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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.35 no.1 Lisboa jun. 2012

 

Agricultura biológica e fertilização

 

Biologic agriculture and fertilisation

 

Joaquim Quelhas dos Santos1

1Professor catedrático jubilado do Instituto Superior de Agronomia. E-mail: quelhas.dossantos@clix.pt

 

RESUMO

Com base nos conhecimentos atuais, não pode considerar-se aceitável que na agricultura dita «biológica» esteja interdito o uso de determinados fatores de produção, nomeadamente dos adubos de síntese mineral. Efetivamente, é fácil demonstrar que quando estes adubos forem corretamente usados, isto é, em termos de quantidade, qualidade, épocas e técnica de aplicação mais adequadas às características da cultura e do condicionalismo agroclimático em que está, ou vai ser, instalada, irão contribuir para que as produções sejam mais elevadas sem que, para isso, tenham de causar agressões ambientais em relação á atmosfera, ao solo, às águas, e aos produtos vegetais. Aliás, quanto a estes últimos, é mesmo de admitir que, em relação a alguns aspetos da qualidade sanitária, certos produtos ditos «biológicos» sejam mais desfavoráveis do que quando obtidos na agricultura tradicional.

Palavras-chave: Adubos minerais, agricultura, ambiente, fertilização.

 

ABSTRACT

Taking in account the present level of knowledge, it doesn’t seem to be correct to interdict the use of some production factors, namely mineral fertilizers, in the so called biologic agriculture. In fact, it is easy to prove that mineral fertilizers have a decisive contribution to increase the production without environmental damage in atmosphere, soils, waters and agricultural products. It is so, if mineral fertilizers are correctly used, which means how much, what kind, when and how to use them in order to satisfy the plant needs and characteristic of the local soil and climate conditions. In fact, it is perfectly acceptable that in terms of some aspects of sanitary quality, the so called biologic products can be more dangerous then same products obtained by traditional agriculture.

Keywords: Agriculture, environment, fertilization, mineral fertilizers.

 

INTRODUÇÃO

Tem-se verificado que, com alguma frequência, nos vulgarmente chamados órgãos de comunicação social se fala, de uma forma que até parece cada vez mais entusiástica, da chamada agricultura «biológica», a qual, como é sabido, para além de outras exigências, exclui o uso dos adubos de síntese mineral. Ora, este facto poderia levar a pensar, àqueles que ao longo de mais de quarenta anos, dentro e fora do Instituto Superior de Agronomia, ensinei, e/ou àqueles que leram (e, creio eu, ainda muitos continuam a ler) que estaria errado o que escrevi em relação ao uso daqueles adubos na agricultura.

Uma tal atitude teria, no entanto, de ser demonstrada com base num hipotético avanço de conhecimentos. Acontece porém que, tanto quanto ainda hoje se sabe, permanecem inteiramente válidos os fundamentos que por mim, e por todos os outros que nesta área do conhecimento têm ensinado e/ou investigado, sempre foram associados às principais formas sob as quais os nutrientes são absorvidos pelas plantas e ao decisivo contributo que os fertilizantes, nomeadamente os adubos, vieram trazer para uma melhor nutrição, e consequente maior produção, de quase todas as culturas.

É isso que adiante procuraremos demonstrar; mas, entretanto, eu quereria salientar o fato de, para efeitos de definição das exigências da UE quanto a um tal tipo de agricultura, o termo agricultura biológica ser considerado sinónimo de agricultura orgânica e de agricultura ecológica, o que, em relação a esta última, não nos parece aceitável. Aliás, em relação aos dois primeiros termos deve mesmo reconhecer-se que ambos são incorretos.

Efetivamente, o facto de se chamar biológica a um determinado tipo de agricultura sugere que há outra ou outras agriculturas que não são biológicas, o que, como é óbvio, está errado, já que toda a agricultura é, necessariamente, biológica.

Também o termo agricultura orgânica, por sugerir que as plantas utilizam os nutrientes sob a forma orgânica, é totalmente incorreto. De facto, a teoria do húmus, também conhecida no domínio da produção vegetal por teoria de Aristóteles, formulada no início da atual ERA, segundo a qual as plantas não poderiam viver sem encontrarem matéria orgânica nos solos, foi desmentida pela teoria da nutrição mineral apresentada por Liebig cerca de 1843. Aliás, se algumas dúvidas restassem quanto á inexatidão da teoria do húmus, bastaria lembrar que, como é do conhecimento geral, é possível fazer culturas em hidroponia e até, por nelas se controlarem em muito maior extensão os fatores de crescimento (nomeadamente o solo, o qual é controlado por omissão uma vez que, por definição de hidroponia, ele nem sequer se encontra presente), com obtenção de produções unitárias muito mais elevadas!

È conveniente, no entanto, deixar desde já bem claro que a matéria orgânica é de particular importância para a fertilidade global dos solos; mas essa importância, ao contrário do que muitas vezes se afirma, reflete-se muito mais nas fertilidades física e biótica (que são, aliás, as mais difíceis de melhorar) do que na fertilidade química, isto é, como fonte direta de nutrientes. Em relação a estes deverá, no entanto, ressalvar-se o facto de, dada a sua origem, a matéria orgânica conter nutrientes que, sobretudo no domínio dos micronutrientes, podem não se encontrar nos adubos a que poderemos chamar normais, embora possam ser incluídos em adubos especiais, e/ou libertados em maior extensão no solo mediante a correção da reação através do uso de corretivos minerais, isto é, fertilizantes destinados a corrigir a acidez (chamados alcalinizantes) ou a alcalinidade (chamados acidificantes). Repete-se, no entanto, mais uma vez, que a matéria orgânica é de fundamental importância para a fertilidade global dos solos, sendo a sua influência benéfica tanto maior quanto pior for o solo em termos físicos e bióticos. Por tal motivo, vemos com grande simpatia o uso na agricultura de diversos resíduos orgânicos, com potencial interesse fertilizante, nomeadamente como corretivos orgânicos, que hoje aparecem em grandes quantidades.

È o caso, por exemplo, dos resíduos e efluentes dos animais explorados em pecuária intensiva, dos produtos associados aos resíduos sólidos urbanos e/ou ao tratamento de águas residuais, etc. Note-se, entretanto, que aqueles outros produtos, cujas disponibilidades são dia a dia mais elevadas, têm de ser, em função das suas características próprias, devidamente tratados e aplicados. Se a agricultura dita biológica, por fazer apelo ao seu maior consumo e, eventualmente, proceder á sua mais correta utilização como fertilizantes, puder contribuir para uma melhor gestão destes produtos poluentes, será lógico dizer-se que estará a proporcionar um importante benefício ambiental. De facto, se aqueles produtos não forem tratados (e o solo pode completar o seu tratamento) e utilizados de forma correta, podem constituir, antes ou mesmo depois de serem utilizados, importantes focos de poluição ambiental

Já o termo agricultura ecológica, porque sugere uma estreita ligação com a necessidade de ser praticada de forma a não agredir o ambiente, parece-nos inteiramente correto e, como adiante veremos, perfeitamente compatível com o uso dos fertilizantes em geral e, no caso em análise, dos adubos de síntese mineral.

 

O QUE SÃO E PORQUE SÃO NECESSÁRIOS OS ADUBOS DE SÍNTESE MINERAL?

Comecemos por recordar uma realidade que, quando se fala em agricultura biológica, parece que nem sempre é tomada em consideração.

A agricultura, á semelhança das outras atividades económicas, só poderá ter êxito desde que se resolvam, o mais corretamente possível, os problemas da produção e da gestão.

Quanto á produção, torna-se evidente que as plantas, como seres vivos que são, para produzirem necessitam de crescer e para crescerem necessitam de se alimentarem.

Sendo assim, ou o condicionalismo agroclimático em que as culturas estão ou vão ser instaladas é capaz de lhes fornecer, em quantidade e equilíbrio, os nutrientes de que necessitam para poderem manifestar o seu potencial genético de produção, ou, o que infelizmente quase sempre acontece em Portugal, verifica-se a existência de um deficit que torna indispensável o recurso ao uso de produtos a que se dá a designação vulgar de fertilizantes. Estes, atuando de forma essencialmente direta, com é o caso dos chamados adubos, ou de forma essencialmente indireta, como é o caso dos corretivos (minerais e orgânicos), vão contribuir para um aumento da fertilidade global do solo e, através dele, para uma melhor nutrição das plantas, a qual irá refletir-se num aumento das produções unitárias, e que, em igualdade de outros fatores, irá provocar um abaixamento dos custos de produção. Será, então, mais fácil obter viabilidade económica, mesmo que os produtos agrícolas sejam vendidos a preços a que poderemos chamar normais. Pelo contrário, se as produções unitárias forem baixas, a viabilidade económica da exploração, se não for subsidiada, só poderá ser garantida através de uma redução dos encargos com o uso dos fertilizantes e/ou da venda dos produtos agrícolas a preços mais elevados, aos quais, em oposição aos normais, poderemos agora chamar especiais.

Ora, esta realidade, indesmentível á luz dos conhecimentos atuais, poderá justificar, desde logo, a principal razão pela qual a agricultura dita «biológica», ao impedir o uso dos adubos de síntese mineral - que são, justamente, os mais suscetíveis de veicularem, em formas minerais (as únicas que, tanto quanto atualmente se sabe, as plantas podem absorver através das raízes), maiores quantidades de nutrientes e que, de um modo geral, têm preços mais baixos por unidade fertilizante -, não permite a obtenção de produtos vegetais a preços minimamente capazes de competirem com os que se podem obter na agricultura praticada em condições normais.

Efetivamente, só em casos muito especiais, e infelizmente muito raros no nosso país, em que, de forma natural e/ou artificial, os solos tenham acumulado uma elevada fertilidade química, o uso de tais fertilizantes poderia, e mesmo assim por períodos de tempo não muito longos, ser realisticamente dispensável.

Poderá argumentar-se, mas com certeza levianamente, que os outros países da UE também praticam, com as mesmas restrições, a chamada agricultura biológica. Mas acontece, porém, que a grande maioria desses países, nomeadamente dos que se situam no Centro e Norte da Europa, reúnem, em maior ou menor extensão, duas condições que não se verificam em Portugal: i) têm excesso de produtos agrícolas e, sendo assim, pouco interessa, em termos da sua produção total, qualquer ligeira quebra eventualmente provocada pelos «agricultores biológicos»; ii) graças à maior incorporação de resíduos orgânicos pelas culturas (consequência das maiores produções unitárias que neles se obtêm) e á menor destruição da matéria orgânica causada pelas características do clima predominante, têm larga representação condicionalismos em que os solos apresentam um nível de fertilidade química suficiente para, sem reduções de produção que inviabilizem o caráter económico das explorações agrícolas, possam dispensar, durante alguns anos, a utilização dos adubos de síntese mineral.

Note-se, aliás, que aqueles países terão, com certeza, todo o interesse em defender as «virtudes», da agricultura dita biológica, sobretudo se ela crescer em países que, como é o caso de Portugal, já constituem tradicionais mercados para a exportação dos seus excedentes. A este propósito, parece-me haver algum interesse em recordar o que dizia o teletexto de uma das nossas televisões, no dia 31 de Dezembro de 2006, a propósito da entrada da Bulgária e da Roménia na UE: «os agricultores alemães congratulam-se com a entrada daqueles países na Comunidade, por verem neles a possibilidade de aumentarem as suas exportações de alimentos vegetais». É caso para perguntar: será que os alemães também vão aconselhar aqueles novos estados da UE a fazerem agricultura biológica? É muito provável que sim!

Mas será que, efetivamente, poderá haver perigos associados ao uso dos fertilizantes em geral e, em particular, aos que são excluídos pela agricultura biológica, ou seja, aos adubos de síntese mineral?

Vejamos, através de alguns exemplos, que não tem qualquer justificação, nem em termos científicos, nem em termos técnicos, nem mesmo em termos prático/económicos, o receio de que o uso de tais adubos possa, ao contrário doutros fertilizantes (adubos e corretivos orgânicos, adubos e corretivos naturais obtidos através de processos ditos naturais, etc.) ter consequências negativas, quer para a fertilidade do solo, quer para a qualidade das águas que sobre eles escorrem ou que neles se infiltram, quer para a chamada «qualidade» dos produtos vegetais neles obtidos, quer mesmo, embora com menor significado, para a poluição da atmosfera que os rodeia.

Como atrás já foi referido, as plantas, através das raízes, só podem absorver os elementos em formas minerais, tal facto significando que, ou os nutrientes são já fornecidos nesta forma ou, então, as plantas, exceção feita às que obtêm um nutriente, o azoto, através de simbioses, como acontece com as leguminosas, terão de esperar que ocorra a libertação a partir da mineralização da matéria orgânica e/ou de outros fenómenos, nomeadamente de dissolução e de permutas iónicas no complexo coloidal dos solos.

Acontece entretanto que, de facto, as formas iónicas dos nutrientes, mas independentemente da sua origem (introduzidas no solo ou neles libertadas), podem conduzir a algum ou alguns dos fenómenos de poluição atrás referidos. Mas, como também é fácil demonstrar, todos os potenciais inconvenientes podem ser evitados ou, pelo menos, reduzidos a valores suficientemente baixos para, com segurança, poderem ser desprezados.

 

O caso do azoto

Tomando como exemplo o azoto, nutriente que, devido ao seu caráter acentuadamente dinâmico e aos seus efeitos mais espetaculares na vegetação, se torna mais suscetível de ser usado em excesso, facilmente se verifica que, quando presente em elevada concentração na solução do solo, pode contribuir para criar desequilíbrios nutritivos (com reflexos eventualmente desfavoráveis em termos de quantidade e/ou de qualidade das produções), provocar exagerado enriquecimento das águas em nitratos, aumento da salinização secundária dos solos e poluição da atmosfera quando haja condições que favoreçam a desnitrificação ou a libertação de amoníaco. No entanto, facilmente se demonstra que tais fenómenos só poderão ter lugar quando a aplicação daquele nutriente não se faça corretamente, isto é, quando em face de um determinado potencial de produção esperado e das características do solo e do clima, não se utilizem as quantidades que, sendo as necessárias, sejam apenas as suficientes; ou quando não se utilizem, como veículo do nutriente, as combinações químicas mais aconselháveis; ou, ainda, quando a época e/ou a técnica de aplicação não sejam as mais recomendáveis. De facto, uma vez que só o azoto mineral que, por exceder largamente as exigências da cultura num determinado momento, se acumula na solução dos solos, é suscetível de causar os danos ambientais atrás referidos, o problema passa por ser ou não possível, com o uso de adubos de síntese mineral, evitar tais excessos.

Ora, é aqui que reside, penso eu, a principal razão pela qual os defensores da chamada agricultura biológica afirmam que o azoto tem de ser fornecido em formas orgânicas, uma vez que estas, sofrendo uma mais gradual libertação do azoto, contribuem para que, mediante um mais apropriado sincronismo entre a libertação e a absorção pelas plantas, evitaria as acumulações suscetíveis de provocarem, em termos ecológicos, algum ou alguns dos inconvenientes atrás mencionados.

Acontece, porém, que esta suposição nem sempre será verdadeira, a não ser que se controle, com um pormenor que não me parece possível em termos práticos e/ou económicos, a taxa de mineralização da matéria orgânica de modo que a quantidade de azoto libertado seja, sempre, muito semelhante á taxa de absorção pelas culturas. De facto, na prática, sendo impossível usar materiais que tenham, forçosamente, o mesmo ritmo de mineralização e de este variar com as condições ambientais, nomeadamente a humidade e temperatura do solo, será muito frequente ocorrerem situações em que as plantas poderão não dispor do azoto suficiente para satisfazerem as suas exigências numa determinada fase do desenvolvimento vegetativo; ou, ao invés, casos em que o ritmo de mineralização daquele nutriente exceda o ritmo de absorção, tal facto conduzindo, como é óbvio, a acumulações na solução do solo e, deste modo, poderem ter os mesmos inconvenientes já antes mencionados. Podem mencionar-se, a título de exemplos mais significativos, as acumulações de nitratos nas águas no fim do verão (sempre que as plantas, mesmo que ainda presentes, já praticamente não absorvam nutrientes) e a seguir a desflorestações (em que o equilíbrio entre a absorção pelas árvores e a mineralização da matéria orgânica existente sob o coberto vegetal é desfeito e passa a haver azoto disponível para, se ocorrerem chuvas, ser transferido para as águas).

Por outro lado, é fácil demonstrar que, com a utilização dos adubos de síntese mineral, muitos dos inconvenientes potencialmente associados ao azoto podem até ter menor extensão do que se apenas forem usados produtos orgânicos. Assim, mesmo quando o condicionalismo definido pelo potencial de produção e pela possibilidade de usar outros fatores produtivos (rega e drenagem, pesticidas, etc.) aconselhar a aplicação de grande quantidade de azoto, será sempre possível evitar, até com maior certeza, a acumulação de azoto no solo; para tanto bastará aplicar os adubos várias vezes com pequenas quantidades de cada vez, fracionando as coberturas, praticando a fertirrigação no solo ou mesmo em pulverização, e usar adubos de libertação gradual, de preferência aqueles cujo ritmo de libertação do azoto, por depender da temperatura, aumentem a libertação quando também aumentam as exigências de absorção por parte da planta.

Muitos terão presentes os casos, de entre outros, da cultura do tabaco e da beterraba sacarina, nas quais se deve evitar a absorção tardia do azoto com a finalidade de manter ou melhorar a combustibilidade da folha no primeiro caso e facilitar a extração do açúcar no segundo, o que será fácil usando adubos de síntese mineral, mas praticamente impossível se usarmos adubos e/ou corretivos orgânicos.

Em resumo, não tem qualquer suporte científico a exclusão dos adubos azotados (obtidos, por definição através de síntese mineral) na chamada agricultura biológica. A este respeito, consideramos absolutamente inaceitável que na agricultura «biológica» não possa utilizar-se um adubo chamado ureia, pelo simples facto de ser obtida por síntese mineral, e ser admitida, porventura até incentivada, a utilização de dejetos e excrementos animais, onde o azoto se encontra, predominantemente, na mesma combinação química. Aliás, em relação às urinas e a outros dejetos dos animais, é conveniente não deixarem de se considerar os receios, que esperamos sejam infundados, de poderem vir a atuar como veículos de transmissão de doenças. Ainda a este propósito, convém não esquecer que, tal como também se depreende do que já antes foi referido, se numa determinada situação existissem fertilizantes «naturais» suficientes para garantirem as produções unitárias nos níveis físico e económico que hoje têm de se exigir, as quantidades a aplicar teriam de ser de tal modo elevadas que, provavelmente, iriam ainda ser mais desfavoráveis em termos ecológicos. Recorde-se, a título de exemplo, o facto de alguns corretivos orgânicos poderem conter apreciáveis quantidades de metais pesados e de microrganismos patogénicos, nomeadamente, salmonella e Escherichia Coli. Quanto a esta última, que recentemente causou graves problemas de saúde na Europa, talvez não seja mera casualidade o facto de, pelo menos nalguns casos, ter sido associada a produtos alimentares obtidos em agricultura biológica.

Vários outros exemplos se poderiam apresentar e que, facilmente, demonstram a falibilidade das exigências na agricultura impropriamente chamada biológica. Citaremos apenas mais dois. Porque não se podem usar adubos nítricos de síntese mineral nem nitrato do Chile mas pode usar-se o guano, que tem a mesma origem do nitrato do Chile e do qual apenas diferirá em termos de menor mineralização? Será que este último adubo, uma vez aplicado, poderá ter um comportamento significativamente diferente em termos da libertação de nitratos? E se tiver, isso será de facto uma vantagem? Não se terá pensado que quanto menor for a mineralização maior será a possibilidade de o adubo veicular substâncias tóxicas para as plantas? Também gostaria de saber se, no caso do sulfato de amónio, que não se pode usar porque é obtido por síntese mineral através da reação do ácido sulfúrico com o amoníaco, o adubo, com a mesma composição, já poderá usar-se se for obtido como subproduto do fabrico de um composto orgânico, a caprolactama.

As vantagens da não utilização dos adubos de síntese mineral podiam, em última análise, resultar dos seus mais elevados preços da unidade fertilizante e/ou de serem mais difíceis de distribuir. Acontece porém que, em relação a qualquer daqueles aspetos, se verifica justamente o contrário. Na realidade, os preços unitários do azoto nos adubos da síntese mineral são, em termos médios, muito inferiores àqueles que se verificam nos produtos orgânicos; e estes, como é fácil de supor, também são mais incómodos de distribuir.

Refira-se, ainda, que se a absorção do azoto, fornecido através de formas já previamente existentes nos adubos de síntese mineral, fosse prejudicial, então teríamos também de tentar evitar as águas de rega, as quais, como é sabido, em determinadas situações (em particular quando tenham origem em albufeiras nas quais, durante o verão, estão sujeitas a acentuadas evaporações), podem incorporar apreciáveis quantidades de azoto em formas minerais. Suponho que esteja fora de questão a rega com água destilada!

Por outro lado, se fosse para evitar, em absoluto, o azoto mineral, então teriam ainda de se proteger as culturas das precipitações atmosféricas, já que estas, sobretudo quando associadas á ocorrência de trovoadas, veiculam para o solo quantidades significativas de azoto que, neste caso concreto das trovoadas, só pode ser de síntese mineral! E as siderações? Não poderão, em muitos casos, conduzir a elevadas concentrações de formas minerais de azoto no solo?

 

Outros nutrientes

Na impossibilidade de abordarmos, de forma sistemática, todos os nutrientes que, á luz dos conhecimentos atuais, se consideram indispensáveis para as plantas, iremos restringir-nos, e apenas em termos de agricultura biológica versus agricultura ecológica, aos casos dos outros dois macronutrientes principais: o fósforo e o potássio.

Em relação ao fósforo (o qual, dado o seu caráter estático, praticamente só é suscetível de contribuir para a poluição das águas superficiais), cremos não ter qualquer base científica o facto de a chamada agricultura biológica excluir, por exemplo, adubos como os superfosfatos, pelo simples facto de serem obtidos através de uma reação química entre uma fosforite (que é, essencialmente, fosfato tricálcico) e o ácido sulfúrico, e aceitar um adubo, também oriundo de uma fosforite, mas tratada apenas por processos físicos.

Será que, efetivamente, o primeiro daqueles adubos tem quaisquer inconvenientes em relação ao segundo? È sabido que as plantas, através das raízes só absorvem o fósforo em formas iónicas (principalmente ortofosfato primário, H2PO4-). Ora acontece que, enquanto no caso dos superfosfatos grande parte do fósforo já se encontra naquela combinação química e, por isso, pode ser desde logo utilizado pela planta, nos fosfatos naturais é necessário decorrerem períodos de tempo que, embora variáveis com diversos fatores, nomeadamente a reação do solo, serão quase sempre relativamente longos, tal facto significando que podem não atuar sobre a cultura na altura em que, eventualmente, mais seria necessário.

Mas haverá qualquer inconveniente, de ordem ecológica, pelo facto de se usarem superfosfatos? O perigo de absorção em excesso pelas culturas, suscetível de se verificar em relação ao azoto e ao potássio, não ocorre no caso do fósforo. Será de recear um maior arrastamento pelas águas no caso dos superfosfatos? Cremos que não, uma vez que a facilidade com que aquela forma origina nos solos combinações químicas pouco solúveis faz que a sua concentração seja sempre baixa e, pelo mesmo motivo, não é muito provável a sua passagem para as águas subterrâneas: e, quanto às águas de escorrimento superficial, tudo leva a crer que, dada a natureza dos principais fenómenos envolvidos, em particular a erosão, qualquer das formas poderá ser arrastada.

O inconveniente dos superfosfatos poderá ser consequência do cádmio eventualmente presente? Trata-se de um problema que, de facto, pode ter inconvenientes ecológicos associados àquele metal pesado, mas é um problema que a indústria pode e deve resolver, utilizando fosforites sempre com baixo teor de cádmio, ou procedendo á sua eliminação durante o processo de fabrico.

Restaria, á semelhança do que se disse a propósito do azoto, esperar que a utilização de fertilizantes fosfatados de origem natural proporcionasse vantagens de ordem económica e/ou prática. Acontece, porém, que também neste caso o preço da unidade fertilizante dos adubos usados no País é muito mais elevado, e a aplicação, por se tratar de uma forma que, devido á exigência de uma fração se apresentar praticamente em pó, também não é, seguramente, mais cómoda de utilizar. Poderá dizer-se que aquelas rochas fosfatadas têm preços mais elevados porque são submetidas a tratamentos que produzem um valor acrescentado. Mas será que, em tais casos, não se estará, também, a aumentar a probabilidade de se criarem problemas ambientais?

De qualquer modo, os fosfatos naturais, quando e onde a sua utilização se justificar em termos económicos, poderão ser usados, em particular naqueles casos em que se possa tirar partido do seu importante contributo para a correção da acidez dos solos.

No caso do potássio, que é absorvido pelas plantas apenas sob a forma de ião potássio (K+), de novo vamos encontrar na chamada agricultura biológica exigências que não têm justificação científica, parecendo obedecerem, antes, á realidade de alguns países da UE, nomeadamente a Alemanha (e mesmo a vizinha Espanha), possuírem elevadas reservas dos chamados «sais brutos». Assim, por exemplo, restringe-se a utilização, e mesmo quando se utilizem, só em casos especiais, aos sais brutos, nomeadamente silvinite (produto contendo cloretos de potássio e de sódio), silvite (cloreto de potássio praticamente puro) e o sulfato de potássio (que, curiosamente, se admite agora o produto que se obtenha por lavagem de sais brutos, naturais, mas também se aceita o que se obtenha através de uma reação química entre o cloreto de potássio proveniente da silvinite e o sulfato de magnésio proveniente da kieserite). Por outro lado, não pode deixar de se estranhar que não se faça qualquer referência a uma importante diferença entre a silvinite e a silvite. É que a primeira, por conter sódio em quantidades que podem ser consideravelmente elevadas, é suscetível, como se sabe, de provocar inconvenientes graves em vários aspetos da fertilidade dos solos.

Mas, e á semelhança do que se disse em relação às fosforites, a «purificação» de sais brutos estará isenta de agressões ao ambiente?

É certo que os chamados sais de potássio concentrados, mais usados na agricultura normal, são quase sempre obtidos a partir dos sais brutos; mas que mal poderão causar, sobre as plantas e/ou sobre o solo, se forem obtidos através de outras vias, desde que estas, em determinadas condições, possam originar produtos com menor preço da unidade fertilizante?

Poderia, por fim, dizer-se que se a Agricultura não usar adubos de síntese mineral a Indústria não os produz e, sendo assim, não ocorrem possíveis fenómenos de poluição associados ao seu fabrico. Mas, a atribuirmos apreciável significado a este facto, então teríamos também de exigir, por exemplo, e com muito mais forte razão, que não existissem automóveis, tratores, medicamentos, pesticidas, etc. Sejamos coerentes!

Em qualquer dos casos que vêm sendo apresentados, temos partido do princípio de que, com o uso dos adubos de síntese mineral, estamos a tentar obter o ótimo económico, isto é, aquele nível de produção para o qual a diferença ente o valor da colheita e os encargos resultantes do uso daqueles fertilizantes é máxima.

Casos haverá, porém, em que, face a uma drástica carência de alimentos vegetais, ao usarem-se os adubos de síntese mineral, ou mesmo quaisquer outros fatores produtivos, pode ser necessário olhar, antes, para a obtenção do ótimo físico, isto é, para a máxima produção de alimentos obtenível num dado condicionalismo, independentemente dos encargos que lhes estejam associados.

Também em muitos casos, aliás dia a dia mais frequentes, poderá ser mais prudente, ou mesmo indispensável, usar os fatores de produção de forma a não ultrapassar o chamado ótimo ecológico, isto é, até àquele ponto em que vão melhorar, ou, pelo menos, não prejudicar, a qualidade do ambiente, nas suas componentes associadas á fertilidade dos solos, a certos aspetos da qualidade das águas e dos produtos vegetais, e até da atmosfera.

Deve notar-se que, enquanto os ótimos físico e económico são grandezas fáceis de calcular com rigor, já o ótimo ecológico, por ter ainda hoje uma forte componente subjetiva, e por estar associada a vários fatores inter atuantes, será sempre de mais difícil quantificação.

 

NOTA FINAL

Na exposição que temos vindo a efetuar, só muito ao de leve falámos no problema da qualidade dos produtos agrícolas, facto que, aparentemente, seria uma grande falha da nossa parte. Na realidade, não ignoramos que é sobretudo com base numa pretensa melhoria de qualidade que os agricultores biológicos justificam os preços mais elevados dos seus produtos. Acontece porém que, pelo menos no que se refere a um possível contributo suscetível de ser associado á não aplicação de adubos de síntese mineral, a influência é, com certeza, praticamente nula.

Aliás, a propósito da qualidade dos produtos agrícolas, convém lembrar que, salvo em casos muito concretos, é bastante difícil, ainda hoje, utilizar parâmetros suscetíveis de serem facilmente quantificáveis. Assim, pode ser um parâmetro objetivo dizer que um produto é de má qualidade, por exemplo quando, devido ao uso de certos fertilizantes, os alimentos vegetais acumulam teores de metais pesados, nomeadamente de cádmio, que os podem tornar mesmo impróprios para consumo.

Certos aspetos, como por exemplo o poder de conservação dos produtos, a apresentação de excessivos teores de nitratos e o abaixamento do teor de glícidos são por vezes associados a uma excessiva absorção de azoto pela planta. Acontece, no entanto, que tais fenómenos, a ocorrerem, serão normalmente consequência não do azoto considerado isoladamente mas antes de um desequilíbrio provocado pela absorção de outros nutrientes em quantidades que, perante a absorção de mais azoto também deviam ser absorvidos em maiores quantidades. Trata-se de uma situação que, embora não sendo de excluir a possibilidade de não ocorrer quando não se utilizem adubos de síntese mineral, também pode ser evitada e, por certo de forma mais prática e eficaz, recorrendo ao uso daqueles fertilizantes.

De qualquer modo, a qualidade dos produtos agrícolas, quando associada ao uso dos fertilizantes, em particular dos adubos de síntese mineral, terá sempre, ainda hoje, um caráter muito empírico e altamente subjetivo. Em boa verdade, o conceito de qualidade é completamente diferente consoante seja observado numa ótica de produtor, de comerciante ou de consumidor. Assim: para o produtor, a qualidade confunde-se com o mais elevado preço que lhes possa ser pago; para o comerciante a qualidade confunde-se com a maior ou menor margem de lucro que possa obter; para os consumidores, nos quais todos nós nos incluímos, a qualidade, de um modo geral, pouco ou nada tem a ver com um conceito biológico, sendo determinada, isso sim, pela apresentação, a embalagem e, sobretudo, pela publicidade que se faça aos produtos.

Ainda a propósito da qualidade dos produtos parece-nos conveniente chamar a atenção para algumas afirmações que por vezes se fazem nos órgãos de comunicação social, nomeadamente na televisão, as quais, não tendo contraditório ou tendo um contraditório deficiente em termos científicos, fazem passar mensagens incorretas. A título de exemplo, refiro um recente programa de televisão em que um adepto da agricultura biológica (mais concretamente um suinicultor) respondeu ao entrevistador, quando interpelado sobre a possibilidade de no momento de crise em que o país se encontra, os consumidores não teriam maior dificuldade de acesso a produtos que são mais caros, obteve a seguinte resposta: «quando os consumidores utilizam produtos biológicos, como são melhores, não precisam de comer tanto; e, por outro lado, vão gastar menos dinheiro em medicamentos». Ora é evidente que uma tal resposta não pode ter qualquer fundamento científico. Os produtos serão melhores em quê? Serão melhores porque são mais saborosos? Se assim for, tudo leva a crer que as pessoas até tenham tendência para comer mais! Serão melhores em termos de qualidade biológica? Não existe qualquer demonstração de que assim seja. Por fim, quanto a uma potencial redução no consumo de medicamentos também não existem quaisquer provas de que tais produtos tenham maior qualidade sanitária. Aliás, como já se referiu, em certos casos pode até acontecer precisamente o contrário!

Saliente-se, entretanto, que quando se trate de outros fatores produtivos, nomeadamente o uso de pesticidas, o problema da qualidade dos produtos vegetais pode tornar-se mais objetivo, se associado, por exemplo, á presença de resíduos perigosos para a saúde dos consumidores. No entanto, mesmo nestes casos, e ressalvada que esteja a proibição de produtos que já se saiba que nunca podem ser usados, parece ser de aconselhar seguir o princípio da precaução máxima e não o princípio do risco zero, já que este último é paralisante em termos científicos. Aliás, e ainda a propósito dos pesticidas, valerá a pena recordar uma célebre e muito antiga frase: «a diferença entre um remédio e um veneno é, apenas, uma questão de dose». Esta frase, embora citada por vários autores a propósito dos pesticidas, pode continuar a ter validade quando aplicada a outros fatores produtivos, como sejam os adubos de síntese mineral que foram particularmente referidos nesta palestra, os corretivos minerais e orgânicos, a água de rega, etc.

Em relação ao potencial efeito prejudicial do uso dos adubos de síntese mineral em certos aspetos direta e/ou indiretamente relacionados com o ambiente (que cremos ter demonstrado poderem sempre ser evitados), apenas quereríamos acrescentar que o ambiente, no seu complexo e vasto conjunto, estará, forçosamente, em mudança, pelo que deverá sempre ser encarado numa perspetiva dinâmica e não numa perspetiva estática. Esta realidade era, aliás, já conhecida quando, cerca de 500 anos a. C., um célebre filósofo, Heráclito, afirmava: «no mundo nada é constante senão a mudança»!

Devemos, com o uso dos adubos de síntese mineral, e de todos os outros fatores de produção, procurar não acelerar a mudança, mas será ilusório pensarmos que podemos evitá-la

Ainda a propósito do ambiente, e em particular da tão falada e receada poluição atmosférica, recordamos que, como anteriormente já se disse, a influência do uso dos adubos de síntese mineral é, na quase totalidade dos condicionalismos, praticamente nula. Pelo contrário, como há já mais de 50 anos escrevemos a propósito dos fertilizantes em geral, «não deve esquecer-se que os fertilizantes, ao contribuírem para um maior desenvolvimento vegetativo, aumentam a fotossíntese, aumentam a libertação de oxigénio, dilatam o pulmão da Humanidade».

Para finalizar, eu bem gostaria de poder hoje responder afirmativamente a um meu ex-aluno, que há cerca de quatro décadas, então já adepto da chamada agricultura biológica, me perguntava se eu, ao menos, não lhe dava o benefício da dúvida! Acontece, porém que, pelo menos tanto quanto eu sei, não houve, neste domínio concreto, qualquer evolução dos conhecimentos que me leve a alterar o que sempre pensei da impropriamente chamada agricultura biológica. Tenho pena de não poder dar o benefício da dúvida; mas talvez possa, isso sim, dar a certeza da dívida no dia em que este tipo de agricultura deixe de ser subsidiado!

Na realidade, e pelo menos enquanto não for revista a atitude referente á proibição do uso de adubos de síntese mineral, eu continuarei a afirmar que, na quase totalidade dos condicionalismos que ocorrem no nosso país, a impropriamente chamada agricultura biológica ainda hoje não é, e nem creio que possa vir a ser, mais do que uma espécie de «manobra de diversão». A meu ver, trata-se de um mito que, muito provavelmente, só poderá tornar-se realidade com a intervenção de divindades. Daí parecer-me que talvez não fosse de todo errado chamar-lhe agricultura mitológica.

 

Recepção/Reception: 2011.10.14
Aceitação/Acception: 2011.10.14

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