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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.18 n.1 Lisboa jan. 2011

 

Ecografia Digestiva e Desenvolvimento da Gastrenterologia

Sonofilia: uma Forma de Relação Médico-doente

Digestive Ultrasound and Development of Gastroenterology

Sonofilia: a Form of Doctor-patient Relationship

 

Eduardo Pereira1

1Presidente do Grupo Português de Ultra-Sons em Gastrenterologia (GRUPUGE); E-mail: edu.pereira@sapo.pt.

Local de trabalho: Serviço de Gastrenterologia, Hospital Amato Lusitano, Castelo-Branco – Portugal.

 

O desenvolvimento da ultra-sonografia médica na área da patologia digestiva determinou uma mudança de paradigma, na componente técnica dos gastrenterologistas, em grande parte do mundo. A potencial diversidade da ultra-sonografia na investigação clínica abdominal decorre da sua aplicação como forma de avaliação sistematizada, complemento da história clínica e palpação abdominal orientada por ultra-sons ou, apenas, uma forma de despiste de alterações na morfologia visceral. Dado tratar-se de um método essencial à observação abdominal, onde ocorrem várias centenas de entidades nosológicas diferentes, deve estar disponível às especialidades que abordam patologias com esta localização, como é o caso da Gastrenterologia.

As especialidades detentoras de diferenciados meios e habilidades tecnológicas de imagem, predominantemente não endoscópica, desenvolvem e aplicam a ultra-sonografia numa vertente distinta, directamente apoiada por outros meios imagiológicos mais elaborados e com capacidades de excepcional definição anatómica. As ciências médicas e cirúrgicas, mais integradas do contexto clínico, devem aplicar a ultra-sonografia de forma dirigida e centrada na decisão clínica de proximidade, complemento constante da necessidade directa de observação instrumental e longe de uma diferenciada especialização em imagiologia.

Em vários países da Europa, como na Alemanha, França, Itália e Espanha, a endoscopia assim como a ecografia digestiva, também denominada “ecoscopia” pelos colegas italianos, são frequentemente realizadas pelo gastrenterologista, numa perspectiva sonofílica e muito bem recebida pelos doentes. Ainda que em diferentes proporções, mas fruto da adequada formação no decurso da especialidade, estes países têm como prática comum esta nova aplicação da ultra-sonografia clínica, sustentada pela correcta aquisição de competências. A principal justificação para esta metodologia de intervenção médica assenta na forma mais lógica e apropriada de obter informação imediata e precisa, a necessária, em tempo real, para que o clínico cuidador possa decidir sobre a eventual investigação posterior ou a imediata decisão terapêutica. Este modelo de abordagem tem demonstrado benefícios para o doente e para o médico que o pratica, tem implicações económicas positivas e torna a ultra-sonografia especialmente clínica, uma vez que está integrada no exame físico do doente. A ecografia digestiva clínica pretende, assim, responder com brevidade a importantes questões clínicas tendo em conta sinais e sintomas, funcionar como extensão directa do exame clínico ou, ainda, como guia para realização de procedimentos com risco acrescido. Uma vez realizada para decisões clínicas imediatas deve ser implementada pelo seu valor de proximidade e de disponibilidade, ao encontro da pessoa doente.

No entanto, o maior inimigo da aplicação deste potencial instrumento é o défice de competência, perante um método clínico e imagiológico que necessita de uma cuidada e rigorosa educação e formação básica transversal a outras especialidades, proporcional ao nível e características que se pretende praticar. Algumas sociedades científicas de referência têm difundido as necessárias recomendações, orientações e fichas de avaliação, para a formação dos módulos teórico e prático em ultra-sonografia, tendo por objectivo a uniformização da actividade educacional para o ensino e treino desta técnica, que tem um componente psicomotor e cognitivo particularmente exigente. A publicação pela Organização Mundial de Saúde, em 1998, de um documento técnico sobre os princípios e normas para o treino da ultra-sonografia, considerando-a um método básico de diagnóstico por imagem e, por isso, sem direito ao monopólio por qualquer especialidade, confirmou a necessidade da sua divulgação através do currículo de educação médica. O valor deste texto serviu de modelo ao desenvolvimento de novas recomendações e programas para o ensino e prática da ultra-sonografia diagnóstica e terapêutica. Assim, várias sociedades e federações Europeias e Mundiais implementaram programas formativos adaptáveis a cada país, com base na disponibilidade e utilidade dos meios técnicos, tendo em conta a sua concretização em três níveis de diferenciação. A Federação Europeia de Ultra-sons em Medicina e Biologia (EFSUMB), da qual o Grupo Português de Ultra-sons em Gastrenterologia (GRUPUGE) é um dos seus 30 membros associados desde 1991, tem sido rigorosa na implementação de normas mínimas para a formação contínua na área da gastrenterologia, com actualização permanente dos documentos orientadora, com apêndices dirigidos à ecografia digestiva e, também, à ecoendoscopia. Esta documentação tem anexos com as respectivas grelhas de avaliação, deixando em aberto as respectivas adaptações por parte das sociedades científicas de cada país. Desde este ano estão disponíveis textos científicos sobre as diversas patologias digestivas e um programa modelo para o módulo de ecografia abdominal, para que possa existir uma formação uniforme em todos os países Europeus.

A formação dos gastrenterologistas em ultra-sonografia clínica deve estar centrada na competência adquirida e na certificação dos centros onde essa formação ocorre. Dado que o currículo que dá acesso ao Diploma Europeu do Gastrenterologista exige explicitamente treino em ecografia abdominal, claramente quantificado, cabe às sociedades científicas de cada país a responsabilidade de responder a esta nova exigência.

Considerando a ultra-sonografia um método de investigação altamente dependente do operador, todos aqueles que a praticam e prestam este serviço, independentemente da especialidade, estão ética e legalmente vulneráveis caso a formação não seja a adequada e devidamente certificada, quer na vertente diagnóstica, predominantemente de intervenção ou, somente, como forma de abordagem clínica. Por esta razão, as especialidades que têm a ultra-sonografia incorporada no currículo de formação e da prática clínica têm à disposição orientações científicas e consensos que devem ser rigorosamente aplicados tendo em vista a idoneidade formativa e a sua acreditação.

O GRUPUGE, uma secção especializada da SPG, está vocacionada para desenvolver e implementar a ultra-sonografia clínica no domínio da gastrenterologia, responsabilidade, dever e empenho acentuado pelo seu vínculo à EFSUMB. Com a contribuição do GRUPUGE foram realizados nos últimos anos 7 cursos teórico-práticos de ecografia digestiva abdominal para gastrenterologistas e 4 cursos de ecoendoscopia. Defende e pretende participar no ensino universitário com o currículo proposto pela OMS e complementar a sua acção na óptica multidisciplinar valorizando a sua posição como associação Portuguesa membro da EFSUMB, usufruindo dos benefícios estatutários que daí advêm.

Considerando a Ultra-sonografia Digestiva de proximidade “o estetoscópio do terceiro milénio!”, então, bem poderá ser um instrumento essencial ao desenvolvimento da Gastrenterologia Moderna.

 

REFERÊNCIAS

1. Training in Diagnostic Ultrasound: Essentials, Principles and Standards. WHO Technical Report Series 875; World Health Organization; Geneve 1998.

2 European Federation of Societies for Ultrasound in Medicine and Biology. Guidelines and Recommendations. Appendix 5: Gastroenterological Ultrasound levels 1,2,3 and assessment sheet; Appendix 9: Endoscopic Ultrasound in Gastroenterology and Assessment sheet. www.efsumb.org/guidelines/guidelines01.asp (Acesso em Janeiro 2011)

3. The European Board of Gastroenterology. The blue book 2009. Training Criteria. 6-10 www.eubog.org/docs/Blue_Book.pdf (Acesso em Janeiro 2011)

4. Lucas Greiner. Clinical Abdominal Ultrasonography (US)-Benefits, Potentials, and Limitations. Medical Ultrasonography 2009;1:33-36.        [ Links ]

5. Peter Grubel, MD. Evaluation of Abdominal Ultrasound Performed by the Gastroenterologist in the Office. J Clin Gastroenterol 2010. www.jcge.com (Acesso em Janeiro 2011)        [ Links ]