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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.11 Porto jun. 2014

 

Editorial: Consensos em saúde mental – diagnósticos, intervenções e resultados

 

Carlos Sequeira*

*Doutor em Ciências de Enfermagem; Presidente d’ A Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental; Diretor da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental; Coordenador do Grupo de Investigação NursID: Innovation and Development in Nursing – CINTESIS – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem do Porto, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072 Porto, Portugal. E-mail: carlossequeira@esenf.pt

 

Caras (os) colegas,

A edição do número 11 da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental surge na véspera da realização do Seminário Internacional de Investigação em Saúde Mental e do V Congresso Internacional d’ ASPESM dedicado aos "Consensos em Saúde Mental", que se realizam entre 18 a 20 de junho de 2014 no Hospital de Braga. O elevado número de propostas sugere uma excelente oportunidade de partilha de boas práticas e de resultados de investigação que carecem de ser divulgados.

Para este número da revista submeteram-se um conjunto significativo de artigos de diversas áreas do saber, o que implicou um trabalho acrescido para a comissão editorial e científica, às quais queremos deixar o nosso agradecimento pelo empenho e rigor com que têm analisado as propostas de publicação, e contribuído de forma decisiva para a qualidade da revista. Por isso, alguns artigos que não puderam ser publicados neste número serão publicados nos números seguintes, o que nos possibilitará um maior período de tempo para o processo de revisão.

 

Consensos em Saúde Mental: Diagnósticos, Intervenções e Resultados

Nesta edição da revista selecionamos seis artigos de investigação e um artigo de boas práticas. Os artigos de investigação abordam instrumentos de avaliação sobre: razões para viver; burnout e interação trabalho-família; e saúde mental positiva. Os artigos sobre intervenções abordam: atividades de ocupação terapêutica; comunicação terapêutica; e competências para a reabilitação psicossocial. Selecionamos ainda um trabalho sobre boas práticas: "Projeto Mensanus – ganhos em saúde mental", uma vez que esse é também um dos principais objetivos da revista.

No editorial deste número da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental problematizaremos a necessidade de consensos em Saúde Mental, essencialmente aqueles que importam e relevam para o exercício profissional dos enfermeiros.

Considera-se que nesta área é necessário evoluir no sentido de construir consensos em vários domínios, dos quais destacamos os conceitos, as classificações, os diagnósticos, as intervenções e os resultados.

Ao nível dos conceitos verifica-se que proliferam várias termos com semânticas muito similares, e que importa clarificar de modo a evitar redundâncias, a facilitar as prescrições e a possibilitar uma melhor avaliação. Por exemplo, ao nível das intervenções psicoterapêuticas existem varias intervenções com "rótulos diferentes", mas que na prática clinica são prescritas de forma indiscriminada e as diferenças de conteúdo não são significativas – ex.: estimulação cognitiva; terapia pela reminiscência; remediação cognitiva; reabilitação cognitiva,... Com este exemplo podemos ver a amplitude das implicações da existência da multiplicidade de termos. Se nos centrarmos num serviço e em pessoas com o mesmo problema poderão ser-lhes indicadas nomes de intervenções diferentes, quando na realidade são similares, o que tem impacte na continuidade de cuidados e na avaliação dos resultados. Por isso, urge investir na clarificação dos conceitos, desde logo, com o conceito saúde mental na atualidade. O que se entende por saúde mental positiva (resiliência mental), saúde mental negativa (vulnerabilidade), normal e patológico, entre outros.

Ao nível das classificações somos confrontados com uma revisão do DSM-IV - o DSM 5, que nos oferece um conjunto de alterações que não são consensuais. Por exemplo ao nível dos distúrbios globais do desenvolvimento, distúrbio cognitivo leve, distúrbio disfórico pré-menstrual, entre outros, existem muitas dúvidas sobre as suas caraterísticas definidoras e como em muitos casos se podem confundir com a "normalidade". Em termos da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), também se verifica que algumas definições carecem de maior robustez, de forma a diminuir a subjetividade inter-individual. Por outro lado, há um conjunto de termos, sinais e sintomas que constam na classificação e outros em que não há qualquer referência. Nesta classificação também é importante consensualizar os focos, que podem ser agrupados para facilitar a descrição e a prescrição de intervenções – ex.: quando devemos ter por foco a cognição em vez da memória e orientação, ou a confusão em vez de memória e orientação; a depressão em vez de tristeza, vontade de viver diminuída, humor depressivo,... As classificações são uma forma de consensualizar conceitos, diagnósticos, e por isso são uma mais-valia imprescindível para a prática clinica. No entanto, em alguns casos carecem de investigação que as suporte. No que se reporta aos enfermeiros é fundamental investigar sobre quais os focos que devem constar na CIPE, de modo a que esta traduza as necessidades das pessoas nos diferentes contextos em que se encontram (hospital/comunidade).

Em termos dos diagnósticos verifica-se que, na atualidade, se dispõe de um conjunto significativo de recursos estandardizados, como escalas, índices, indicadores, etc. Por isso, o desafio está em consensualizar quais os melhores instrumentos a utilizar em função quer do doente, quer do contexto em que o mesmo se encontra. Por exemplo, num serviço de internamento de psiquiatria qual o melhor instrumento para avaliar a ansiedade, a impulsividade, o risco de agressividade,... O que se verifica é que cada instituição adota o instrumento que lhe parece mais adequado e não aquele que é suportado por maior evidência. As diferenças de avaliação são necessárias e desejáveis desde que surjam a partir de necessidades diferentes ou de objetivos diferentes. Por isso, faz sentido investigar na validação de instrumentos para a população portuguesa que nos permitam caraterizar melhor cada necessidade em cuidados de enfermagem. Em termos do processo de diagnóstico, a CIPE veio criar algumas regras uniformizadoras. Agora importa consensualizar o conjunto de dados mínimos que nos permite "dizer" com rigor que determinado diagnóstico está presente, ou seja, qual a completude de determinados dados face a um determinado diagnóstico, clarificando quais os dados que são indispensáveis para o enunciado diagnóstico e quais os dados que são acessórios, mas que permitem uma melhor caraterização de determinado enunciado. Em saúde mental este trabalho é fundamental pois, de outro modo, podemos referir que todos os dados são importantes e, neste registo, é impossível recolher todos os dados, pelo que cada um recolhe aqueles que considera mais relevantes. Por exemplo, para o risco de tentativa de suicídio, todos os dados do sujeito importam, mas há um conjunto de dados que revelam um maior efeito "preditor" e por conseguinte uma maior utilidade diagnóstica face a outros. Com base na evidência científica é necessário encontrar esses consensos, entre o que é necessário, o que é desejável e o que é dispensável.

Em termos de intervenções verificamos que há duas áreas fundamentais e sobre as quais é necessário refletir para a existência de um maior consenso clinico. Uma está relacionada com a prescrição e outra está relacionada com a sua execução das várias intervenções. Em termos de prescrição é importante consensualizar quais as intervenções que apresentam potencial terapêutico para os diferentes diagnósticos. Parece óbvio que se trata de uma área que carece de investigação sobre os diferentes níveis de efetividade das intervenções em função de determinados diagnósticos e das situações clinicas dos utentes pois, de outra forma, parece que todos as intervenções "servem" para todos os diagnósticos. A NANDA-NIC-NOC fornece-nos um conjunto de informações muito úteis para este registo. No entanto, as mesmas carecem de validação para o contexto português, uma vez que a realidade nos Estados Unidos da América é diferente da portuguesa, quer ao nível dos contextos quer ao nível das funções dos profissionais. Em Portugal utilizamos a CIPE com taxonomia e não a NANDA pelo que se deve avaliar quais as inter-relações possíveis entre os diagnósticos com base na (CIPE) e os diagnósticos com base na (NANDA) e depois iniciar o processo de criação de arquétipos que nos permitam estabelecer uma relação com integridade referencial entre os diagnósticos e as intervenções. Ao nível das intervenções também se verifica que existem muitas intervenções que não são intervenções, mas sim atitudes (boa prática), que existem intervenções sem diferenças significativas de conteúdo (incentivar, encorajar, motivar...; ensinar, educar, informar), e outras vazias de conteúdo. O desafio está em criar consensos sobre que intervenções privilegiar em situações similares – padrões de qualidade das práticas. Relativamente à sua execução/implementação, também é importante que se consensualizem os procedimentos que devem ser adotados para determinada intervenção. Por exemplo se um enfermeiro refere que executou uma intervenção denominada de "Relação de ajuda" supõe-se que ele tenha cumprido uma série de pressupostos que devem estar explícitos e disponíveis. Por isso, a criação de procedimentos para cada intervenção é fundamental para a garantia da implementação de práticas de qualidade. A sua ausência traduz que cada profissional pode dizer que executou uma intervenção, mas no concreto ter efetuado coisas totalmente diferentes. Ainda ao nível das intervenções é também necessário consensualizar os "rótulos" das intervenções, no sentido de se contribuir para a redução do número de intervenções que em termos procedimentais não acrescentam conteúdo significativo.

Por último, em termos de indicadores é importante definir quais os indicadores que se devem extrair em função dos diferentes contextos. Parece evidente que num serviço de intervenção intensiva os indicadores deverão ser diferentes de um serviço de Psicogeriatria, ou de um serviço de hospital de dia. Por isso, o que importa é em função dos indicadores epidemiológicos de cada contexto determinar quais os indicadores de resultados que são mais relevantes. Não faz sentido, por exemplo, num serviço de intervenção intensiva, onde o número de dias de permanência é de dois a três dias no máximo, ter um indicador de resultado sobre a prevenção de úlceras pressão e não ter um indicador sobre o risco de agressividade ou agitação.

Como se pode constatar, a necessidade de consensos em diversas áreas é uma necessidade emergente para a implementação de padrões de qualidade onde o "SOMAR", enquanto agregador de consensos, é uma mais-valia para as pessoas.