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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.18 no.5 Lisboa set. 2011

 

Avaliação do Nível de Consciência Acerca dos Factores de Risco para Cancro Gástrico na População do Concelho de Vila Nova de Gaia

 

Amélia Tavares1, António Gandra2, Fernando Viveiros3, Cassilda Cidade4, Jorge Maciel5

1Interna Complementar de Cirurgia Geral do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, 2Interno Complementar de Cirurgia Geral do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, 3Assistente Hospitalar de Cirurgia Geral do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Assistente Voluntário de Cirurgia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, 4Assitente Graduada de Cirurgia Geral do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, 5Director do Serviço de Cirurgia Geral do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho; Professor Titular de Cirurgia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa

Correspondência

 

RESUMO

INTRODUÇÃO: Apesar da incidência mundial de cancro gástrico estar a diminuir, este permanece a segunda causa de morte por cancro (700,000/ano). Deste modo, a prevenção do cancro gástrico é uma estratégia essencial para o controlo desta patologia. Para a prevenção primária do cancro gástrico, a sensibilização pública dos factores de risco e a necessidade da alteração dos hábitos de vida são passos fundamentais. Em Portugal, ainda não se realizaram estudos para perceber o nível de conhecimento da etiopatogenia e necessidade de rastreio desta patologia, por parte da nossa população. OBJECTIVOS: Este estudo baseia-se num inquérito populacional com o objectivo de fornecer informação sobre o nível de consciência da população do concelho de Vila Nova de Gaia, acerca dos factores de risco para o desen­volvimento do cancro gástrico. MATERIAL E MÉTODOS: O inquérito foi entregue para preenchimento livre aos utentes referenciados para Pequena Cirurgia no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho E.P.E., entre Março e Setem­bro de 2010. A análise estatística foi realizada recorrendo ao programa PASW 18. RESULTADOS E CONCLUSÕES: Após a análise estatística dos dados, constatamos que a maioria dos inquiridos não tem percepção da elevada incidência de cancro gástrico na nossa população. Cerca de 65% pensa que a taxa de mortalidade por esta patologia é moderada, sendo que 42% acredita ter um baixo ou muito baixo risco de desenvolver cancro gástrico. Todos estes factores reunidos podem conduzir a uma baixa preocupação da nossa população relativamente a esta patologia. Por outro lado, verificou-se que os principais factores de risco apontados pelos participantes foram o álcool, a úlcera gástrica e o tabaco. Apenas 13% referiram a infecção por Helicobacter pylori. Deste modo, para possibilitar uma prevenção primária do cancro gástrico eficaz, é essencial que a população tenha conhecimento acerca dos factores de risco potencialmente reversíveis. Este conhecimento e a realização de um rastreio nos indivíduos de alto risco poderiam reduzir a taxa de mortalidade por cancro gástrico.

PALAVRAS-CHAVE: Cancro gástrico; prevenção primária; consciencialização; factores de risco.

 

Public Awareness of Risk Factors for Gastric Cancer Among the Population of Vila Nova de Gaia

ABSTRACT 

INTRODUCTION: Despite a decline in the worldwide incidence of gastric cancer, it remains the second leading cause of cancer death (700.000/year). Thus, the prevention of gastric cancer is an essential strategy for controlling this disease. For primary prevention of gastric cancer, public awareness of risk factors and the need to change the habits of life are essential steps. In Portugal, no studies have been conducted so far to assess the level of knowledge of the etiopathogenesis and the awareness concerning the need for screening of this disease in our population. OBJECTIVES: This study is based on a population survey aimed to provide information on the level of awareness of the population of the district of Vila Nova de Gaia, about the risk factors for the development of gastric cancer. MATERIAL AND METHODS: The inquiry given to patients was sent to Minor Surgical Procedures, of the Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho E.P.E., from March to September 2010. Statistical analysis was performed using the program PASW 18. RESULTS AND CONCLUSIONS: After statistical analysis, we found that most of the responders had no perception of the high incidence of gastric cancer in our population. About 65% think that the mortality rate of this disease is moderate, and 42% believed to have a low or very low risk of developing gastric cancer. All these factors together can lead to a low concern regarding this disease. Moreover, it was found that the main risk factors mentioned by participants were alcohol, gastric ulcer and tobacco. Only 13% reported infection by Helicobacter pylori as a risk factor for gastric cancer. Thus, to allow a efficient primary prevention of gastric cancer, it is essential that the public have knowledge about the risk factors that are potentially reversible. This knowledge and the screening in high-risk individuals could reduce the mortality rate for gastric cancer.

KEYWORDS: Gastric cancer; primary prevention; awareness; risk factors.

 

 

INTRODUÇÃO

Apesar da incidência mundial de cancro gástrico estar gradualmente a diminuir, esta permanece a quarta neoplasia com maior incidência e a segunda causa de morte por cancro (10,4% das mortes por cancro)1. Por ano, diagnosticam-se 900000 novos casos de cancro gástrico e morrem 700000 doentes com esta patologia, em todo o mundo2. Portugal é um dos países da Europa com maior taxa de incidência de cancro gástrico, sobretudo na região norte do país. Em Portugal, segundo os dados da Globocan 2008, o cancro gástrico é a terceira neoplasia maligna com maior incidência (2889/100000) e taxa de mortalidade 2423/100000 habitantes. Adicionalmente, o Concelho de Vila Nova de Gaia é o terceiro concelho mais populoso do país, e o mais populoso na região Norte (Instituto Nacional de Estatística, 2008).

Pensa-se que esta diminuição da incidência tenha resultado de uma melhoria das condições socioeconómicas das populações. Salienta-se que a evolução da Medicina não permitiu ainda diminuir, para valores desejáveis, a taxa de mortalidade do cancro gástrico, uma vez que permanece a 2ª causa mais frequente de morte por cancro.

Deste modo, a prevenção do cancro gástrico é uma estratégia essencial para o controlo desta patologia. Duas abordagens têm sido usadas para diminuir a taxa de mortalidade por cancro gástrico. Uma delas é a prevenção primária que visa reduzir o desenvolvimento do cancro pela eliminação dos factores de risco, e uma segunda abordagem é a sua detecção precoce3. Sabe-se que os doentes com cancro gástrico em estadios iniciais são assintomáticos, por isso quando diagnosticados, habitualmente apresentam-se em estadios avançados, o que implica um mau prognóstico e daí a relevância de um rastreio.

Por outro lado, as diferenças geográficas na incidência têm sido explicadas sobretudo por factores ambientais e, consequentemente, potencialmente preveníveis4. Dos factores ambientais, os hábitos dietéticos e a infecção por Helicobacter pylori serão provavelmente os principais responsáveis por estas alterações geográficas. Um número crescente de autores defende que a infecção pelo H. pylori é o maior factor de risco conhecido para cancro gástrico. Estudos epidemiológicos determinaram que o risco atribuível de cancro gástrico conferido pela infecção por H. pylori é de aproximadamente 75%5. Adicionalmente, a erradicação da infecção por H. pylori diminui significativamente o risco de desenvolver cancro em indivíduos infectados sem lesões pré-malignas6. Guidelines americanas e europeias para o tratamento da infecção por H. pylori, recomendam a sua erradicação em todos os doentes com atrofia e/ou metaplasia intestinal e nos familiares de primeiro grau dos doentes com cancro gástrico. Na Conferência de Consenso de Cancro Gástrico Ásia-Pacífico, foi sugerido, pela primeira vez, o rastreio e tratamento da infecção por H. pylori, em regiões com incidências de cancro gástrico superiores a 20/100000/ano7.

Para a prevenção primária do cancro gástrico, a sensibilização pública dos factores de risco e a necessidade da alteração dos hábitos de vida são passos essenciais. Estudos realizados com outros tipos de cancro, nomeadamente cancro da mama, colo-rectal e colo do útero, demonstraram que a falta de consciência dos factores de risco para cancro e a falta da percepção do risco pessoal são motivos para uma aparente falta de preocupação acerca destas patologias8,9.

Para a prevenção secundária do cancro gástrico o rastreio é essencial. Alguns países de elevada incidência para esta patologia, como o Japão e a Coreia, têm programas de rastreio para o cancro gástrico. Contudo, as taxas de adesão ainda não são satisfatórias, sendo possivelmente resultado de uma falta de informação e da percepção do risco para esta patologia3.

No nosso país, que possui uma elevada incidência de cancro gástrico, ainda não se realizaram estudos para perceber o nível de conhecimento da etiopatogenia e a necessidade de rastreio desta patologia, por parte da nossa população. Deste modo, com este estudo pretendemos evidenciar a importância da consciencialização pública para os factores de risco para o desenvolvimento de cancro gástrico e da percepção do risco pessoal da nossa população. Este conhecimento é essencial para delinear possíveis estratégias futuras para a prevenção do cancro gástrico e, assim, tentar diminuir a significativa taxa de mortalidade desta patologia. Adicionalmente, com este estudo avaliamos a aceitação de um possível rastreio por parte da nossa população.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O inquérito (Quadro 1) foi entregue para preenchimento livre aos utentes enviados para Pequena Cirurgia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E., de Março a Setembro de 2010. O consentimento informado foi obtido no acto de entrega do inquérito. O inquérito era constituído por questões simples e de escolha múltipla.

 

Quadro 1. Inquérito.

 

O questionário usado continha questões acerca:

1. Dados socioeconómicos,

2. Percepção do risco pessoal de cancro gástrico,

3. Conhecimento dos factores de risco e destes quais os passíveis de prevenção,

4. Relevância da modificação do estilo de vida,

5. Importância do diagnóstico precoce e eventual rastreio regular.

Por outro lado, não continha dados pessoais identificativos como nome, data de nascimento ou morada. Os doentes com antecedentes pessoais de cancro gástrico foram excluídos do estudo.

Dos 383 inquéritos preenchidos, 33 foram excluídos por preenchimento incorrecto ou incompleto.

A análise estatística foi realizada recorrendo ao programa PASW 18 e recorreu-se ao “Teste t” e “Teste qui-quadrado” para avaliar a significância dos resultados obtidos, considerando um nível de significância de p < 0,05.

 

RESULTADOS

Caracterização da população (Quadro 2)

 

Quadro 2. Caracterização da população.

 

Obtivemos um predomínio do sexo feminino (60%), com uma média de idade de 44 anos (mínimo: 18 anos; máximo: 85 anos). O grau de escolaridade mais frequente foi o primeiro ciclo do Ensino Básico (31%). Cerca de 23% dos participantes encontravam-se, na altura, desempregados. As profissões mais prevalentes foram as seguintes: reformado, estudante e empregado fabril. Deste modo, a maior parte da nossa população possui um nível socioeconómico baixo (72%).

Avaliação do risco de desenvolver cancro gástrico

Relativamente à questão do nosso país ser um dos países europeus com maior taxa de incidência de cancro gástrico, a maioria respondeu “não” (56%). Foram nas faixas etárias mais jovens (2ª, 3ª e 4ª década) que obtivemos as maiores percentagens de resposta negativa (77,4%; 60,6% e 63,5% respectivamente). Por outro lado, foram nos graus de escolaridade mais elevados (ensino secundário e superior) que se observaram as maiores taxas de resposta negativa (58,9% e 69,7% respectivamente (p = 0,033)).

Quando questionados acerca da taxa de mortalidade por cancro gástrico 65,4% respondeu ser moderada, 29,1% ser elevada e 5,4% ser baixa. O grupo de indivíduos mais jovens foi o que apresentou com maior frequência a resposta de “baixa mortalidade” por cancro gástrico. Enquanto que no grupo dos mais idosos constatou-se uma maior taxa de resposta de “elevada mortalidade” (Quadro 3). Avaliando segundo o grau de escolaridade, constatou-se que a taxa de resposta de “elevada mortalidade”, foi mais baixa, para os indivíduos com o ensino superior (15,8% (p = 0,013)).

 

Quadro 3. Distribuição das respostas acerca da taxa de mortalidade por cancro gástrico por grupos etários.

 

A percepção do risco pessoal de desenvolver cancro gástrico está sumariada na Fig. 1. De todos os indivíduos, 44, 3% pensam ter um risco moderado de desenvolver cancro gástrico, 32,3% pensam ter um risco baixo e 10% dos indivíduos pensam ter um risco muito baixo. Contudo, 11,4% pensam ter um risco elevado de desenvolver cancro gástrico e 2% pensam ter um risco muito elevado. Avaliando o risco pessoal pelos grupos etários, não obtivemos diferenças estatisticamente significativas, no entanto, verificou-se que a percepção do risco pessoal de desenvolver cancro gástrico está estatisticamente relacionada com o nível de escolaridade (p = 0,02).

 

Fig. 1. Percepção do risco pessoal de desenvolver cancro gástrico.

 

Avaliação do conhecimento dos factores de risco para cancro gástrico

Primeiro, foi questionado quais dos factores, genéticos ou ambientais, contribuíam mais para o desenvolvimento de cancro gástrico. 55% dos indivíduos respondeu serem os factores ambientais os principais responsáveis, tendo-se verificado diferenças estatisticamente significativas entre os grupos etários (p = 0,005) (Fig. 2).

 

Fig. 2. Avaliação do conhecimento dos factores de risco por grupos etários.

 

Seguidamente, da seguinte lista de potenciais factores de risco era inquerido quais contribuiriam mais para o desenvolvimento de cancro gástrico: idade, sexo, história familiar, dieta rica em sal, dieta rica em gorduras, dieta picante, dieta rica em vegetais e fruta, dieta rica em fumados, úlcera gástrica, álcool, bactérias (como Helicobacter pylori), tabaco, história anterior de cirurgia gástrica, gastrite crónica, obesidade, stress, poluição e falta de exercício físico. Os resultados apresentam-se sumariados no Quadro 4. Os factores de risco mais assinalados foram os seguintes: álcool (60,9%), úlcera gástrica (47,7%), tabaco (41,7%), dieta rica em gorduras (40,9%) e gastrite crónica (40,9%). De entre os menos referidos encontra-se a infecção por Helicobacter pylori (13,1%). Os indivíduos com ensino superior foram o grupo que mais seleccionou este factor de risco (39,1%, p = 0,011).

 

Quadro 4. Avaliação do conhecimento dos potenciais factores de risco de cancro gástrico.

 

Percepção do rastreio de cancro gástrico e a sua utilidade

Relativamente à avaliação do conhecimento do rastreio de cancro gástrico, 68% dos indivíduos respondeu que desconhecia em que consistia o rastreio. Constatou-se que não existia uma relação entre o nível de conhecimento do rastreio e o aumento do grau de escolaridade (Fig. 3). No grupo dos indivíduos com o ensino superior, 72,4% respondeu não ter conhecimento acerca do rastreio de cancro gástrico. Do mesmo modo, a taxa de resposta negativa na 2ª e 3ª décadas foi, respectivamente, 77,4% e 65,2%.

 

Fig. 3. Distribuição do nível de conhecimento do rastreio de cancro gástrico segundo o grau de escolaridade.

 

Apesar da maioria desconhecer em que consiste o rastreio, 83% pensa que este seria muito útil para a detecção precoce de cancro gástrico, e 16% considera que seria útil (Fig. 4). Os indivíduos que responderam ser pouco útil ou nada útil pertenciam todos ao grupo com o 1º ciclo do ensino básico.

 

Fig. 4. Avaliação da utilidade do rastreio na detecção precoce de cancro gástrico.

 

Quando questionados acerca da percentagem de cancros gástricos que poderiam ser preveníveis com um rastreio regular, 33% respondeu 60-80% e 30% respondeu 40-60% (Fig.5). As diferenças de respostas obtidas nesta questão foram estatisticamente significativas segundo o grau de escolaridade dos indivíduos (p = 0,005). Do mesmo modo, as médias de idades obtidas para cada valor de percentagem de cancro gástrico potencialmente prevenível por rastreio regular foram estatisticamente diferentes (p = 0,01), constatando-se uma média de idade menor nos grupos de indivíduos que optaram pelas opções 40-60% e 60-80%.

 

Fig. 5. Percepção da percentagem de cancro gástrico prevenível.

 

Quanto à possibilidade de realizar, no futuro, endoscopias digestivas altas, a maioria (54%) dos indivíduos respondeu favoravelmente. Observando as respostas segundo o grupo etário dos indivíduos verificou-se que o maior número de respostas negativas ocorreu nos extremos, ou seja, na 2ª e 9ª década (67,7% e 66,7%, respectivamente (p = 0,044)) (Fig. 6). Realizando o mesmo mas em relação à escolaridade, o grupo do ensino superior foi o que apresentou menor taxa de reposta favorável, com 34,2% dos indivíduos a pensar realizar endoscopias digestivas altas (p = 0,002).

 

Fig. 6. Distribuição da possibilidade de realização de endoscopia digestiva alta segundo os grupos etários.

 

A última questão indagava sobre o interesse de campanhas informativas e de prevenção do cancro gástrico, tendo 99% dos participantes respondido serem relevantes. Apenas 3 responderam desfavoravelmente, sendo todos do sexo masculino (p = 0,032) e com idades compreendidas entre os 19 e 29 anos.

 

DISCUSSÃO

Para reduzir a mortalidade do cancro gástrico é essencial modificar os potenciais factores de risco preveníveis e em regiões de elevada incidência realizar um rastreio. Para conseguir estes objectivos é necessário existir uma educação pública para esta patologia, de modo a consciencializar a população para os factores de risco e a sua possível prevenção. Existem vários estudos sobre as diferenças entre as percepções de risco de cancro pela população em geral e o seu comportamento em relação à prevenção do mesmo10-14. Deste modo, é importante determinar, actualmente, o nível de consciência dos factores de risco para o desenvolvimento de cancro gástrico e a percepção dos programas de rastreio destinados à população em geral.

Contudo, no nosso país, um dos países da Europa com maior taxa de incidência de cancro gástrico, não se conhece a extensão da consciencialização dos factores de risco para esta patologia. O presente estudo é o primeiro estudo realizado em Portugal para avaliar a consciência pública do risco de cancro gástrico. Tanto quanto sabemos, nenhum estudo anterior foi realizado para avaliar o nível de sensibilização do público para esta patologia.

Têm sido descritos vários factores de risco para cancro gástrico, nomeadamente factores genéticos e ambientais. Contudo, sabe-se que são os factores ambientais os que mais contribuem para a patogénese desta neoplasia maligna4. Deste modo, a alteração ou mesmo eliminação dos factores de risco ambientais poderiam conduzir à diminuição da incidência de cancro gástrico, mas para tal é fundamental uma mudança geral dos hábitos de vida da população.

No nosso estudo, observamos que a maioria dos indivíduos não tem percepção da elevada incidência do cancro gástrico no nosso país. Curiosamente, foi nas faixas etárias mais jovens e no grupo com maior escolaridade que obtivemos o maior número de respostas negativas. Assim, podemos constatar que apesar de um indivíduo ser mais jovem ou possuir maior escolaridade não é sinónimo de conhecimento de patologias como o cancro gástrico. Do mesmo modo, cerca de 65% pensa que a taxa de mortalidade por esta patologia é moderada e apenas 29% pensa ser elevada. Em relação ao risco pessoal de desenvolver cancro gástrico, 42% acreditam ter um risco baixo ou muito baixo, ou seja, praticamente metade dos participantes não pensam ser afectados por esta patologia. Adicionalmente, como foi possível verificar neste estudo, as estimativas de risco pessoal de cancro gástrico não são muito elevadas. Apenas 13% dos inquiridos pensam ter um risco elevado ou muito elevado de desenvolver cancro gástrico.

Assim, uma vez que a maioria pensa que o nosso país não é um dos países com maior incidência de cancro gástrico, que a taxa de mortalidade é moderada e que 42% pensam ter um risco baixo ou muito baixo de desenvolver esta patologia, é natural concluirmos que o nível de preocupação com esta neoplasia maligna é baixo. De igual modo, se a maioria não pensa vir a ser afectado por esta patologia obviamente não têm interesse em conhecer os factores de risco para o seu desenvolvimento e muito menos efectuar a sua prevenção.

Relativamente aos factores de risco, a maioria pensa ser os factores ambientais os principais responsáveis na patogénese do cancro gástrico. Contudo, os factores mais escolhidos foram o álcool (61%), úlcera gástrica (48%) e tabaco (42%). Contrariamente, só 13% reconheceu a infecção por Helicobacter pylori como factor de risco e vários estudos demonstraram que o risco atribuível de cancro gástrico conferido por este factor de risco é de aproximadamente 75%5. Assim, cerca de 90% dos indivíduos desconhece um dos principais factores de risco para cancro gástrico. Do mesmo modo, apenas 11% dos participantes reconheceu a história anterior de cirurgia gástrica como factor de risco.

Como seria de esperar, 68% desconhece em que consiste o rastreio de cancro gástrico. Contudo, 83% pensa que seria muito útil na detecção precoce desta patologia. 33% pensa que cerca de 60-80% dos casos poderiam ser preveníveis com rastreio regular e a maioria pensa no futuro realizar endoscopias digestivas altas. Portanto, constatou-se que a maioria tem percepção da utilidade de um rastreio de cancro gástrico e demonstrou disponibilidade para realizar endoscopias digestivas altas.

A quase totalidade dos participantes pensa que seria útil existirem campanhas informativas e de prevenção do cancro gástrico. Os resultados deste estudo evidenciam a importância da existência de campanhas, para a população em geral, com informações precisas sobre os factores de risco para cancro gástrico. Por exemplo, a infecção por Helicobacter pylori e factores dietéticos devem ser enfatizados. Adicionalmente, as modificações do estilo de vida devem ser incentivadas como base numa consciencialização dos factores de risco. Por outro lado, estas campanhas devem igualmente fornecer informações acerca do rastreio e da sua utilidade na detecção precoce de cancro gástrico. Deve ser igualmente realçada a importância da realização do rastreio. Não deverá ser o aparecimento de sintomas o motivo da realização de exames complementares de diagnóstico, pois sabe-se que muito possivelmente nessa altura o estadio já será avançado. Assim, o rastreio constitui a forma mais provável de detecção de doença potencialmente curável.

Deste modo, é importante determinar actualmente o nível de conhecimento acerca do cancro gástrico e a percepção da relevância do diagnóstico precoce, da nossa população. As informações e perspectivas obtidas podem conduzir à elaboração e implementação de estratégias fundamentadas de prevenção do cancro gástrico.

 

 

REFEFÊNCIAS

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Correspondência: Amélia Tavares, Rua da África, 311, 4400-002 Vila Nova de Gaia - Portugal. E-mail: ameliabtavares@gmail.com

 

Recebido para publicação: 14/12/2010 e Aceite para publicação: 13/02/2011.