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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.35 no.2 Lisboa jul. 2012

 

Protecção integrada e desenvolvimento rural

Integrated pest management and rural development

Joaquim Cabral Rolo[1]

 

[1] L-Instituto Nacional de Investigação Agrária, Oeiras / Instituto Nacional de Recursos Biológicos, I. P. (Quinta do Marquês, Av. da República, Nova Oeiras, 2784-505 Oeiras). E-mail: joaquim.rolo@inrb.pt.

 

RESUMO

A resposta ao desafio para uma intervenção no 9º Encontro Nacional Protecção Integrada subordinada a uma leitura do mundo (técnico-científico) da Protecção Integrada (PI) sob a óptica do desenvolvimento rural enraiza-se em duas problemáticas da sociedade portuguesa: a premência em aumentar a produção de bens transaccionáveis (competitividade); e, diante da progressiva dissociação da população com o campo agrícola e ou florestal, o refazer das relações da sociedade com o espaço (ordenamento do território). Neste quadro, revisitam-se conceitos e reflecte-se sobre: (i) que perspectiva do desenvolvimento rural pode coadjuvar na superação daquelas problemáticas? (ii) que pode advir do mundo da PI para tal perspectiva?

Capta-se o contributo do mundo da PI: para a competitividade, pelo lado da inovação tecnológica (o impacto económico, no tempo, do consumo de produtos fitossanitários); e, depois, ancorando o desenvolvimento rural no território, para a indução, por meio da inovação organizacional, de estratégias de eficiência colectiva.

Palavras-chave: Eficiência colectiva, competitividade, inovação, território.

 

ABSTRACT

The answer to the challenge of intervening in the 9th IPM National Meeting, subordinated to a reading of the Integrated Pest Management (IPM) "world" (technical-scientific) framed by a rural development perspective, is rooted in two issues of the Portuguese society: the urgent need to increase the production of tradable goods (competitiveness), and, given the progressive dissociation of the population and the agricultural field and forest, the remaking of the relations between society and space (territorial planning). In this context, concepts are revisited and reflected upon: (i) can a rural development perspective assist in overcoming those problems? (ii) what may come from the IPM "world" for such perspective?

The contribution to the competitiveness of the IPM "world" is captured through technological innovation (the economic impact, along time, of plant protection products consumption). Also, the IPM “world”, when anchoring the rural development in the territory, contributes to induce strategies of collective efficiency, through organizational innovation.

Keywords: Collective efficiency, competitiveness, innovation, territory.

 

INTRODUÇÃO

O desafio feito a um leigo do mundo da Protecção Integrada (PI) para expor a sua visão acerca deste mundo, isto do lado do desenvolvimento rural, impõe que se clarifiquem os traços desse olhar.

Em primeiro lugar, o alvo desse olhar. Visa-se a PI, entendida esta como “a protecção das plantas praticada com recurso aos pesticidas, mas optimizando a protecção do homem e do ambiente” (Amaro, 2005), enquadrável no ‘todo’ das designadas produção integrada (a PI “deve ser sempre uma componente da produção integrada” – Id., 2005), agricultura biológica e modo de produção biológico [cf.: Portaria n.º 229-B/2008 – para a correspondência entre as Medidas dos Programas RURIS (protecção integrada, produção integrada e agricultura biológica) e PRODER (modo de produção biológico, MPB, e modo de produção integrado, MPRODI) – e o Decreto-Lei n.º 256/2009]. Claro que, como assinalam os especialistas (cf.: Amaro, 2002, 2002a, 2003 e 2008; Mexia, 2003; Aguiar et al., 2005), há distinções entre aquelas modalidades. Assim, identifica-se a sigla PI com este ‘todo’, o referido mundo da protecção integrada. Um alvo dotado de conhecimento relevante (da biologia dos cultivos à dos organismos seus agressores, dos condicionalismos edáficos aos itinerários técnicos produtivos, da diversidade dos agentes que moldam as paisagens aos balanços económicos das produções – a determinação do chamado nível económico de ataque) e, portanto, um fragmento expressivo do capital humano disponível na sociedade portuguesa; ou seja, um universo provido de competência – no quadro genérico do paradigma da economia do conhecimento, de capacitação de pessoas e organizações (conhecimento acumulado) e de plataforma de aprendizagem – para uma intervenção substantiva nos domínios do desenvolvimento tecnológico e da inovação.

Do lado do observador trata-se de um olhar arreigado ao domínio da “economia e sociologia agrárias”, e, assim, seria porventura expectável a vista do mundo da PI nos instrumentos programáticos nacionais do desenvolvimento rural: salientem-se, para o Continente, o PRODER, as Acções “Apoio aos regimes de qualidade” e “Alteração de modos de produção agrícola”. Tal vista será acessória. O essencial gira em torno de três pontos: (i) A sociedade portuguesa confronta-se com duas grandes problemáticas: a premência de elevar a produção competitiva de bens e serviços e a de refazer as suas relações com o espaço (ou seja, accionar o ordenamento do território); (ii) Que perspectiva do desenvolvimento rural pode coadjuvar na superação daquelas problemáticas? (iii) Que pode advir do domínio da PI para aquela perspectiva?

Antecipem-se as dimensões que serão retidas neste último questionamento: o resultado económico mensurável da acção do universo da PI e o seu papel, por via do capital humano detido, em estratégias de eficiência colectiva nos territórios do “rural”. Em suma, percepciona-se o contributo do mundo da PI para a competitividade, pelo lado da inovação tecnológica, e para a indução, por meio da inovação organizacional, de estratégias de eficiência colectiva.

O repto que se aceitou, a par da visita de textos tidos como fundamentais sobre a PI, conduziu à leitura da "Directiva 2009/128/CE – Utilização sustentável dos pesticidas": o grande propósito de debate do 9º Encontro Nacional Protecção Integrada. Daquela Directiva fixou-se, além da definição de PI e dos respectivos “princípios gerais”, a consideração dos “instrumentos económicos [que] podem desempenhar um papel crucial na realização dos objectivos relacionados com a utilização sustentável dos pesticidas” e do capítulo relativo à “formação, venda de pesticidas, informação e sensibilização” – as vertentes que se imbricam nas duas dimensões que se percepcionam como contributo da PI para o desenvolvimento rural e que acima se segregaram.

O texto, que em termos de método assenta em técnicas documentais, no fundamental através de fontes secundárias de informação, prossegue com a exposição de alguns aspectos conceptuais no intuito da elucidação dos traços do olhar sobre o desenvolvimento rural. Depois aborda-se a PI nas dimensões do impacto económico e da “inovação organizacional”. Nesta, estão em causa as estratégias de eficiência colectiva e naqueloutra dimensão trata-se da vista da competitividade – “competitividade centrada no custo” e “competitividade centrada no valor”.

 

DOS CONCEITOS: DESENVOLVIMENTO RURAL, PROTECÇÃO INTEGRADA, COMPETITIVIDADE, EFICIÊNCIA COLECTIVA

Entende-se o desenvolvimento como a capacidade de fazer chegar às pessoas, onde quer que vivam, condições para a satisfação das suas necessidades básicas. Incluem-se aqui as “condições materiais de vida”, a “participação no projecto social” e a “fruição de bens culturais”, no respeito da preservação do capital da humanidade; note-se que esta noção é plural, integrando o “capital natural”, o “capital cultural” e o “capital social”. E, assim, assume-se o desenvolvimento rural como um processo de melhoria do nível de bem-estar da população rural e do contributo que o “rural” – o conjunto populacional, e respectivo espaço fruído, de aglomerados de pequena dimensão (cf. Baptista, 2010) – pode facultar, com a sua base de recursos, para a qualidade de vida do conjunto da população, quer seja urbana ou rural. A especificidade do desenvolvimento rural residirá no facto de se reportar “a uma base territorial, local ou regional, na qual interagem diversos setores produtivos e de apoio, e nesse sentido trata-se de um desenvolvimento «multissetorial»” (Kageyama, 2004).

De salientar que é na qualidade de vida que se intromete o desempenho da PI, de que se destaca: a “melhoria do comércio e do consumo de produtos agrícolas” arreigada na “menor perturbação possível dos ecossistemas agrícolas” e subordinada à “protecção do homem e do ambiente” (vd. Cx.).

Mas a qualidade de vida é o alvo do desenvolvimento, tal como se explicitou, o qual se toma como “conceito integrado” das grandezas objectivas e subjectivas de bem-estar, de diversidade cultural e institucional e de sustentabilidade ambiental. Como salientam Ferrão et al. (2004) “a qualidade das condições ambientais e o desenvolvimento socioeconómico condicionam[-se] mutuamente”.Sob este referencial considera-se que a política de desenvolvimento rural deve assentar nos mecanismos fundamentais que explicam a localização quer das actividades económicas, quer das famílias. O que significa, pelo rumo da localização, colocar no âmago da política, e dos respectivos instrumentos, a óptica territorial e, neste plano, a perspectiva do território como suporte, quer de actividades geradoras de rendimento (criação de riqueza), quer de populações cujos proventos podem ser alheios à actividade local (captação de riqueza).

O desenvolvimento rural é, pois, tomado como componente incrustada no (e do) desenvolvimento territorial.

É que, se o rural já não é sinónimo de agricultura [produção agrícola e florestal], a qual também já não hegemoniza a utilização do espaço (Baptista, 2010), então terminou o tempo das políticas de desenvolvimento rural (e regional) focalizadas predominantemente no “sectorial” agrícola. Subjacente àquela conclusão está o facto da progressiva quebra de valia – em termos de riqueza gerada, do emprego, de motor dinamizador de outros ramos económicos e de uso do espaço agrícola e ou florestal (cf. Rolo, 2010 e 2010a) – do “sector agrícola” na sociedade portuguesa.

Toma-se, pois, o território como o veículo determinante na superação das problemáticas acima sublinhadas. Território concebido como espaço físico e geográfico que congrega recursos, pessoas, organizações, agentes e instituições (de representação, concertação e decisão) e onde se podem concretizar estratégias de acção relativas à competitividade e à coesão económica e social (AAVV, 2006). É que será nesta dimensão que mais facilmente se podem coordenar e co-integrar as políticas sectoriais e territoriais e as actuações dos diferentes agentes territoriais (sejam eles, por ex., agricultores ou as suas estruturas de enquadramento); será nela que, como método para atingir aquele objectivo, se poderão delinear estratégias de eficiência colectiva, onde a inovação organizacional ascende a lugar de relevo.

Releva-se que a competitividade é aqui entendida (vd. Cx.): (i) na óptica microeconómica (exploração/empresa), como a produção de bens e serviços, alcançada em conformidade com o uso das melhores técnicas disponíveis, orientada sobretudo pela lógica de mercado (a dependência de ajudas financeiras por meio de políticas públicas é mitigada ou inexistente), integrando, naturalmente, a produção de bens transaccionáveis; (ii) na óptica territorial, como a performance relativa (vantagem comparativa inter-territórios) de criação/captação de riqueza, de forma temporalmente duradoura e objectivada pelo bem-estar social – o acesso a fontes de proventos, mormente ao emprego de qualidade –, e compaginada com a qualidade ambiental (o equilíbrio do ecossistema).

Conceitos: Protecção Integrada (PI), competitividade, estratégias de eficiência colectiva, inovação

Assume-se a PI como “ a protecção das plantas praticada com recurso aos pesticidas, mas optimizando a protecção do homem e do ambiente e considerando quatro questões fundamentais:

- [Os] Aspectos sócio-económicos para defesa do trabalhador e melhoria do comércio e do consumo de produtos agrícolas;

- […][A PI] deve sempre ser uma componente da produção integrada (e não considerada isoladamente para combater os inimigos de uma cultura), onde se privilegiam as medidas indirectas de luta;

- A avaliação da indispensabilidade de intervenção no ecossistema deve ser assegurada pela estimativa do risco […] e pelos níveis económicos de ataque ou modelos de desenvolvimento dos inimigos das culturas;

- A tomada de decisão com a selecção dos meios de luta (reservando a luta química para última prioridade) e a selecção dos pesticidas com proibição dos mais tóxicos para o homem e o ambiente e a ponderação da sua toxidade para o homem e da eficácia global (eficácia directa, fitotoxidade, toxidade para os diversos organismos e resistência dos inimigos das culturas aos pesticidas), optando pelos pesticidas mais favoráveis ao homem e ao ambiente” (Amaro, 2005).

Por sua vez, a Directiva 2009/128/CE define a PI como: “ a avaliação ponderada de todos os métodos disponíveis de protecção das culturas e a subsequente integração de medidas adequadas para diminuir o desenvolvimento de populações de organismos nocivos e manter a utilização dos produtos fitofarmacêuticos e outras formas de intervenção a níveis económica e ecologicamente justificáveis, reduzindo ou minimizando os riscos para a saúde humana e o ambiente. A protecção integrada privilegia o desenvolvimento de culturas saudáveis com a menor perturbação possível dos ecossistemas agrícolas e incentiva mecanismos naturais de luta contra os inimigos das culturas”.

Para a OCDE a competitividade é compreendida como “a capacidade que as empresas, as indústrias, as regiões, as nações e as regiões supranacionais têm de gerar, de forma sustentada, quando expostas à concorrência internacional, níveis de rendimento dos factores e níveis de emprego relativamente elevados”. No mesmo sentido vai a visão da Comissão Europeia: “A competitividade [é concebida como] a capacidade de uma economia em prover, numa base sustentável, a sua população com elevados e crescentes níveis de vida e com elevadas taxas de emprego” (apud AAVV, 2006, Vol. 1).

Sobre a discussão em torno do conceito de competitividade territorial, cf. além daquele trabalho, Rolo, 2006, com suporte substantivo em Lopes, 2001, e Figueiredo, 2010. É virtuosa a forma como este autor estrutura o conceito de competitividade territorial, trazendo a primeiro plano a noção de atractividade: “Por territórios competitivos designamos os que, mediante uma combinação pertinente de recursos, incluindo o conhecimento e as capacidades organizacionais, conseguem concretizar um padrão imperfeitamente imitável de atractividade reconhecido pelo mercado durante um período de tempo suficientemente longo para gerar uma estratégia local ou regional de criação de valor”.

De reter um entendimento de inovaçãouma articulação entre os processos de produção, codificação e difusão do conhecimento e os processos que conduzem à introdução no mercado (distribuição e comercialização) de novos produtos, bens e serviços, e/ou à introdução na empresa (desenvolvimento, adopção e adaptação) de novos processos produtivos e organizacionais, pressupondo mediações, mais ou menos complexas, quer ao nível do desenvolvimento tecnológico, quer ao nível da comunicação de informação, quer ao nível da educação e formação dos recursos humanos” (AAVV, 2006, Vol. 1).

Fixam-se, ainda, as definições do Decreto-lei n.º 287/2007no que respeita: (i) “Bens e serviços transaccionáveis ou internacionalizáveis – os bens e serviços produzidos em sectores expostos à concorrência internacional e que podem ser objecto de troca internacional”; (ii) “Estratégias de eficiência colectiva as estratégias que visem a inovação, qualificação ou modernização de um agregado de empresas situadas num determinado território ou num determinado pólo, cluster, rede colaborativa ou fileira de actividades inter-relacionadas, estimulando, sempre que pertinente, a cooperação e o funcionamento em rede entre as empresas e entre estas e os centros de conhecimento e de formação”; (iii) “Inovação organizacional a utilização de novos métodos organizacionais na prática de negócio, organização do trabalho e ou relações externas”.

Por fim, a interpretação da expressão uso das melhores técnicas disponíveis (MTD): “tecnologias ou técnicas correspondentes à fase de desenvolvimento mais avançada, eficaz e economicamente aceitáveis, das actividades e dos respectivos modos de exploração” (AAVV, 2001).

Sendo um facto a perda continuada de valia do sector agrícola também não deixa de ser relevante constatar que o mesmo permanece no centro das duas problemáticas nucleares da sociedade portuguesa acima invocadas: (i) a produção competitiva de bens; (ii) o ordenamento do território – a relação da sociedade com os usos (as funções) do seu espaço. A elas se reportam as secções seguintes introduzindo a visão do contributo do mundo da PI.

 

PRODUÇÃO COMPETITIVA E O CONTRIBUTO DA PI

Diante do minguado contributo para a economia nacional da produção de “bens transaccionáveis”, sobressai como meta incontroversa o imperativo da sua ascensão; em particular, no que respeita à produção do complexo agro-florestal ou seja, a produção primária agrícola e florestal e as indústrias conexas. E, aqui, com o pressuposto elementar de observância de uma conduta sob boas práticas agronómicas e silvícolas, contribuintes da preservação do capital “natural” da humanidade, importa pugnar pelo fomento de actividades e empreendimentos agro-rurais competitivos.

Escrito isto, passa-se à descrição da evolução, desde os anos 1980, da produção agrícola e florestal e das tecnologias mobilizadas; as quais se apreendem tão só por intermédio dos valores dos agregados económicos consumos intermédios (CI) e formação de capital fixo. Será no âmbito dos CI, ao segregar o valor do consumo de produtos fitossanitários (Pf) que se irá reter uma das parcelas do olhar sobre o desempenho da PI. Por conseguinte, no âmbito da evolução da competitividade do sector, o que, no fundamental, se vai indagar é o comportamento para tanto do agregado pesticidas. E, com esta opção, busca-se a resposta à questão: a confluência de variáveis, tais como o fortalecimento do desempenho do mundo da PI, a adesão dos agricultores às práticas preconizadas por este mundo e os avanços da indústria de pesticidas (novas formulações de produtos, mais baixas doses de aplicações por unidade de superfície, etc. – cf. Bernard e Rameil, 2006) terá vindo a proporcionar uma diminuição drástica do consumo de Pf?

O apuramento e análise dos quantitativos físicos de Pf vendidos em Portugal, global e por função, com reporte anual ou em balanço temporal, têm vindo a ser concretizadas (além dos dados compilados pelo INE, vd. Abreu e Mourão, 2010; Abreu et al., 2009; Vieira, 2001 a 2008; Amaro, 2003, 2009 e 2010; e ANIPLA, vários anos) – vd. Quadro 1 em Anexo. Aqui, como já se explicitou, segue-se outra via: o consumo de Pf no quadro da economia agrícola-silvícola, reflectida nas Contas Económicas da agricultura e da silvicultura. Fixar-se-á em primeiro lugar o conjunto da produção de bens agrícolas e silvícolas e, depois, restringe-se a análise aos bens agrícolas.

No decurso do tempo que medeia desde a inserção de Portugal na então CEE até ao presente, o volume de produção de bens agrícolas e florestais cresceu moderadamente (em “2008” multiplica-se por 1,2 o registo de “1986” – vd. Quadro 2 em Anexo e a Fig. 1). Todavia, a mobilização de factores (os consumos intermédios) aumentou de forma notável (em “2008” cifra-se em 1,6 vezes o quantitativo contabilizado em “1986”), suplantando fortemente o crescimento da produção, em particular nos anos de 2000. Por seu lado, o recurso aos produtos fitossanitários – cujo volume regista uma quebra acima de 20% entre os marcos “1986” e “2008” – revela uma trajectória evolutiva sempre abaixo do valor de “1986” mas não linear: após um acentuado declínio até meio da década de 1990, inverte tal andamento no decurso do período “1995”-“2006” (em 2002 regista-se o máximo do quantitativo físico de “vendas de produtos fitofarmacêuticos” da década 2000) e volta a estar em queda nos anos mais recentes.

 

 

Face a este balanço, irrompe esta inquietação: porquê a coincidência da inversão em “1995” da curva descendente do consumo de pesticidas precisamente no tempo em que se inicia (1996), de forma sistemática, a prática da protecção integrada fomentada pelo financiamento de política pública (cf. Amaro, 2001)?

Mas se esta é a perspectiva para o conjunto da agricultura e da silvicultura o que sucedeu ao nível exclusivo do ramo de produção de bens agrícolas, ou seja o que se observa no plano do primado da intervenção da PI?

Anote-se, desde logo, o significado daquele ramo: 86% do valor (avaliado a preços constantes de 2006 – “preços ao produtor”, portanto, sem a dedução de impostos e a junção de subsídios) da produção conjunta de bens agrícolas e florestais em “1986”, que compara com 89% em “2008”. E retenha-se ainda uma súmula da evolução estrutural da agricultura nacional (INE, 2011a e 2007; cf. Rolo, 2010a):

    • Em detrimento do estatuto jurídico de agricultor produtor singular (familiar e empresário) ganha ascendente a modalidade societária: de 9% da SAU recenseada em 1989 (85% fruída por produtores singulares) detém agora 27% (68% para os agricultores a título individual – cujo significado numérico se conta por 97%). Esta alteração é acompanhada, na prestação do trabalho agrícola (UTA), pelo aumento relativo do assalariamento (15% em 1989, cerca de 20% em 2009) em contraponto ao declínio da prestação familiar. Nesta, acentua-se a dependência do trabalho do produtor, já que perdem influência os contributos de cônjuges e, sobretudo, de outros membros da família. Em suma, tal como tem sucedido nos países do norte da Europa, observa-se o fenómeno da nuclearização, ou mesmo individualização, da mão-de-obra familiar das explorações agrícolas (Portela, 2011).

    • No quadro das unidades de produtores singulares, as que retiram os réditos dos respectivos agregados familiares “principalmente” de outras fontes exteriores à exploração (salários, pensões, etc.) reforçaram o seu domínio fundiário: usufruem agora 46% da SAU (28% em 1989), que compara com 19% pertença de núcleos familiares com proventos “exclusivamente” da exploração (33% em 1989) e com cerca de 35% dos que declaram ter rendimentos “principalmente” da exploração (40% em 1989).

    • Anota-se, ainda no âmbito dos produtores singulares, que das razões invocadas (em 2009) para a “continuidade” da respectiva exploração tão só 6% assinalaram a “viabilidade económica”; o que coteja com motivos como: 34% por “complemento ao rendimento familiar”, 47% pelo “valor afectivo” e 11% por não haver “outra alternativa profissional”.

    • A base fundiária da produção portuguesa (a SAU) regrediu 8% no decurso das duas últimas décadas; contudo, se se excluir a extensão de prados e pastagens permanentes (onde, em 2009, as designadas pastagens pobres significavam 74%) o decréscimo foi superior a 40% – o que é dizer que, hoje, a área global de terras aráveis (culturas temporárias e pousio), de horta familiar e de culturas permanentes é pouco superior à que é ocupada por prados e pastagens permanentes.

    • Entre 1989 e 2009, aumenta de modo expressivo a dimensão média das unidades agrícolas (de 6,7 ha de SAU para 12,3 ha), tal como a extensão de terra cultivada por unidade de trabalho anual (10 ha/UTA em 2009, contra 4,7 ha/UTA). O que resulta do desaparecimento de 50% das explorações e da quebra no volume de trabalho de 57%; isto num cenário de saída dos campos de mais de 1 200 000 pessoas (a população agrícola – os que estão ligados a explorações agrícolas de alguma forma, ou por via do trabalho, ou por aí terem o seu local de residência; 8%, em 2009, dos portugueses residentes).

Neste quadro, entre o início da década de 1980 e o final dos anos 2000 (vd. Quadro 2 em Anexo e a Fig. 1):

    • A produção de bens agrícolas cresceu ininterruptamente – um acréscimo de 32% entre “1981” e “2008”.

    • Naquela produção, a componente vegetal perdeu relevância em relação à parte animal: passa de 67% para cerca de 60%.

  • O nível dos preços à produção vegetal e animal, que aumentou três vezes entre aquelas datas, esteve em crescendo até meados dos anos de 1990 e declina até “2003” para ter uma ligeira recuperação nos anos imediatos.

    • Já o índice de preços dos CI, que multiplicou por 3,5, apenas nos anos compreendidos entre “1995” e “2003” esteve abaixo do registo dos preços à produção.

    • A produção concentra-se espacialmente, mais ainda a produção vegetal, e, assim, aumenta a respectiva relação por unidade de superfície agrícola utilizada, sobretudo nos anos 2000.

    • Mas foi ainda mais relevante o avanço da capacidade produtiva da força de trabalho mobilizada (o valor da produção de bens agrícolas por UTA em “2008” é cerca de 3,5 vezes o que se determina em “1981”), isto até porque a formação bruta de capital fixo esteve sempre abaixo do valor contabilizado em “1981”.

Atente-se agora nas mutações tecnológicas (vistas pela composição dos CI) e, no seu seio, no impacte dos produtos fitofarmacêuticos.

Desde logo há que ter presente, pese embora a relevância crescente da extensão de prados e pastagens permanentes, que o encargo com “alimentos para animais” (vulgo concentrados) persiste como o mais expressivo na produção agrícola nacional; sem dúvida que, após se ter cifrado na ordem dos 60% na primeira metade da década de 1990 – um acentuado aumento face a “1986” –, o seu peso relativo tem vindo a decair desde “1995”, mas ainda assim responde em “2008” por 48% do total de CI.

As despesas correntes com máquinas e construções mantêm, sensivelmente, o mesmo peso relativo (18,5% do total de CI em “1986”, 15% em “1999”, 17% em “2008”) – tenha-se em conta o que se referiu para a formação bruta de capital fixo.

A importância do consumo de “adubos e correctivos do solo” diminuiu continuamente e de modo expressivo: de 10% nos anos de 1980, 6% na primeira parte da década de 1990, em redor de 5% até “2003”, para acabar por se situar no fim dos anos 2000 à volta dos 4%.

Cresce a influência relativa do gasto com “sementes e plantas”: depois de uma forte quebra em “1991” (1%) face aos anos de “1981” a “1986” (2%), o respectivo significado robustece-se de 3% em “1995” para 4%-5% no período imediato.

No entanto, a mudança mais notável associa-se à terciarização da produção agrícola; assim é que a importância relativa dos serviços passa de 8% em “1981”, em redor de 13% nos anos de “1986” a “1995”, para 17% em “1999” e sobe progressivamente na década 2000 (em “2008” ronda os 25%).

Resta a visão da trajectória do consumo de pesticidas:

    • Note-se que em volume mobilizado, logicamente em linha com o que acima se mencionou para o conjunto da produção de bens agrícolas e florestais, o decréscimo entre “1981” e “2008” foi notável, acima de 35%.

    • Aquele movimento teve, contudo, oscilações expressivas (vd. Fig. 1): em “1995”, face ao registo de “1981”, alcança o valor mínimo (menos de 60%) para, a partir de então, se colocar no patamar acima de 75% e de novo recuar nos tempos mais recentes. Também o indicador volume físico das “vendas de produtos fitofarmacêuticos”, cujo valor no fim dos anos de 1990 multiplicou por cerca de duas vezes o registo do início daqueles anos, revela um curso sinusoidal no decurso da última década (vd. Quadro 1 em Anexo).

    • Faça-se sobressair que o índice de preços dos “pesticidas”, sempre bem acima do revelado para o global dos CI, afora a quebra assinalada em “2006”, subiu em contínuo no tempo observado.

    • No agregado CI o peso relativo dos Pf esbate o respectivo impacte: de 5% nos anos de “1981” a “1986” para cerca 3% no período subsequente, embora com as oscilações, em quebra, nos momentos de “1995” e de “2008” (em torno de 2%).

    • Idêntico curso ao dos Pf nos CI é o do rácio (valores) entre Pf e produção de bens agrícolas: a rondar os 3% em “1981”, contra pouco mais de 1% em “2008”.

    • Por último, a observação da carga de pesticidas por unidade de superfície em cultivo: se em relação à globalidade da SAU a carga é sempre inferior ao que ocorria em “1981” (34 €/ha; 27 €/ha em “1986” – que compara com 21 €/ha em “2008”), o mesmo não sucede quando o reporte à superfície é feito com a exclusão da área de prados e pastagens permanentes (onde é muito clara, como se aludiu, a supremacia das “pastagens pobres”); de facto, subsequente ao declínio até “1995”, em “1999” a intensidade de consumo de “pesticidas” volta a situar-se no patamar de “1981” e vai estar sempre acima dele ao longo da década de 2000.

Em síntese, o percurso do uso de “pesticidas” nas três últimas décadas, ainda que com as inflexões anuais inerentes às especificidades metereológicas de cada ano agrícola, revela quer um decréscimo do volume mobilizado, quer um contributo positivo em termos de “competitividade centrada no custo”. Isto porque diminuiu o seu peso relativo quer no conjunto dos CI quer no gerar de bens agrícolas. No entanto, emerge a constatação: a inversão da tendência de queda do consumo de Pf e da respectiva carga por unidade de superfície – mais ainda quando se restringe à parte da SAU ocupada por culturas arbóreo-arbustivas e temporárias – sobrevém, como já acima se adiantou, ao fomento substantivo da prática da protecção integrada (vd. Quadro 2 em Anexo). Quais as razões para tal movimento? – Um maior e melhor regramento das aplicações (incluindo novos Pf e mais baixos impactes para o homem e o ambiente) em linha com a afirmação da “competitividade centrada no valor” dos bens produzidos (cf. Lamine et al., 2009)? – Ou a explicação residirá em mudanças no padrão produtivo de bens vegetais, e com elas, também, diferenciações no uso dos pesticidas segundo as funções (herbicidas, fungicidas, etc.)? – Ou, ainda, a trajectória descrita é a resultante da conjugação das duas hipóteses aventadas?

Entretanto, vale a pena observar a informação, que é parca, sobre o mundo da PI através dos agentes beneficiários da política pública: em 2001, cerca de 4% das explorações recenseadas, abrangendo 2,5% da SAU então contabilizada, beneficiava de apoio à “protecção integrada” e à “produção integrada” (Galhardo, apud Amaro, 2003 e INE, 2011: RA/1999); no final de 2010, o peso relativo do número de pedidos de apoio, no quadro do PRODER, aos “regimes de qualidade” (MPB e MPRODI) cifra-se em 4,5% das explorações e idêntico rácio respeitante à “alteração de modos de produção agrícola” situa-se em 3%, englobando perto de 11% da SAU apurada pelo último recenseamento agrícola (AG, PRODER, 2011 e INE, 2011a). Sucede que, naquela superfície – e importa destacá-lo face ao que acima se referiu no tocante ao indicador carga de pesticidas (SAU com a exclusão de prados e pastagens permanentes) – a extensão do conjunto de “pastagens permanentes”, “pastagens permanentes biodiversas” e “culturas forrageiras” representa mais de 60%.

Agora, a indagação quanto às mutações operadas no padrão produtivo vegetal (vd. Quadro 3 em Anexo e Fig. 2).

 

 

Assim,

    • Se na primeira metade da década de 1980 a primazia era das “grandes culturas” (cereais, plantas industriais e forrageiras), na década imediata (“1995”) os produtos hortícolas colocam-se no topo da produção vegetal.

    • No âmbito das culturas permanentes – cujo peso relativo, no seu conjunto, cresce desde “1986” – com a vinha a manter sensivelmente a mesma quota (cerca de 20%) e o olival tão só a recuperar da sua posição de declínio, a partir da segunda metade dos anos 2000 (4% em “1995”, 7% em “2007”), serão os pomares, sobretudo de frutos frescos, que, desde a adesão de Portugal à CEE, ganham continuadamente representação (de 12% em “1986” para 19% em “2007”).

    • A adição das produções de hortícolas e de culturas permanentes revela o quão importante foi o ganho de impacte deste agregado a partir de “1995” (de um pouco mais de 65% para 73% em “2003” e para 77% em “2007”).

    • Numa observação mais fina: em contraponto ao esbatimento das proporções das produções de batatas (10% em “1986”, 5% em “2007”) e de cereais praganosos, o milho grão e as plantas industriais (tabaco e beterraba sacarina) robustecem a

Em conclusão: nas últimas três décadas a acção do mundo da PI vai decorrer num cenário de marcada alteração do padrão produtivo, com particular incidência pelo meio dos anos de 1990 – em coincidência, recorde-se, com o tempo do alargamento da PI. De facto, a subida vincada do peso relativo de bens hortícolas, frutícolas e de plantas industriais, justificará em boa medida, presume-se, a inversão da queda do volume de produtos fitofarcêuticosutilizados e o aumento da respectiva carga por unidade de superfície anualmente mobilizada (de “1995” a “2006”); depois, na parte final da década de 2000, com a perda de influência das “grandes culturas” ao invés do que ocorre com as hortícolas, os pomares e o olival – cultivos competitivos –, é retomada a tendência de abaixamento (em volume e intensidade) do uso de pesticidas.

E, neste cenário, e também nele imbricado, não deixaram de ocorrer outras variáveis explicativas da evolução observada, tais como as inovações ao nível dos pesticidas utilizados, assim como mudanças em termos dos itinerários técnicos de cultivo (por ex.: mobilização do solo vs. aplicação de herbicida). Mas, por certo, em tal trajectória não terá sido dispiciendo uma outra causa: o impacte do saber e saber-fazer do mundo da PI. Em que medida? – Não temos a resposta, é uma questão em aberto.

 

ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, ESTRATÉGIAS DE EFICIÊNCIA COLECTIVA E O CONTRIBUTO DA PI

À entrada do século XXI o “conjunto da área agrícola, dos espaços florestais e das áreas com matos e pastagens naturais pobres” abeirava-se de 95% da superfície territorial do Continente português. É este o espaço, a que se atribui o epíteto de ‘agrícola e ou florestal’, que está no centro do que se segue. Espaço que, como se sublinhou, deixou de ser hegemonizado pela produção agrícola e florestal; e, portanto, o que assoma em primeira linha no refazerdo relacionamento da sociedade com o espaço – o ordenamento do território – é a demarcação das funções que se percepcionam na sua utilização: (i) a produção, que se estima numa fracção, ao nível do Continente, em redor de 45% (os agentes económicos orientam-se, exclusiva ou predominantemente, pela obtenção de bens valorizados pelo mercado existente; por conseguinte, as eventuais ajudas financeiras, por via de medidas de políticas públicas, não são determinantes dos actos produtivos); (ii) a “protecção da natureza e conservação ambiental”; (iii) o suporte de lazer territorial (caça e diversos outros desportos) e (iv) a base de (re)construções da “herança rural (patrimónios material e imaterial)”(cf.: Baptista, 2010 e Rolo, 2010a).

São aquelas funções que, além de terem subjacente a complexa “questão da terra” (complexa pela natureza do bem terra: mercadoria/património/investimento refúgio, direitos de propriedade, impacte das políticas públicas, formação/captação de rendas), se incrustam na problemática do ordenamento do território.Com esta posição advém, de novo, a óptica territorial e, em conformidade, são os processos para vencer a dissociação existente entre a economia da população rural (e urbana) e a economia do espaço que se procuram. Para o efeito, sobressai o entendimento de que as políticas públicas deverão privilegiar, de imediato, a vertente funcional, seja ao nível das diferentes escalas da gestão (ordenamento) dos territórios, seja ao nível das “unidades primárias” que moldam os territórios em causa.

Com a primazia à vertente funcional quer-se significar: (i) em primeiro lugar, que o uso do espaço ‘agrícola e ou florestal’ não pode continuar a ser encarado numa óptica sectorial (agricultura) e desligado dos instrumentos de política de ordenamento do território – impondo-se, naturalmente, uma maior articulação, no âmbito da Política Agrícola Comum, dos instrumentos das políticas de mercados e de desenvolvimento rural; (ii) em segundo lugar, ao nível da “exploração agrícola” a premência da procura das vias da heterodoxia do estatuto da sua base fundiária; ou seja, e também como processo de dirimir a conflitualidade entre interesses fundiários/patrimoniais e interesses produtivos, a procura das modalidades mais pertinentes resultantes da ligação de três variáveis: formas de exploração, natureza jurídica e parcelamento. Heterodoxia entendida, pois, como um campo aberto de possibilidades: por ex., a conjugação de direitos sobre o fundiário com formas de exploração (“conta própria”, “propriedade familiar”, etc.) e com o estatuto jurídico da organização/gestão das entidades possíveis (sociedades, cooperativas ou outras, articulando agentes públicos e ou privados).

A este pano de fundo vale ainda juntar, por um lado, e tal como se salientou, o relevo das explorações de produtores singulares cujos réditos familiares só subsidiariamente têm origem na unidade agrícola, e, por outro lado, a fragilidade do “capital humano” de parte relevante dos agentes que ainda moldam os campos. Com efeito, do total de agricultores a título individual contados em 2009 – que, como se escreveu, fruem quase 70% da SAU – 45% tem 65 ou mais anos e uma “formação agrícola” “exclusivamente prática”; o que compara severamente com, apenas, cerca de 4% cuja idade é inferior a 45 anos e que dispõe de “formação”, completa ou não, relacionada com a actividade agrícola (INE, 2011a).

É neste panorama que se imiscui o contributo do universo da PI. O qual resulta, quer da prática da intervenção tomando o espaço/”território” como fulcro – os agressores das culturas não se acantonam num ponto: a sua vida, analogamente à vida económica, não tem um funcionamento puntiforme (Lopes, 2002); quer do potencial de “capital humano” detido que pode induzir dinâmicas colectivas(estratégias de eficiência colectiva) com confluência relevante no ordenamento do território.

Em relação à primeira vertente, a percepção é a de que o mundo da PI, pelo seu objecto de trabalho – a gestão dos inimigos das culturas adentro de determinado ecossistema – não tem em conta apenas a “protecção” da folha/parcela mas sim uma circunscrição alargada: da exploração agrícola, a um núcleo de explorações e aos respectivos interstícios, integrados ou não em unidades agrícolas (cf. Lucas, 2010; Messéan, 2010; Amaro et al., 2008). O que se vislumbra é, pois, a imbricação da gestão espacial dos bioagressores com o ordenamento (paisagístico) do território: dos mosaicos de culturas, sebes, zonas de refúgio, a acções colectivas como a “confusão sexual” (Lucas, 2010). E, em conformidade, tem-se que o campo da PI surge em posição privilegiada no divisar das funções, acima explicitadas, que hoje se colocam no uso do espaço ‘agrícola e ou florestal’. Em simultâneo, os diversos instrumentos (económicos) de gestão territorial – do nível macro (Plano Nacional de Ordenamento do Território), às escalas regional (Plano Regional de Ordenamento do Território) e, sobretudo, concelhia (Planos Municipais de Ordenamento do Território) (cf. Decreto-Lei n.º 380/99)–, sob o referencial da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (cf. Res. do Cons. de Ministros n.º 152/2001), “podem (deverão) desempenhar um papel crucial na realização dos objectivos relacionados com a utilização sustentável dos pesticidas” (Directiva 2009/128/CE).

Atente-se agora na vertente do “capital humano”. Um levantamento feito a “chefes de exploração que praticam PI” (Rodrigo, 2007), embora tenha revelado que possuíam “um reduzido conhecimento de aspectos específicos e fundamentais do exercício da prática agrícola da PI”, não deixou de mostrar, para o que aqui interessa, três aspectos relevantes: (i) “a relação positiva […] entre o uso de pesticidas e a manutenção ou melhoria da situação económica” (exigência de “menos tratamentos químicos”, obtenção de “produções com maior qualidade”, recebimento de “subsídios compensadores”); (ii) o reconhecimento, pela “maioria dos produtores”, de que a adopção da prática da PI “exige mais conhecimentos técnicos dos que possuíam anteriormente”, o que os leva a auto-identificarem-se “como inovadores”; e (iii) a ligação/confiança entre agricultores e técnicos: a “grande dependência” dos produtores “relativamente aos técnicos das Associações de Agricultores a que se encontram ligados”, pois neles delegam “a execução dos procedimentos técnicos que integram as práticas agrícolas”.

Esta tríade de “capital” – “chefes de exploração” (mais inovadores), técnicos e associações – ergue-se como uma âncora de suporte, tanto, naturalmente, na consolidação das suas funções específicas na prática da PI, como numa perspectiva mais ampla e determinante na sociedade portuguesa, a saber: o aplainar dos caminhos que levem ao refazer das relações da população com o espaço.

Caminhos estes que passam pela inovação organizacional ao nível de novas modalidades de exploração agrícola e de uma gestão territorial alargada. O que pressupõe: (i) Desde logo, um esforço continuado, mormente pelo apoio estatal, de capacitação institucional, onde se sobreleva o apelo ao ensino, investigação e formação profissional; cabe, a este propósito, destacar o papel consignado à “formação, venda de pesticidas, informação e sensibilização” na Directiva 2009/128/CE: o vincar a abordagem espacial do mundo da PI na sua relação com o ordenamento do território. (ii) Depois, o traçado de políticas vinculadas às especificidades dos “territórios” e dos respectivos agentes económicos. Aluda-se na circunstância ao incremento, com o desempenho que pode provir do universo da PI, da congregação de fileiras (da produção à colocação no mercado) de bens agrícolas, dotadas ou não de símbolos de qualidade/certificação reconhecidos (DOP, IGP, etc.), e do seu enraizamento nos “territórios” – a construção de ‘marcas territoriais’. E refiram-se, ainda, em matéria de gestão territorial, os ensinamentos a extrair das figuras jurídicas que em Portugal têm sido concretizadas como são as “reservas de caça” e as “zonas de intervenção florestal (ZIF)”.

 

AGRADECIMENTOS

Prof. Cat. José G. Portela e Prof. Cat. Jub. Pedro Amaro.

 

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ANEXO

    • Retomam-se neste texto os termos do desafio lançado pelo Prof. A. Mexia para uma intervenção no 9º Encontro Nacional Protecção Integrada e esclarece-se que se incorporam excertos dos trabalhos: Rolo, 2006, 2010 e 2010a; para eles se remete mormente para a revisão bibliográfica que sustenta aspectos conceptuais que se expressam (desenvolvimento, rural, território ou das funções do espaço agrícola ou florestal).

    Informação de suporte à secção Produção competitiva e …

 

 

 

 

 

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