se encontram os rolos pregaminácios, os códices a serem escritos, o acto de elucubração mental, ante e depois da leitura, enfim, o Homem na sua essência cultural, espiritual e multidimensional.

 

La Scuola di Atene de Raphael, 1509-1511

 

Observando-se, por outro lado, mais atentamente a fala que se evola desta pintura de Raphael – e centrando, em particular, as nossas atenções em duas das figuras centrais, as de Platão e de Aristóteles (porque inequivocamente, a nosso ver, as figuras do homem melancólico e Hipatia são também, aí, duas das figuras centrais) podem tirar -se, por outro lado, outras poderosas ilações discursivas.

Registe-se primeiramente, porém, que houve na preparação deste quadro diversos condicionalismos da entidade encomendante do mesmo, a Igreja, ao pintor, questões essas que, ainda hoje, se encontram sem resposta. O historiador de Arte, Burckardt, interrogou-se, perpicazmente a esse respeito:  que informações ou instruções terá recebido previamente Raphael para a preparação deste seu quadro? O que pôs ele, verdadeiramente, em termos de execução, da sua própria maneira de ver e de sentir? que partes gostaria de ter posto e não lho permitiram?[129]

É por demais evidente que, observando-se as figuras de Platão e Aristóteles, elas transmitem posições filosóficas, se não opostas pelo menos diferenciadas. Platão, leva o Timeu debaixo do braço e aponta o céu com a mão direita. Aristóteles, por seu lado, é visto com o braço estendido diante dele, a palma da mão aberta para baixo, levando, por sua vez com ele, um exemplar da sua obra a Ética.

Um outro historiador de Arte, o francês André Chastel, sistematizou essas posições diferenciadas indicando que

O gesto horizontal de Aristóteles simboliza a organização do mundo pela Ética e o gesto vertical de Platão, o movimento do pensamento cosmológico que se eleva do mundo sensível ao seu princípio ideal. É a ilustração directa do princípio de Ficino: os peripatéticos dão as razões positivas, os platónicos as razões superiores[130].

Veja-se de igual modo que Raphael – de que subsistem os interessantes tstemunhos coevos de Paolo Giovio[131] e de Giorgio Vasari[132] –  na parte superior esquerda do seu quadro, e do lado de Platão, inseriu a representação de Apolo, deus grego da beleza, da luz, da arte e da adivinhação. Na parte superior direita, por sua vez, do lado de Aristóteles, inseriu a representação da deusa itálica Minerva – correspondente à grega Athena – portanto, a deusa da sabedoria e da inteligência e patrona dos artistas.

Importa articular, assim, os conteúdos do produto artístico rafaelita final e o enquadramento espacial e ideo lógico que ditava, no Vaticano, a sua inserção. Ao que estabelece Andrea Emiliani, “os elementos platónicos e neo-platónicos que se podem encontrar  na doutrina cristã são, essencialmente, provenientes das obras dos Padres da Igreja”. Eles, ao fim e ao cabo, “não foram aceites senão depois de os seus ângulos terem sido adaptados  de forma a estarem perfeitamente adequados à doutrina cristã no seu conjunto”[133].

Outro aspecto a considerar, em termos de conteúdo ideológico-religioso do mesmo quadro, diz respeito à conciliação das doutrinas de Grimm e de H. B. Gutmann. O primeiro sustentou, com efeito, que Raphael poderá ter partido, para os elementos sémico-artísticos que inseriu nesta obra, de uma passagem do texto bíblio, Actosdos Apóstolos, 17, acerca de um momento da pregação de Paulo, entre os Atenienses[134].

H. B. Gutmann, por seu lado – e esta sua doutrina parece ganhar hoje cada vez mais consistência – sustenta que “o redactor deste programa pictórico em que repousa a Scuola di Athene tenha seguido, nos escritos de S. Boaventura, os elementos que permitiam conciliar as doutrinas  platónica e aristotélica, aceitando assim a distinção entre sermo sapientiae e sermo scientiae, mencionada pelo teólogo franciscano, que considerava primeiramente a missão de sondar os mistérios superiores, para reservar a um segundo plano o domínio da criação”[135].

Poder-se-ia levantar ainda, em termos interpretativos, a questão se há – com a exposição sémico-visual dessas duas obras, o Timeu de Platão e a Ética de Aristóteles – alguma relação de causalidade com edições desses dois filósofos surgidas sensivelmente nesse período em que Raphael pintou este seu quadro. O que se nos afigura, como mais plausível, a este respeito é que no espírito do pintor estivessem as edições dos Opera, quer do primeiro quer do segundo filósofo gregos, de grande formato, saídas em fins do século anterior (como atrás referimos) da oficina de Aldo Manuzio.

Tal não invalida, porém, que Raphael, como homem de cultura, tivesse ele próprio, ou eventualmente conhecesse, para além das referidas edições aldinas – mas o que continua, a nosso ver, por se provar – exemplares de edições aristotélicas até então impressas em Itália ou ou outras regiões como Alemanha, a França, ou a Espanha[136].

Outra particularidade a assinalar tem a ver com a figura de Hipatia de Alexandria. Tal como no cartão da Ambrosiana, esta mulher filósofa no quadro do Vaticano está totalmente independentizada do grupo de homens que lhe estavam por detrás. Acontece, que quando Raphael ultimou esta sua obra (nas duas versões, desde o cartão à representação em arte final) pôs, a poucos centímetros da cabeça daquela mulher, o punho de uma espada que uma mão, decerto intranquila, está a aconchegar.

 

Ao fundo, centrada, a figura de Hipatia de Alexandria; por cima da sua cabeça uma mão sobre o punho da espada, poderá induzir para o martírio da mesma pelas armas

 

Será que essa espada, por cima da cabeça da jovem alexandrina (que veio a ser martirizada), representa um signo ali posto pelo pintor com pressupostos inocentes? Não o cremos.

Uma particularidade que tem entretanto passado desapercebida dos investigadores que têm estudo o quadro de Raphael, La Scuola di Atene é o facto de o pintor só se ter feito representar no quadro, numa fase tardia da sua evolução conceptiva. Assim, enquanto no cartão da Ambrosiana de Milão desta obra ainda ainda não se detecta a presença do artista de Urbino, muito provavelmente terá sido já no seu trabalho no Vaticano que lhe veio a ideia de dar entrada naquele contexto cénico de transposição para o universo ateniense.

 

Na postura de um hermeneuta da filosofia ateniense

Neste caso concreto Raphael surge, neste preciso contexto, como um hermeneuta do pensamento grego. Numa leitura (contraria à dos ponteiros do relógio), da direita para a esquerda, e depois, de cima para baixo, ele estabelece, a partir do seu olhar de observador retratado, a presença – numa atitude rasante que varre toda a cena (e num sentido cronológico inverso aquele em que tais filósofos viveram) – de Aristóteles, Platão, Sócrates, aparecendo então, num plano inferior, Diógenes mais perto de si do que Pitágoras.

 

Quadro I

Identificação de cinco filósofos da magna Grécia, vendo-se à direita auto-representado o próprio Raphael que para o efeito teria recorrido à técnica do espelho

 

Para nós, como semioticistas do discurso histórico, La Scuola di Atene não é apenas uma pintura. Ela é, sobretudo, parafraseando Roland Barthes e Umberto Eco, uma fala. Ela representa, no essencial, a helenização da Itália do Renascimento.

Sendo esta pintura de Rafael uma fala, ela constitui uma mensagem na oralidade. Mais do que matéria-prima, de carga estética, portanto um discurso sobre uma tela, ela é uma fala  de Raphael na oralidade, e daí coloquial.

O pintor de Urbino está a transmitir aos seus leitores – tanto há cinco séculos como hoje – a sua própria voz, uma voz que ecoa no éter, portanto projectada na imaterialidade das coisas e dos seres. É como se Raphael fosse o pintor grego Eufrónio que, já no séc. VI a.C., ou seja, um pouco antes de Platão e de Aristóteles, transmitisse a representação da linearidade.

 

As falas, voláteis no éter, que saem das bocas das personagens representadas num dos vasos do pintor Eufrónios (séc. VI a.C.)

 

É essa linearidade que, na óptica de Elsa Ruiz, constitui uma das características do signo linguístico, sendo a direccionalidade um dos rasgos essenciais do signo gráfico[137]. O signo volátil (discurso tal pomba que voa) que sai da boca de uma das entidades falantes no referido vaso pintado pelo grego Eufrónio, mais não é do que a seta apontada, que sai da boca simbólica de Raphael, convidando à imitação dos Antigos, dos gregos que povoam o seu discurso pictórico. Foi essa a grande virtude de filólogos – se é que Raphael não foi aqui, com as suas falas, também um filólogo simbólico – como Argyropulus, Constantino Lascaris e Janus Lascaris.

 

Um contemporâneo de Argyropulus e dos Lascaris coado na luminosidade da sua pintura à luz de Veneza

Se o sentido etimológico de angelos, na língua grega, remete para o conceito de mensageiro, há que estabelecer, ainda, uma ponte entre a pintura de Raphael, contemporâneo de Argyropulus e dos Lascaris e a pintura de um outro  mensageiro, Hieronymus Bosch, de que uma das suas obras mestras, A Ascensão para o Empíreo[138], se encontra precisamente depositada em Veneza, no Palazzo Ducale. Voltemos, porém, primeiramente a Raphael.

Pretendeu o pintor de Urbino com o seu quadro La Scuola di Atene, recorde-se, com as ideias e gestos aí expostos, uma ascensão – na sua caminhada para o mais profundo da Filosofia grega da Antiguidade – uma catarse dói seu espírito, uma ascensão?

 

A teoria do angelos como mensageiro e a ideia de espiral

Foi precisamente nessa caminhada que Hieronymus Bosch (c. 1450-1516), a dado passo da sua vida – e de certo modo também inspirado por autores gregos, como o Pseudo-Dionísio, o Areopagita, autor de Hierarquias celestes – prosseguiu na sua caminhada argumentatitiva.

Aceitando-se a premissa de que toda a Retórica envolve uma componente argumentativa, esta é extensiva, muito para lá da oralidade e da escrita, a diversas escritas simbólicas como a pintura ou o desenho. Neste sentido detenhamo-nos em alguns dos aspectos retórico-argumentativos expostos por Bosch no referido quadro (hoje visivelmente como parte apenas de um todo), A Ascensão para o Empíreo[139], de c. 1490, ou mesmo de uma data um pouco posterior. Foi essa uma forma de Bosch, não como visionário (como muitas vezes tem sido referenciado) partir à descoberta de outros mundos da espiritualidade cristã.

 

Retrato anónimo de Hieronymus Bosch, de c. 1550 compilação de Arras, fl. 275 (Arras, Biblioteca Municipal)

 

Nesse período Bosch sentiu-se chamado para empreender uma pintura – que, como já referimos, se sabe que pertenceu a um projecto pictórico mais amplo, o do Julgamento Final.

Nessa última década do século XV Bosch empreendeu, com efeito, uma caminhada argumentativa, povoando, no caso deste painel (que aqui mais nos interessa) a paisagem celestial por alguns anjos, que ascendem ao supra-terreal, ao Empíereo[140], por uma superfície concebida com um manifesto e subjectivo empolgamento. Esta faz-nos lembrar, de algum modo, a representação de Scala Coeli medieval em meios artísticos bizantinos.

Este quadro – que pudemos revisitar no referido Palazzo ducale veneziano – foi concebido precisamente – embora em outra latitude geográfica, na Flandres – num período em que em terras mediterrânicas tanto Argyropulus com os Lascaris se empenhavam em restituir textos do pensamento helénico que, também eles, nalguns casos, vieram a ser aproveitados – em termos conciliatórios – pelo pensamento cristão dessa época.

Nesta pintura é bem visível e apreciada a estética da espiral, como uma projecção para a infinitude (teorizada entre outros, e já no século XX, por Emmanuel Lévinas). Nessa indagação artística de Bosch – e detendo-nos, apenas, sobre o efeito espiral – dois anjos caminham, na sua ascensão, ao encontro de uma terceira figura que já se encontra mais próxima do Empíreo.

 

 O Julgamento final; em baixo observa-se um aspecto particular da espiral em A Ascensão para o Empíreo

 

Será que o flamengo Bosch, leitor ou não do Pseudo-Dionísio o Areopagita, pretendia – tal como o seu contemporâneo, o pintor transalpino Raphael (c. de 30 anos mais novo do que ele) – com esta sua incursão pelos terrenos do pensamento da Hélade, encontrar também no homem motivações para o seu renascimento, isto é, para a sua renascença espiritual. Nesse caso – e sendo hermeneuta pela pintura, como ele – seguia ainda pelos domínios da catarse.

O hermeneuta transformava-se então, inequivocamente, no angelos (mensageiro), também portador da mensagem do homem novo, renascido. Foi esta mensagem, afinal, que se veio a materializar e cristalizar, no plano de retórica e da argumentação boschiana, em termos de paralelismo, também no quadro La Scuola di Atene, de Raphael.

A representação de Pitágoras, neste quadro rafaelita, mais não personifica, pois, do que o hermeneuta que há em cada um de nós. Aquele pensador grego da Antiguidade apresenta-se, nessa pintura, mostrando a um aluno a essência da sua teoria musical.

 

Na base da imagem ostenta-se o número triangular, a tetractis dos Pitagóricos (1+2+3+4=10), um número considerado divino (ou mágico, se quisermos), que simboliza o todo. As palavras diatesseron – quarto – e diapente – quinto, exprimem proporções de ordem musical. Ao que nos deu testemunho ainda a nossa Colega, a helenista Prof. Maria de Fátima Silva, a palavra transcrita no topo – EPOGLOWN – aplica-se ao tom[141].

 

Estamos todos ainda hoje, afinal, como hermeneutas do conhecimento, nesse percurso, sempre revigorado e motivador, na procura do renascimento do homem (direccionados para um passado distante ou não), tendo sempre no horizonte a velha Hélade, as terras da outrora grande Grécia.

Veja-se que, ao fim e ao cabo, tanto Argyropulus como Constantino Lascaris e Janus Lascaris trilhavam, nesses séculos XV e XVI, um mesmo caminho de redescoberta do homem. Esse homem, essa grande maravilha enunciada por Giovanni Pico no início da sua Oratio Hominis Dignitate, estava efectivamente a ser reencontrado ou, se se preferir (tal estátua simbólica), reconstruído.

Quando o tradutor de Aristóteles, Argyropulus (e, como ele, os Lascaris), procurava(m) encontrar – e, mais do que isso, restituir, filologicamente,  aos seus contemporâneos – outros filões do pensamento da Hélade, mais não pretendia(m), decerto, do que reencontrar essa grande maravilha que é o homem.

 

(Lisboa, Julho de 2007 / Veneza e Florença, Setembro de 2009)

 

Notas

[1]     Após o êxito da edição francesa desta obra de Marcel Bataillon, seguiram­‑se, pouco mais de uma década depois, a primeira edição em espanhol corrigida e aumentada, em 1950; bem como uma segunda edição, na mesma língua (também corrigida e aumentada), em 1966.

[2]     Esta edição ocorreu naquela cidade, com a chancela da Le Monnier.

[3]     Não muito tempo depois este intelectual dava à estampa, na revista Rinascità (vol. II, nº. 8­‑9, de 1939), o estudo (que fazia adivinhar já novos voos nessa mesma vertente) “Aristotelismo e platonismo del Rinascimento”.

[4]     Tal veio a suceder até um pouco antes de Giovanni Papini vir a falecer, em 1956.

[5]     Por Vespasiano ter nascido em 9 d.C. numa localidade nas imediações da antiga Reate (Rietti), Falacrinae, ocorreu recentemente naquela cidade uma grande mostra histórica e arqueológica sobre este imperador de Roma , sob o tema Divus Vespasianus (com um catálogo exemplar a cargo da editora italiana Electa).

[6]     Essa a razão porque este nosso trabalho, cuja redacção teve lugar, na sua grande parte em Lisboa, no primeiro semestre de 2009, se destinou a ser publicamente apresentado em Rietti. A conclusão do mesmo, afinal, veio a ter lugar, já após a nossa nova missão de pesquisa em Veneza, Florença e Roma (a partir de inícios de Setembro do mesmo ano) – sobretudo na segunda daquelas cidades.

[7]     “Una fonte ermetica poco nota”, in revista Rinascità, vol. III, nº. 12, 1940, pp. 202­‑232.        [ Links ]

[8]     Vejam­‑se, em particular, os estudos de Garin deste período “Contributi alla storia del platonismo medievale”, primeiramente editado nesse período in Annali della Scuola Normale Superiora di Pisa, vol. XX, Pisa, 1951;  “Versioni umanistiche di Aristotele”, in revista Rinascimento, vol. I, 1950, pp. 108­‑109;  ou “Plotino nell ’400 fiorentino”, in Rinascimento, vol. I, 1950, pp. 104­‑107.

[9]     “La defensio Epicuri di Cosma Raimondi, in revista Rinascimento, vol. I, 1950, pp. 101­‑102.

[10]    Foi um pouco em jeito de gratidão que, em 2008, pouco depois de esse sábio do Helenismo francês vir a falecer, que planeámos e dirigimos, em sua homenagem, com colaboração de colegas nacionais e estrangeiros, o volume especial (nº. 22) da Revista Portuguesa de História do Livro.

[11]    D. J. Geanakoplos, Greek Schollars in Venice. Studies in the dissemination of Greek learning, from Byzantium to Western Europe, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1962.

[12]    Uma parte das nossas investigações seguiu, de perto, nessa sua primeira fase,algumas das indicações apontadas, nesse âmbito, por Giovanni Orlandi, in Aldo Manuzio Editore. Dediche – Prefazione – Noti ai Testi, 2 vols., Milão, Edições Il Polifilo, 1975 (com introdução de Carlo Dionisotti). Vários anos depois – e à medida que este projecto foi sendo desenvolvido e manifestamente ampliado – beneficiámos ainda de indicações constantes da obra de Paolo Eleuteri e Paul Canart, Scrittura Greca nell’Umanesimo Italiano, Milão, Edições Il Polifilo, 1991.

[13]    Para o nascimento de Argyropulus perfilhamos muito mais esta data do que a proposta por Thomas G.Bergin e Jennifer Speake, in The Encyclopedia of the Renaissance, Nova Iorque – Oxford, Facts on File Publications, 1987, p. 26, que admitem que ele tenha vindo ao mundo apenas c. de duas décadas depois, c. de 1415.

[14]    Gullielmo Cavallo,”Funzione e Strutture della maiúscula greca tra i secoli VIII­‑XI”, in La Paléograpie Grecque et Byzantine, Paris, 1977, pp. 95­‑137. Remetemos, de igual modo, para o estudo de J. Irigoin, “Paléographie et codicologie.­ – La production d’un scriptorium de Constantinople peu après le milieu du XIe. Siècle”, in Miscelanea codicologica F. Masai dicata, sob os cuidados de P. Cockshaw, M. C. Garand, P. Jodogne, 1979, pp. 175­‑183.

[15]    Eugénio Garin, Idade Média e Renascimento, Lisboa, Editorial Estampa, 1994; já algum tempo antes Eugenio Garin havia editado o estudo “La giovinezza di Donato Acciaiuolli (1429­‑1456)”, na revista Rinascimento, vol. I, 1950, pp. 43­‑68.

[16]    Paolo Eleuteri e Paul Canart, Scrittura Greca nell’Umanesimo Italiano, edição ant. cit., p. 82.

[17]    Thomas G. Bergin e Jennifer Speake, in op. cit., sustentam que a viagem de Argyropulus a França decorreu em 1456.

[18]    Paolo Giovio, em 1577, in Elogia Virorum literis illustrium, Basileia, na oficina de P. Perna, estabeleceu, com efeito, entre outros aspectos, acerca destes interesses de Argyropulus por Aristóteles: Grati idcirco animi erga Mediceae gentis proceres vigiliarum praeclara extant monumenta, consecrata in ea domo altrice verae virtutis. Aristotelis enim Naturalia atque Moralia generosè transtulit: ita applaudente Gaza vetere sodali: qui diuersas Aristotelis partes vertendo desumpserat, ut quaedam abse pariter translata combureret.

[19]    Não se tornou possível apurar se esta partida de Argyropulus de Florença para Roma, em 1471, foi ditada pelas circunstâncias da peste que grassava naquela região. Paolo Giovio estabeleceu, com efeito – embora sem precisar a data em que tal flagelo assolara Florença – o seguinte: Pestilentia denum Etruriam enastante, Roma venit, profitendoque Graecè Aristotelem, ita optimis stipendijs vitam traduxit, vt tota substantia quotidianis sumptibus aequaretur, sin extremo vitae actu iocatus, ditiores amicos, aeris alieni, condito testamento haeredes relinqueret.  

[20]    D. J. Geanakoplos, “The Italian Renaissance and Byzantium: The career of the Greek Humanist­‑Professor John Argyropulus in Florence and Rome (1415­‑1487)”, in Conspectus of History, nº. 1, 1974, pp. 13­‑28; e Eugenio Garin, “Note su scritti politici del Platina e dell’Argiropulo”, in Culture et societé en Italie du Moyen Âge à la Renaissance. Hommage à André Rochon, Paris, 1985, pp. 75­‑82.

[21]     Guido Batelli, “La corrispondenza del Poliziano col re Don Giovanni II di Portogallo”, in revista Rinascita, Ano II, nº. 6, Abril de 1939, pp. 280­‑298. Veja-se, ainda, Poliziano, Rime, prefácio de Pietro Mastri, Florença, 1929.

[22]    Sabe­‑se que Paolo Giovio possuiu, na sua galeria de retratos de homens de Letras ilustres (de que a maior parte se conserva hoje, em cópia,  nas galerias dos Uffizzi, em Florença), uma representação de Giovanni Argiropulus adiante publicada. Remete­‑se, para Paolo Giovio, edição ant. cit., 1577, p. 50. Vide, ainda, Paolo Giovio, Lettere, a cura di Giuseppe Guido Ferrero, volume Primo (1514­‑1544), Roma, 1956, p. 92; e José V. de Pina Martins, Humanisme et Renaissance de l’Italie au Portugal. Les Deux Regards de Janus, edição ant. cit., (1989), vol. I, pp. 315­‑316. 

[23]    Eugenio Garin, “Donato Acciaiuoli, cidadão florentino”, texto  de introdução a uma edição das cartas desse humanista, mais tarde retomado pelo autor aqui evocado na sua obra Idade Média e Renascimento, edição ant. cit., 1994, p. 102.

[24]    Idem, ibidem.

[25]    Entre as fontes manuscritas de Argyropulus (como as suas conhecidas introduções, também conhecidas numa edição de Mullner),  merece um lugar especial o manuscrito Riccardiano, 120, estudado e divulgado, em mais de uma ocasião, por Eugenio Garin. É o caso do seu já referido estudo sobre “Donato Acciaiuoli, cidadão florentino”.

[26]    “A proposito della biografia di Giovanni Argiropulo”, in revista Rinascimento, vol. I, 1950, pp. 104­‑107.

[27]    Eugénio Garin, “Donato Acciaiuoli, cidadão florentino”, edição port. ant. cit., p. 206. – Remete-se ainda, acerca deste filólogo bizantino, para Ch. Lohr, in Traditio, 26, 1970, p. 153; e Dizionario Bibliografico degli Italiani (Roma, desde 1960), t. IV, pp. 129-131.

[28]    Eugénio Garin, op. cit. (loc. cit.).

[29]    Ant. Aug. Renouard, Annales de l’Imprimerie des Alde ou Histoire des Trois Manuce et de leurs éditions, 1834, pp. 7­‑16.

[30]    Na nova saída da  edição dos Opera de Aristóteles, sob os cuidados de Erasmo (em Basileia, em 1550, portanto 14 anos após a morte do humanista de Roterdão, que se tinha servido para o efeito da edição veneziana de Aldo de 1495­‑1498) foi ainda deixada bem claro – na dedicatória a John More, filho de Thomas More – o contributo de Argiropulus naquele monumental trabalho filológico de fins dos período quatrocentista: Nam Argyropilum arbitror post aeditionem Aldinam eam prouinciam agressum. Sed Aldina uolumina quoniam magno emebantur, submoubant tenues philosophiae candidatos, Nec fere inueniebant ur nisi in Italia: post vix vnquam reperit coeperunt, diuenditis omnibus aut certe plerisque.

[31]    P. Canivet e N. Oikonomides, “[Jean Argyropulus] La comédie de Katablattas. Invective byzantine du XVe. s.”, i] «Δíπτυχα», vol. 3, 1982-1983, pp. 5­97.

[32]    Veneza, Bibl. Naz. Marciana, Cod. Lat. VI, 146 (=2658). Veja­‑se, a propósito, a referência ao mesmo códice no catálogo Manoscritti e Stampe Venete dell’Aristotelismo e Averroismo (Secolo X­‑XVI), descrições bibliográficas por Elpidio Mioni, Veneza, Biblioteca Nazionale Marciana, 1958, pp. 36­‑37 (nº. 59).

[33]    Veneza, Bib. Naz. Marciana, Cod. Lat. VI, 78 (=2491).

[34]    Manoscritti e Stampe…, edição ant. cit., pp. 66­‑67.

[35]    Manoscritti e Stampe…, edição ant. cit., pp. 121­‑12. Regista­‑se, ainda, que este exemplar das colecções da Marciana provém da Biblioteca patrícia de Girolamo Contarini (1843).

[36]    Manoscritti e Stampe…, edição ant. cit., pp. 123­‑125.

[37]    J. Monfasani, George of Trebizond, A Biography and a Study of the Rhetoric and Logic, Leiden, 1976.

[38]    P. Eleuteri e P.  Canart, Scrittura Greca…, edição ant. cit. (1991), p. 136.

[39]    J. Hankins, Plato in the Italy of the Renaissance, p. 215.

[40]    Tal a dimensão desta obra que, ao longo do século XVI, ela foi reeditada sucessivas vezes. Na biblioteca do CEHLE existem as edições quinhentista de Basileia e de Lyon (ambas in folio).

[41]    Recorde­‑se que os imperadores bizantinos tinham sido desapossados de Constantinopla pelos cruzados, transferindo­‑se para Niceia. Nesta cidade, aliás, já se haviam realizado dois concílios, um promovido pelo imperador Constantino, no ano de 325; e um outro, em 787, por instigação da imperatriz Irene.

[42]    De assinalar que Teodoro I Lascaris, primeiro imperador bizantino de Niceia, exerceu, de facto, essas funções entre 1208 e a sua morte, em 1222.  Veio a suceder­‑lhe, algum tempo depois, nessas funções, o seu neto Teodoro II Doukas Lascaris (avô materno, precisamente, da aportuguesa D. Vataça Lascaris) – o qual nasceu precisamente no ano da morte de Teodoro I Lascaris – que foi empossado em 1254 e  reinou até 1258.

[43]    Deste suserano – que reinou no império bizantino de Niceia entre 1254 e 1258 – têm sido editados,  mais recentemente, alguns pertinentes estudos tanto no plano histórico como no científico. Nesta segunda vertente de destacar, por exemplo, o trabalho de John Lascaratos e Panaghiotis Vassilios Zis, “The Epilepsy of Emperor Theodore II Lascaris, 1254­‑1258”, in Journal of Epilepsy, Atenas, Departamento de História da Medicina (Escola Médica, Universidade Nacional de Atenas), vol. 11, tomo 6, Nov.­‑Dez. 1998, pp. 296­‑300.    

[44]    Sobre esta aristocrata, que virá a falecer em Portugal e a ser sepultada na Sé Velha de Coimbra, remete­‑se para o nosso estudo “Seis momentos…”,  Secção I (também editado do presente volume desta Revista).

[45]    Segundo Manuel Fernández Galiano, in Gran EnciclopediaRialp (Humanidades y Ciencia, II, Linguas Classicas) Constantino Lascaris e Janus Lascaris “não eram aparentados”.

[46]    Paolo Eleuteri e Paul Canart, Scrittura Greca nell’Umanesimo Italiano, edição ant. cit. (1996), p. 89.

[47]    Idem, ibidem, p. 82.

[48]    Remete­‑se para H. Rabe, “Konstantin Lascaris”, in Zentralblatt fur Bibliothekswesen”, vol. XLV, 1928, pp. 1­‑7; ou Antonio Bravo García, “En torno a Constantino Lascaris. Una pequeña aclaración”, in Durius, 6, 1978, pp. 225­‑227.

[49]    Giovanni Orlandi, Aldo Manuzio Editore, vol. II, edº. ant. cit., (1975), p. 315.

[50]    Allan W. Atlas, Music of the Aragonese Court of Naples, Cambridge University Press, 1985; Isabel Pope e Masakata Kanazawa (eds.), TheMusic Manuscript Montecassino, 871, Oxford, Clarendon Press, 1978; e Luca Chantiore, “Alfons V El Magnanim (1396­‑1458), El Cancionero de Montecassino”, 2001 (estudo que acompanha a produção, em CD, de Jordi Savall sobre a referida obra poético­‑musical”, versão espanhola, pp. 26­‑32.

[51]    Manuel Fernández Galiano, Gran Enciclopedia Rialp (Humanidades y Ciencia. Filologia II, Lenguas Classicas).

[52]    L. Perroni Grande,  La scuola di greco a Messina prima di Constantino Lascari, Palermo, 1911; e A. de Rosalia, “La vita di Constantino Lascari”, in Archivio storico siciliano, s. III, vol. IX, 1957­‑1958, pp. 2­‑70.

[53]    A partir de 1481, regista Martin Lowry – in Le Monde d’Alde Manuce, edº. ant. cit., p. 89 – Bonus Accursius, em Milão, “retomou os caracteres de Demetrius e produziu sete edições [gregas], entre as quais duas emissões do léxico grego de Crastone e uma nova emissão da gramática de Lascaris”.

[54]    C. Laskaris, Greek Grammar (Milão, 1476), edição em fac­‑símile e introdução de J. J. Fraenkel, A. M. Hakkel, Amesterdão, 1966.

[55]    Martin Lowry, op. cit., p. 227.

[56]    Apenas em 1486 o humanista Marcantonio Sabellico (c. 1436­‑1506) – o autor de Historiae Rerum Venetarum, editada no ano seguinte – depositou o primeiro privilégio conhecido em matéria de direito de autor. A este respeito remete­‑se para Martin Lowry, op. cit., p. 227.

[57]    Giovanni Orlandi, Aldo Manuzio Editore, vol. I (edição ant. cit.), pp. 3­‑5 (“Dediche –Prefazioni”).

[58]    Martin Lowry, op. cit., p. 232.

[59]    Giovanni Orlandi, op. cit., I, pp. 37­‑38.

[60]    Martin Lowry regista ainda, in op. cit., p. 272, que “um certo Johannes Drach, de Spira, en 1498 copiou, “nas sete  primeiras folhas (de um códice contendo Varia de Re Grammatica) “o capítulo da gramática de Lascaris sobre os nomes gregos no texto grego e latino da edição aldina”. Essa fonte encontra­‑se hoje depositada na biblioteca da Universidade de Basileia.

[61]    A este investigador também se deve, recentemente, a edição das Collationes, de Pedro Abelardo (Oxford, Oxford Medieval Texts, 2003).

[62]    G. Orlandi, op. cit., I, p. 37.

[63]    Paolo Eleuteri e Paul Canart, op. cit., pp. 188­‑189.

[64]    A expressão é de Giovanni Orlandi, op. cit., vol. II, p. 315.

[65]    Este 1º. catálogo aldino de 1498 (referente às suas edições em caracteres gregos feitas até então), é editado por Giovanni Orlandi, edição ant. cit., I, pp. 22­‑23.

[66]    G. Mardersteig, “Aldo Manuzio e I caratteri di Francesco Griffo…”, in Studi… in onore di T. de Marinis, 1964. Estas diferentes tipologias são também reproduzidas (por imagem) na obra de Giovanni Orlandi, Aldo Manuzio Editore, edição ant. cit., I, p. XXIV.

[67]    Idem, ibidem.

[68]     G. Orlandi, op. cit., I, pp. 105­‑106.

[69]     Paolo Eleuteri e Paul Canart, edição ant. cit., p. 92.

[70]    J. M.Fernández Pomar, “La colección de Uceda y los manuscritos griegos de Constantino Lascaris”, in revista Emerita, vol. 34, de 1966, pp. 211­‑288; e Ch. Graux, A. Martin, Fac­‑similés des manuscrits grecs d’Espagne, Paris, 1891, nn. 60­‑62.

[71]    Ao que registam Thomas G. Bergin e Jennifer Speake, in Encyclopedia of the Renaissance, Nova Iorque – Oxford, Facts on File Publications, 1987, pp. 376­‑377, Sperone Speroni, tendo sido graduado em Filosofia e Medicina em 1518, “usou o diálogo como meio de exposição das suas ideas”, sendo a sua obra mais importante Delle lingue (1542), em que sustentou que “a língua italiana era capaz de alcançar os efeitos do latim”.  Saliente-se ainda que a obra Dalla Apologia dei Dialogui, de Sperone Speroni (1500-1588) data de 1574 e integra – como um dos seus mais célebres diálogos – o Dialogo d'Amore. Aí é apresentada Tullia d'Aragona (que entretanto falecera em 1556) como protagonista. Esta intrépida escritora tinha editado, em 1547 em Veneza – e dedicada a Cosmo I de Médicis, Duque de Florença, empossado nessas funções em 1537 – a sua obra Della Infinità di Amore, objecto de edição francesa, com um estudo introdutório de Yves Hersant, Paris, Éditions Rivages, 1997.

[72]    Eugenio Garin, “Discussões sobre a Retórica”, in Idade Média e Renascimento, edição port. ant. cit. (1994), p. 118.

[73]    E. Garin, op. cit., p. 120.

[74]    Nesta obra o seu autor, Sperone Speroni, apresenta Peretto como mestre de Buonamici.

[75]    E. Garin, op. cit., p. 121.

[76]    Fora precisamente em Mântua que em 1462 (como aliás já referimos) nascera Pomponazzi. – Remete­‑se ainda para Manuel Cadafaz de Matos, “De Raphael de Volterra a Pietrro Pomponazzi”, no seu estudo “As edições italianas de Aristóteles nas três últimas décadas do século XV…”, in A Apologia do Latim, Lisboa, CEHLE, 2005, pp. 251­‑282, em particular,  274­‑275.  

[77]    E. Garin, op. cit., 121.

[78]    Pavli Iovii Novocomensis… edição ant. cit., Basileia, 1577, pp. 39­‑40.

[79]    Stirpem enim sanguinis incorrupti ad Imperatores Constantinopolitani decus generosis moribus referebat, vtpote quiab ingénua educatione optmas literas imbebisset… (Pauli Iovii Novocomensis…, Elogia Virorum illustrium…, edição ant. cit., 1577, p. 39).

[80]    Entre os mais abalizados estudos sobre Janus Lascaris, contam­‑se, K. Muller, “Neue Mittheilungen uber Janos Lascaris und die Mediceishe Bibliothek”, in Zentralblatt fur Bibliothekswesen, I, 1884, pp. 333­‑412; M. E. Cosenza, “J. Lascais”, in Biograpical and Bibliographical Dictionnary of the Italian Humanists and of the World of Classical Scholarship in Italy, 1300­‑1800 (6 vols.), Boston, 1962­‑1967, vol. III, pp. 1935­‑1940; e vol. V, pp. 984­‑985; A. Meschini, “La produzione forentina di Giano Laskaris”, in Miscelanea Branca, pp. 69­‑113; V. E. Alfieri, “La Lettera di Giano Lascaris, sui caratteri alfabetici greci”, in Instituto Lombardo, Classe di Lettere e Scienze Morali e Storiche. Rendiconti, nº. 118, de 1984, pp. 77­‑83; A. Pontani, “Paralipomeni dei Turcica: gli Scritti di Gianno Lascaris per la Crociata contro i Turchi”, in Romische Historische Mitteilungen, nº. 27, de 1985, pp. 213­‑338;  S. Gentile, “Giano Lascaris, Germain de Ganay e la ‘prisca theologia’ in Francia”, in revista Rinascimento, Florença, nº. 27, de 1986, pp. 51­‑75.   

[81]    quando quidem praeclara Graecae Latiaeque linguae lumina, peregrinorum requisita oculis, circa eum triuijs ciuium digito monstrarentur. In His enim saepe conspecti sunt Trapezuntius, Gaza, Argyropylus, Plethon, Philelphus, Blondus, Leonardus, Pogius, Valla, Sipontinus, Campanus, Platina, Domitius, nullo aeuo perituri. Quibus viris domi stipatus, vsque adeò extra inuidiam gloriosa sui fama fruebatur vt Eugenius, Nicolausn & Pius eum sibi successorem, si fas esset adoptare percuperent: neque optimè de Republica mérito, senatorum studia deerant.­ – Paolo Giovio, edição ant. cit. (Basileia, 1577), p. 29.

[82]    P. Eleuteri e P. Canart, edição ant. ci. (1991), p. 76.

[83]    Lascaris tutò abdita Graeciae perscrutans, cùm patriae opus victoribus cessissent, nobiliora diuitijs antiquae dignitatis volumina collegit, vt in Italia seruarentur.­ – Paolo Giovio, edição ant. cit. (Basileia, 1577), p.  40.

[84]    Em 1491, num intenso período de pesquisa, por parte de Janus Lascaris, em códices helénicos,  trabalhou nos fundos gregos da biblioteca do erudito Giorgio Valla, situada em Modena. É também M. Lowry quem regista este facto in op. cit., p. 192; Paolo Eleuteri e Paul Canart, “Giano Lascaris”, in Scrittura Greca nell’Umanesimo Italiano, Milão, edições Polifilo, 1991, pp. 76­‑79; Giovani Orlandi e Carlo Dionisotti (introdução), Aldo Manuzio Editore. Dediche. Prefazioni. Note ai Testi, 2 vols., Milão, edições Polifilo, 1991, em particular as notas biográficas, II, pp. 342­‑343;

[85]    Martin Lowry alude ao facto de que, em 1508 e em 1513, Aldo Manuzio prestou homenagem, agradecendo a Janus Lascaris e ao seu protector Lourenço de Médicis,  os esforços que tinham tido de forma a serem trazidos da Grécia, por aquele, os manuscritos dos oradores antigos. Remete­‑se para Martin Lowry (com base em Muller), Le Monde d’Alde Manuce (1979), nova edição, Paris, Promodis – Éditions du Cercle de la Librairie, 1989, pp. 251­‑252.

[86]    E. Piccolomini, “Delle condizioni e delle vicende della libreria Medicea privata dal 1494 al 1508”, in Archivio Storico Italiano, Série III, XIX, de 1875, pp. 101­‑129.

[87]    Idem, ibidem, loc. cit.

[88]    Martin Lowry, op. cit., p. 82 e 90.

[89]    Passariam várias décadas até que, em 1542, em Roma, um bela tipologia de caracteres gregos tenha sido gravada, por ordem do Cardeal Cervini, com vista a imprimir algumas das mais raras obras existentes na Biblioteca do Vaticano. O pôr essa medida em prática era de tal modo onerosa que a Igreja acabaria por deixar de parte este pretendido empreendimento (Martin Lowry, op. cit., p. 96).

[90]    O catálogo de incunábulos em bibliotecas espanholas (2 vols.), no vol. II, Índices, secção “Florença”, dá testemunho da produção então ocorrida naquela cidade em caracteres gregos, devendo­‑se uma parte significativa dessa actividade precisamente a Janus Lascaris.

[91]    Giovanni Orlandi, edição ant. cit. (1996), pp. 342­‑343.

[92]    Idem, ibidem, p. 287.

[93]    Devem­‑se a Aldo Manuzio (que também sabia grego, para além do latim), uma apreciada obra, a gramática Institutiones.

[94]    Entre os investigadores da imprensa aldina, como Martin Lowry, continua como cenário a possibilidade de o genro de Torresanus poder ter principiado a sua obra tipográfica, em caracteres gregos, com Musée / Galaemyomachie, 10 fls. (M. Lowry, op.cit., p. 121). 

[95]    Um dos primeiros testemunhos (Renouard considera o primeiro) da obra tipográfica ocorre, precisamente, quando Aldo imprime a primeira obra do seu atelier veneziano, a gramática (em reedição) de Janus Lascaris, Erotemata.

[96]    Aldo Manuzio Edditore, I, pp. 61­‑62.

[97]    Martin Lowry sustenta, a dado passo, que não é mais evidente, a seus olhos, contrariamente ao que escreveu Proctor, que a oncial de Lascaris  “era muito mais legível que a cursiva, sua concorrente, nem que a imprensa florentina tenha sido  forçada por Aldo a sacrificar a sua legibilidade à moda” (op. cit., pp. 143­‑144).

[98]    Nos fins daquele ano – cerca de três anos depois de Aldo ter iniciado o ambicioso projecto de edição tipográfica dos Opera de Aristóteles – Janus Lascaris apresentava-lhe, com efeito, estas suas censuras (atendendo a documentação revelada por P. de Nolhac).

[99]    Pierre de Nolhac, “Les correspondants d’Alde Manuce: matériaux nouveaux d’histoire littéraire, 1483­‑1515”, in Studi e documenti di Storia e di Diretto, VII, de 1887; e IX, de 1888, 24; e Martin Lowry, op. cit., pp. 94­‑95.

[100]  Transiuit demum in Galliam, legatum Ludouici regis apud Venetos egit. – Paolo Giovio, edição ant. cit. (Basileia, 1577). Vide, ainda, Giovanni Orlandi, edição ant. cit. (1996), p. 343.

[101]  Lascaris tutò abdita Graeciae perscrutus, cùm patriae opus victoribus cessissent, nobiliora diuitijs antiquae dignitatis volumina collegit, vt in Italia seruarentur Pauli Iovii Novocomensis…, Elogia Virorum illustrium…, edição ant. cit., 1577, p. 40).

[102]  P. Eleuteri e P. Canart, op. cit., pp. 80­‑82.

[103]  M. Lowry explicita que Janus Lascaris – enquanto embaixador de do Rei Luís XII em Veneza – “abandonou o seu posto… quando as relações com a França cessaram quase completamente” (op. cit., p. 171). Não distará muito desse período aquele em que o erudito bizantino cedeu a Aldo o manuscrito dos Oradores Gregos, então também ali impresso (loc. cit.).

[104]  Annaclara Cataldi Palau, Gian Franceso d’Asola e le Tipografia Aldina. La vita, le edizioni, la biblioteca dell’Asolano, Génova, SAGEP, 1998, p. 804.

[105]  Idem, ibidem, p. 288­‑289.

[106]  Idem, ibidem, pp. 289­‑290. Ant. Aug.  Renouard, Annales…, edição ant. cit., p. 1.

[107]  Ant. Aug. Renouard, Annales…, edição ant. cit., p. 4.

[108]  Tal apreende­‑se de uma carta constante de Sanudo, precisamente desta data (divulgada por M. Lowry, op. cit., pp. 207 e 222).

[109]  Idem, ibidem, p. 168.

[110]  Idem, ibidem, p. 287.

[111]  Esta relação de Janus Lascaris com Guillaume Budé veio a reflectir­‑se na edição, por este último, entre outras obras, da intitulada De transitu Hellenismi ad Christianismum e Commentarii Linguae Grecae. Foi precisamente na segunda destas obras, editada em Paris em 1529, que este humanista francês (como registou Pina Martins, 1989, II: p. 334) lembrou ao rei de França, Francisco I, a promessa que ele havia feito de fundar em Paris um colégio – na sequência da instituição dos “Leitores Reais” – para o ensino das três línguas clássicas sagradas, do género daquele que Leão X tinha tentado fundar em Roma e do que já existia em Lovaina, por onde também andou André de Resende. – Remete­‑se ainda (para além da referenciada obra de Pina Martins) para o estudo de Jean Plattard, Guillaume Budé (1468­‑1540) et  les origines de l’Humanisme Français, Paris, 1924.

[112]  Nos primeiros dias de 1508, quando Erasmo, nas suas deslocações por Itália, visita em Veneza Aldo Manuzio e a sua oficina tipográfica, encontra­‑se aí, com efeito, quer com Janus Lascaris quer com Germain de Brie (que tinha sido aluno deste em Paris).­ – Remete­‑se para Léon E. Halkin, Érasme parmi nous, Paris, edições Fayard, 1987, p. 106.

[113]  Léon E. Halkin, Érasme parmi nous, edição ant. cit., p. 143.

[114]  Com o andar dos anos – e até cerca de 1514 (um ano antes de Aldo vir a falecer em Veneza) –  foi­‑se verificando, no entanto, uma atonia (a expressão é de Lowry) cada vez maior quanto às impressões aldinas em caracteres gregos.­ – Martin Lowry, op. e loc. cit.

[115]  Giovanni Orlandi, Aldo Manuzio Editore, edº. ant. cit., vol. II, p. 343, n. 1.

[116]  Nec multo post Leone veteris amicitiae nomine liberaliter eum attolente, nobiles è Graecia pueros aduxit instituto ludo in Quirinali, ne Graeca língua seitè loquentium soboles interiret.­ – Paolo Giovio, edição ant. cit. (Basileia, 1577).

[117]  Idem, ibidem, pp. 155 e 214.

[118]  Esta data – e a permanência de J. Lascaris então em Roma – parece impossibilitar a expressão de F. Galliano (na Enciclopédia Rialp), de que ele “ajudou Francisco I, de França, na fundação da Biblioteca Real, em Fontainebleau”. Tal só poderá ter acontecido se, à distância, este erudito de Constantinopla tiver remetido códices gregos de Itália para aquela instituição, depois de criada.

[119]  Este códice – que contava ainda com os comentários de Gianfrancesco Torresani, veio a conhecer uma aventurosa itinerância. Acabou por – pelas mãos do embaixador francês em Veneza, Guillaume Pellicier, já num período bastante posterior (por volta de 1540) – ser comprado naquela cidade dos doges e ter a  França como destino. Depois dessa compra Pellicier enviou, com efeito, esse valioso códice (integrando um conjunto de cerca de duas centenas de manuscritos gregos) com a Anthologia Graeca para França, com destino à Biblioteca do Rei. Admite­‑se que se trata, hoje, do códice Yb 484, da Biblioteca Nacional de França (idem, ibidem, p. 144).

[120]  Paolo Eleuteri e Paolo Canart, “Janus Lascaris”, in edº. ant. cit. (1996), p. 76.

[121]  Corpus Documental de Carlos V, vol. I, 1516­‑1539, Edições da Universidade de Salamanca, 1973 (onde se patenteia um documento acerca desta matéria, uma epístola redigida por Carlos V, na sua permanência então em Toledo, de 24 de Outubro de 1525, data do período em que Janus Lascaris esteve supostamente em Castela).

[122]  Roland Mousnier, Les XVIe. et XVIIe. Siècles, Paris, Presses Universitaires de France, colº. “Histoire Général des Civilizations”, 1954, p. 126.

[123]  Este historiador regista que esse barco só viria a ser “experimentado em 1543, no porto de Barcelona”. E adianta que se ignora “como é que esse barco se movia”, podendo talvez ser “através do eólypilo em reação de Héron de Alexandria”.

[124]  Afigura­‑se interessante relevar que, mais de cinco séculos depois de Janus Lascaris ter estado diplomaticamente activo na Península Ibérica, um ramo da família com esse nome se podia ainda encontrar em Madrid. Assinale­‑se, a propósito, que em 9 de Janeiro de 1954, reuniu em Madrid (calle Medinacelli, 4), a assembleia constitutiva da “Sociedade Espanhola de Estudos Clássicos” (a que passou a presidir Fernández­‑Galiano e que tinha, entre outras finalidades, a “tradução de textos gregos e latinos interessantes”). Curiosamente um dos vogais dessa nova associação era Constantino Láscaris Comneno, presumivelmente de origem grega. Este, no primeiro órgão dessa agremiação – a revista Estudios Classicos, do Instituto San José de Calasanz de Pedagogia – no volume de Fevereiro desse mesmo ano de 1954, assinava uma recensão à edição da Política, de Aristóteles (Madrid, 1951), in p. 214.   

[125]  Artur Moreira de Sá, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, colº. “Textos Portugueses”, 1983, pp. 148­‑149.

[126]  Adrián Lopéz, “Hipatia de Alejandria, La Muerte de la Virtud”, in Memoria. Historia de cerca, nº. 22, Cuenca, 2009, pp. 76-84. Trata -se de uma filósofa de renome dos séculos IV e V. De salientar que esta mulher, cujo fim foi trágico, nasceu entre os anos 350 e 370, «filha de um astrónomo e matemático, Theón, possivelmente um sábio estreitamente ligado à Biblioteca do Serapeum, e uma personalidade claramente influente na cidade, respeitada nos círculos da alta sociedade», op. cit., pp. 78-79. Sabe-se, ainda, que esta mulher viajou por terras da Grécia e de Roma na sua juventude, tendo vivido uma parte da vida fora do Egipto, sendo «uma autêntica instituição moral e cultural nos começos do século V». Tendo-se dedicado ao magistério, entre os seus alunos mais destacados conta-se Sinésio de Cirene, Bispo de Ptolomaida (falecido em 413, com 43 anos de idade) e com quem ela manteve sempre uma profunda amizade. O seu fim viria a ser dramático pois, na Primavera de 406, acabaria por ser assassinada por uma multidão de cristãos fanáticos que a apunhalaram e esquartejaram.

[127]  De destacar que também no Ashmolean Museum, de Oxford, existem desenhos ao pormenor do trabalho preparatório de Rafael para o seu quadro LaScuola di Atene.

[128]  Foi precisamente em 1609 que as colecções bibliográficas e outras (algumas das quais tinham sido pretença do humanista e religioso, mais tarde santo, Carlos Borromeu), da Ambrosiana, passaram a ser desfrutadas por todos aqueles que as quisessem visitar ou mesmo estudar. Nós próprios, em Setembro de 2009, tivemos ensejo de estar presentes nessa instituição, no período correspondente às celebrações do seu quarto centenário.

[129]  Andrea Emiliani, Raphael, La Chambre de la Signature, edº. francª., Paris, Gallimard, 2002, p. 12.

[130]  André Chastel, Art et Humanismo à Florence  au temps de Laurent le Magnifique, Paris, 1959 (passagem identificada, também, por Andrea Emiliani, op. cit., p. 120.

[131]  O Bispo de Nocera, Paolo Giovio foi amigo íntimo do Papa Leão X e o mais antigo biógrafo de Raphael. A história da vida deste pintor, com efeito – como também, sublinha A. Emiliani, op. cit., p. 60, nº. 8 – consta da obra daquele, Elogia Virorum Doctorum (já composta antes do saque de Roma em 1527), editada em Florença, em 1546 (quatro anos antes do testemunho de G. Vasari; vide n. sgt.).

[132]  Giorgio Vasari, Le Vite dei più eccelenti pittori, scultori e architettori, Florença, 1550, nova edeição 1568, secção “Rafael”. Desta obra são de referenciar as edições de Florença de 1976; e, sobretudo, a de André Chastel, La Vie des meilleurs peintres, sculpteurs et architectes, Paris, 1984-1989; e, mais recentemente, a edição castelhana integral da mesma obra vasariana.

[133]  Andrea Emiliani, op. cit., pp. 123-124.

[134]  Idem, ibidem, p. 123.

[135]  H. B. Gutmann, “The Medieval Content of Raphael’s School of Athens”, in Journal of History of Ideas, t. II, 1941, n.º 4; e Andrea Emiliani, op. cit., p. 121.

[136]  Podem ser aqui referenciadas algumas das muitas edições com textos impressos de Aristóteles até então ocorridas. É o caso, quanto a vilas ou cidades italianas (ou, com mais mais rigor, que constituem a Itália actual) de edições como a veneziana, de 1501, por Simone de Luere (Adams, 1894); uma outra do mesmo ano e do mesmo burgo (Adams, 1927); uma outra dessa cidade, de 1503 (Adams, 1850); outra da mesma cidade, de 1503-04, por Teodoro de Gaza (Adams, 1761); uma outra veneziana, de 1504, por Egídio Romano (Adams, 1790); uma outra veneziana, de 1505 (Adams, 1928); uma outra, da mesma cidade, de 1506 (Adams, 1763); uma edição de Fano, de 1504, por Nicolau Perotto, de 1504 (Adams, 1820).

Quanto a edições de Aristóteles germânicas registem-se os casos de uma edição de Colónia, de 1508 (Adams, 1964(; ou uma uma de Leipzig, por Argyropulus, de 1501 (Adams, 1819); uma outra da mesma cidade germânica, de 1503 (Adams, 1851).

Quanto a edições aristotélicas francesas, registem-se os casos de uma parisiense, de 1502 (Adams, 1839); uma parisiense, de 1504 (Adams, 1777); uma outra dessa cidade francesa, também esta por Argyropulus, do mesmo ano (Adams, 1821); uma outra, da mesma cidade, de 1506, por Faber Stapulense (Adams, 1762); ainda uma outra parisiense, de 1511, por Aretino (Adams, 1764); uma lionesa, de c. 1510 (Adams, 1924).

É o caso ainda, finalmente, de uma castelhana, de Saragoça, por Carlos, Príncipe de Viana, de 1509 (Adams, 1838), edições essas referenciadas aqui sempre no terreno das hipóteses, precisando-se ainda que nenhuma delas contém exclusivamente a Ética (e algumas nem sequer inserindo esse tratado).

[137]  Elsa Ruiz, Hacia una Semiología de la escritura, Madrid,1992, p. 222

[138]  O conceito de Empíreo (do grego empurios, em fogo), no âmbito da Mitologia helénica, remete para a parte mais elevada do céu, só habitada pelos deuses, ou seja, o paraíso.

[139]  Optamos, aqui, por essa designação desse quadro de Bosch, em detrimento de outros investigadores que preferem designar tal obra como Ascent of the Blessed to the Heavenly Paradise. Esta última designação é a perfilhada por JosKoldeweij, Paul Vandenbroeck e Bernanrd Vermet, in Hieronymus Bosch, The Complete Paintings and Drawings, Ludion Ghent – NA Publishers, Amsterdão, 2001, p. 174.

[140]  Luís de Camões, em Os Lusíadas, segue também, a dado passo da sua argumentação, o conceito de Empíreo.

[141]  Agradecemos à Prof. Maria de Fátima Silva, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, o apoio que nos deu, na sua qualidade de helenista, para a interpretação desta passagem. Para mais informações, consultar http://www.dartmouth.edu/~matc/math5.geometry/unit3/unit3.html