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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.206 Lisboa jan. 2013

 

Narrativas em perspetiva sobre a história da sociologia em Portugal1

 

Frederico Ágoas*

*CesNova, FCSH, Universidade Nova de Lisboa e Departamento de Estudos Ibéricos e Latino-Americanos, Birkbeck, Universidade de Londres. E-mail: fagoas@gmail.com

 

INTRODUÇÃO

 

É comum sugerir-se que a plena afirmação das ciências sociais em ­Portugal é relativamente tardia. Quanto à sociologia, em particular, teria sido preciso esperar pela revolução de 25 de abril de 1974 e pela instauração da democracia para ver a disciplina vingar em toda a sua plenitude académica. Simetricamente, assume-se, a vigência de um governo ditatorial durante quase meio século (1926-1974) explicaria por si mesma – ou mais do que qualquer outro factor, pelo menos – o reputado atraso luso no panorama internacional daquelas ciências. É corrente, por exemplo, a evocação de máximas lapidares do ditador Oliveira Salazar em que este faria equivaler “sociologia” e “socialismo”; como corrente é também a ideia mais geral de que vigoraria então ao mais alto nível político o receio expresso de que uma eventual sociologia pudesse descobrir as disparidades sociais que o regime fascista tanto se ­empenhou em ocultar.2 É bem verdade que o Estado Novo levantou entraves ao livre ­desenvolvimento das ciências sociais, como, de resto, ao livre progresso das ciências em geral. Mais que isso: começou por aniquilar boa parte do débil aparelho científico-institucional que herdou da I República, separando a investigação do ensino; impediu que muitos escritores e investigadores pudessem apresentar livremente os seus trabalhos; e chegou mesmo a afastar da universidade diversos docentes por motivos políticos. Quanto a isto não haja dúvidas. Nem por isso se pode afirmar, contudo, que a sociologia surge do nada, por geração espontânea, no limiar do regime democrático.

De facto, e tal como o comprovam trabalhos mais ou menos recentes sobre o tema, à data da revolução a disciplina possui já consideráveis “antecedentes” – como é comum descrever os seus primórdios oitocentistas mais distantes –, mas também a sua “presença, parcial e discreta”, nos derradeiros anos da ditadura, que entretanto teria passado a “tolerá-la” (Almeida et al., 1999, p. 19). Como teremos oportunidade de ver, aliás, à data da revolução, a disciplina faz parte de diversos currículos académicos e existe já uma licenciatura em Sociologia, outra em Ciências Sociais e outra ainda em Ciências do Trabalho, de acentuando pendor sociológico. Nalguns casos, refira-se, com o apoio de importantes setores do Estado Novo ou até mesmo no seguimento mais ou menos direto de medidas da sua própria iniciativa.

Na realidade, creio, a perceção do atraso relativamente à afirmação da sociologia em Portugal procede em boa medida da projeção no passado de uma figura epistémica de contornos académicos perfeitamente definidos – uma disciplina – que de facto, e enquanto tal, só começou a ganhar forma (em Portugal como noutros locais, sublinhe-se) na segunda metade do século XX. Mais especificamente, tal perceção procede da vinculação historiográfica de uma rutura epistemológica entre um passado pré-disciplinar e um presente propriamente científico que, não sendo arbitrária, naturaliza no seu resultado culminar o processo de disciplinarização a que foram submetidas diversas formas de conhecimento científico-social, e anula a ascendência que sobre ele tiveram outras tradições académicas, mas também o Estado, entre outros intervenientes não académicos.3 Não sem efeitos ao nível da imagem corrente do processo de constituição e desenvolvimento da sociologia em Portugal (e das ciências sociais no seu todo) e da dignidade histórica atribuída àqueles “antecedentes”, como veremos. Dito isto, e para ser perfeitamente claro, o objetivo genérico do presente texto consiste em questionar não tanto a ideia do atraso português nesta matéria, mas mais propriamente a força de narrativas que o tomam por adquirido. É que, independentemente das suas virtudes, semelhantes narrativas tendem a gerar importantes efeitos de desconhecimento sobre aspetos centrais da história das ciências sociais em Portugal. Aqui procurar-se-á justamente atender a alguns dos limites dessa abordagem que considero consagrada, que quando refere aqueles e outros “antecedentes” ora tende a depreciá-los, ora a considera-los marginais à narração que constrói.

Começarei então por efetuar um exercício de história do conhecimento recuperando três textos dessa fase de transição da década de 1950 para a década de 1960 que lhe servem de perfeita ilustração e que assinalam o momento inaugural da narrativa que, tal como procurarei demonstrar, lhe corresponde. Paralelamente, e com base nesses mesmos textos, tratarei de fixar alguns dos principais marcos dessa pré-história da sociologia em Portugal, para abordar depois de forma sistemática, a concluir, alguns desses efeitos a que chamei de desconhecimento, gerados por aquela narrativa.

 

UM EXERCÍCIO DE HISTÓRIA DO CONHECIMENTO

 

Começo então por evocar três textos – três histórias – de meados do século XX cujas datas de publicação não estão separadas entre si por mais de sete anos, mas que veiculam duas atitudes muito distintas – na realidade opostas – relativamente à história da sociologia em Portugal e das ciências sociais em geral.

Em 1956, as páginas da revista Imprensa Médica abriam-se a um complacente “Esboço da história das ciências do homem em Portugal” assinado por um discreto médico higienista, Fernando da Silva Correia. Laborioso polígrafo, autor, entre outras obras, de duas peças de teatro (A Máscara, A Sombra de Esculápio) e de um romance (Vida Errada), foi também tradutor de Júlio Verne e de obras de medicina social, área em que assinou ainda alguns trabalhos originais, entre os quais se deve destacar Portugal Sanitário, extensa síntese do estado da saúde pública da nação (Correia, 1938). Profissionalmente assumiu funções de inspetor da 3.ª área de saúde escolar, de delegado de saúde e de professor do curso de Administração Sanitária no Instituto de Higiene Doutor Ricardo Jorge, de que foi também diretor; era ainda membro do muito ativo grupo português de história da ciência (Calafate, 2000, pp. 541-582) – facto que ajudará a explicar a redação do trabalho em apreço. Na realidade, a obra posicionava-se explicitamente como “réplica portuguesa” a um livro estrangeiro, Vers la médecine sociale, dedicado à formação dessa ­subespecialidade médica, onde, em capítulo próprio, se procedia à inspeção dos contributos dos diversos países para o “progresso das ciências do homem”, e onde se afirmava serem reduzidos ou nulos os sucessos portugueses nesse domínio (Sand, 1948). Movido também por despeito, Silva Correia propunha-se então, ao longo de cinco fascículos, a rever os contributos lusos para aquelas ciências, já depois de ter retorquido ponto por ponto aos restantes capítulos da obra – sucessivamente centrados nas histórias da organização hospitalar, da higiene pública, da assistência social e das ciências do homem, de cuja evolução aquela medicina constituiria natural corolário (Correia, 1956).

Mais do que os conteúdos do texto ou a revisão histórica a que o autor submetia cada uma das ciências tratadas, interessa começar por sublinhar a publicação de uma história das ciências humanas numa revista de medicina, facto só na aparência extravagante; mas é o próprio elenco de saberes abordados que importa destacar (e que de certa forma justifica a opção) – em concreto, estatística, demografia médico-social, antropologia, biotipologia, psicologia, psicologia social, medicina psicossomática, sociologia descritiva, genética e eugenia, política da população, política da família, pedagogia, criminologia e penologia. Importa destacar, efetivamente, a perfeita indistinção entre ciências naturais e sociais que estruturava o texto; mas sobretudo a amálgama entre conhecimentos científicos e políticas sociais que o caracterizava – prática até então relativamente corrente e que nos deverá dizer desde já alguma coisa acerca da procedência compósita das ciências humanas e da potencial relevância das políticas públicas na sua constituição. De facto, e ao contrário do que é hoje vulgar, os diversos itens considerados encontram-se então agrupados não tanto pelo tipo de abordagem, mas pelo respetivo objeto – no presente caso, o Homem; este aspeto tinha, de resto, rigorosa correspondência no que toca aos limites (igualmente difusos) dos próprios saberes considerados.

Relativamente à sociologia, em particular, o autor identificava uma verdadeira abundância que, entre outros itens, contemplava ocorrências tão distintas quanto a penetração do positivismo de Auguste Comte no meio intelectual português a partir da década de 1880, a criação do Centro Académico da Democracia Cristã e da sua revista Estudos Sociais, ou a influência da designada “sociologia descritiva”, inspirada nos métodos de Frédéric Le Play, no final da monarquia e nos primeiros anos do Estado Novo; mas também, sublinhe-se a realização de algumas “monografias de localidades, indústrias e instituições”, elaboradas por alunas do Instituto de Serviço Social de Lisboa, e a execução de “topografias médicas” redigidas por alunos do curso de Medicina Sanitária do Instituto Superior de Higiene (Correia, 1956, n.º 7, pp. 400-402) – áreas adjacentes aos encargos profissionais do autor.

A relativa prodigalidade da sociologia portuguesa seria confirmada num outro texto originalmente redigido em 1958 e publicado em 1962 por ­Fernando Falcão Machado nas páginas de um jornal regional de Coimbra – o jornal Expansão – intitulado “Sociologia em Portugal” e que veiculava, também ele, uma imagem bastante difusa dessa forma de conhecimento. O autor era um empenhado sociólogo, necessariamente amador, professor de liceu de profissão, mas um dos primeiros representantes nacionais em congressos internacionais da disciplina. Quanto ao texto, tratava-se de uma versão ampliada de um artigo originalmente publicado numa obra de referência norte-americana – Contemporary Sociology (Roucek, 1958) – dedicada ao estado de desenvolvimento da sociologia nos Estados Unidos da América e noutros países (entre os quais Portugal) e onde, para além de incontáveis publicações mais ou menos avulsas e do advento das primeiras ideias mutualistas, na primeira metade do século XIX, e socialistas, na segunda metade do mesmo século, Falcão Machado começava por destacar, também ele, a receção do positivismo comteano entre a intelectualidade republicana portuguesa de finais de oitocentos e a instituição das primeiras cadeiras de sociologia na Faculdade de Direito de Coimbra, como Sociologia Fundamental e Filosofia Geral do Direito (1889), entre outras – o que, de resto, e tal como sublinhava, teria feito de Portugal “um dos países em que a Sociologia mais cedo ingressara nos quadros do ensino oficial” (Machado, 1962, p. 2).

Da sequência natural do texto, contudo, destacava-se uma outra tradição científico-social de origem francesa, relativamente ignorada, mas que viria a ter expressão particularmente pronunciada em Portugal: a designada “Ciência Social” da Escola de Frédéric Le Play, de que o autor representava de certa forma um derradeiro representante luso.

Engenheiro de Minas francês, Frédéric Le Play (1806-1882) foi, como se sabe, um dos precursores da sociologia empírica. A este respeito, aliás, ­talvez valha a pena lembrar que a nomeação “sociologia” começaria por designar uma forma de conhecimento essencialmente especulativa – recorde-se a natureza abstrata dos trabalhos do francês Auguste Comte, ou do inglês Herbert ­Spencer, que primeiro se reclamariam do termo. Ora, Le Play aproveitaria as suas funções de especialista metalúrgico para praticar a observação positiva dos factos sociais e para entrar em contacto direto com as populações operárias de diversos países europeus, com objetivos reformistas declarados, ­procurando nomeadamente pôr cobro ao radicalismo operário emergente. Em Les ouvriers européens (1865), a principal obra da sua extensa bibliografia, e verdadeiro manifesto daquela tendência, apresenta três dezenas de monografias familiares e expõe o método da sua Ciência Social, assente sobretudo na realização seriada daquelas monografias e na determinação dos orçamentos domésticos das famílias. À data da sua morte deixará instalado um dispositivo institucional suficientemente firmado para que os seus seguidores possam preservar e desenvolver o seu legado. Figuras como Henri de Tourville e Edmond Desmolins destacar-se-ão num grupo reunido em torno da revista francesa La Science sociale, que alargaria decisivamente as ambições científicas daquela escola e amplificaria o alcance metodológico e teórico da monografia familiar.

Suplantada em França pela sociologia de Émile Durkheim, a influência desta Ciência Social estender-se-ia entretanto a diversos países europeus e aos Estados Unidos da América, onde resistiria à extinção. Nalguns deles (e neste último em particular), tal tradição revelar-se-ia aliás de especial importância na institucionalização académica da sociologia propriamente dita. Em ­Portugal, como disse, e tal como denotava o artigo de Falcão Machado, a sua ascendência institucional e intelectual far-se-ia sentir durante boa parte da primeira metade do século XX. A este respeito, o autor começava por referir a visita ao país do secretário-geral da Sociedade Internacional de Ciência Social (Joseph Durieu), em 1908, que realizaria conferências na Sociedade de Geografia de Lisboa sobre o “estado actual da ciência social”, entre outros temas; visita à qual sobreviria o convite por parte da Liga de Educação Nacional a outro destacado “sociólogo” da mesma escola, Léon Poinsard, para vir trabalhar em Portugal (1909), na sequência do interesse manifestado pelo monarca D. Manuel II em utilizar a Ciência Social para um plano de reformas. Da estadia resultaria a publicação daquele que é o primeiro trabalho de sociologia empírica sobre o país, Portugal Ignorado, assinado por Poinsard (1912) e realizado em colaboração com alguns entusiastas do método monográfico. Autêntica carta económico-social da nação onde se passava em revista o estado geral da agricultura, indústria e comércio, da vida pública e da vida familiar, Portugal Ignorado constitui ainda hoje fonte insubstituível para a história social portuguesa do princípio do século XX. Os seus ecos começariam por reverberar na edição de alguns artigos do engenheiro belga Paul Descamps no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, na fundação da Sociedade Portuguesa de Ciência Social (1918) e na publicação de Sciencia Social. O Méthodo, de José Fontes (1918), e de outras obras nacionais de caráter metodológico ou especulativo, direta ou indiretamente inspiradas na mesma tendência. Falcão Machado apontava-as4.

No seguimento destes trabalhos e destas iniciativas, contudo, importa sobretudo registar – ainda segundo o mesmo autor – a abertura em 1930- -1931 de um curso de sociologia (em rigor, de “Ciência Social”) na Faculdade de Direito de Coimbra, regido por Paul Descamps e realizado por sugestão de Oliveira Salazar, à data ministro das Finanças e admirador de longa data dos princípios corporativistas e social-católicos subjacentes aos trabalhos de Le Play. O curso viria a ser repetido um ano mais tarde, na Faculdade de Direito de Lisboa. De ambas as iniciativas resultaria o manual La sociologie expérimentale, de 1933 (e que Falcão Machado passava em claro), e a realização de monografias familiares por parte dos alunos de ambas as faculdades, num total de 90 colaboradores. Igualmente de Paul Descamps, cumpre ainda dar nota da publicação de “Les répercussions sociales du climat du Portugal” (1934), texto que acusava abertamente o marcado pendor naturalista da sociologia inspirada em Le Play; e destacar o seu principal trabalho sobre o país, Le Portugal. La vie sociale actuelle (1935), sucessor de Portugal Ignorado, e também ele importante para a reconstituição da vida social portuguesa na primeira metade do século XX.5 Refira-se a propósito que já depois da partida de Descamps, que manteria o seu curso em Lisboa até 1934, Marcello Caetano, futuro sucessor de Oliveira Salazar na presidência do Conselho de Ministros, e então docente na Faculdade de Direito de Lisboa, começaria por assumir aquela orientação sociológica nas suas lições de Direito Administrativo e incitaria, também ele, os seus alunos à realização de monografias locais (cf. Universidade de Lisboa, 1935) – aparentemente sem grande sucesso.6

De resto, a avaliar pelo relato de Falcão Machado, a sociologia portuguesa de inspiração leplaysiana sobreviveria apenas de forma muito mitigada a este seu fulgor inaugural, entre as décadas de 1910 e 1930. Assim, em 1941, o refugiado polaco Stefan Wloszczewski apresentaria na Universidade de Coimbra uma conferência designada “Le diagnostique de Poinsard sur le Portugal…” (Wloszczewski, 1941), que retomava uma outra comunicação submetida a um Congresso Nacional de Ciências da População, de 1940 (e acerca da qual Machado nada dizia)7; e, em 1945, o próprio Falcão Machado publicaria um razoável resumo da metodologia da Ciência Social intitulado “Considerações sobre o método em Sociologia” (Machado, 1945). Em boa verdade, a influência doutrinal da Ciência Social de Le Play persistiria marginalmente no lançamento de algumas iniciativas de cariz assistencialista, públicas e privadas, inspiradas nas suas orientações reformistas, nomeadamente na instituição dos cursos de Serviço Social em Coimbra, Lisboa e Porto; e persistiria também, entre setores sociais católicos (e em particular no âmbito das Semanas Sociais Portuguesas), na publicação de alguns trabalhos especulativos, mais ou menos afins àquela tendência – e que Falcão Machado anotava indistintamente.8 A influência desta Ciência Social persistiria ainda, de forma indireta mas particularmente pronunciada, num importante acervo de trabalhos científico-sociais do Instituto Superior de Agronomia sobre os quais nada se dizia (Ágoas 2010a, 2010b).9

Já na segunda metade do século XX, à margem destes desenvolvimentos e na extensão mais ou menos direta da ação do Estado, Falcão Machado começava por referir a realização de uma série de lições de sociologia na Escola Superior Colonial (1952), proferidas pela socióloga belga France Govaerts Marques Pereira e de que resultaria a correspondente publicação (Pereira, 1954).10 Na sua sequência surgiriam então “numerosos trabalhos de sociologia”, dizia o autor, relativos às províncias ultramarinas e realizados na mesma instituição do Ministério do Ultramar, destinada fundamentalmente à formação de quadros coloniais, e que entretanto se passaria a designar Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, primeiro, e, um pouco mais tarde (então na co-dependência do Ministério da Educação Nacional), Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina – respetivamente em 1954 e em 1962. Antes ainda, e por iniciativa direta do governo, afirmava-se, haviam sido implantados “estudos sociológicos” em todos os cursos de Engenharia do ensino superior e no curso de Agronomia (1955). Referia-se também a publicação de uma revista de Estudos Sociais e Corporativos (1962), órgão do Centro de Estudos Sociais e Corporativos, do Ministério das Corporações (criado em 1959), e o lançamento do Plano de Formação Social e Corporativa (1956), que previa a criação de “instituições de estudo e aplicação do Serviço Social e do Trabalho” e ao abrigo do qual seriam instituídos este e outros centros congéneres; e, finalmente, a criação no início da década de 1960 do Instituto de Estudos Sociais (junto do mesmo ministério), originalmente destinado à organização de cursos de nível superior em ciências sociais e corporativas e à formação de quadros técnicos daquele organismo.

“Tal é, em resumo, a história da sociologia em Portugal”, afiançava então o autor (Machado, 1962, p. 12). Enfim, uma miríade de ocorrências de onde sobressaía a hegemonia da linhagem de Le Play e a aparente saliência da ação do Estado.

Ora, semelhante abundância (e isto à margem dos seus eventuais méritos) contrastava sobremaneira com o panorama traçado num outro texto, de ­António da Silva Leal, também ele intitulado “A sociologia em Portugal” e publicado em 1963, um ano depois daquele. Na realidade tratava-se de réplica explícita ao artigo de Falcão Machado, de onde ressaltava a crítica implícita ao seu entusiasmo e a conspícua ausência de qualquer referência ao leplaysianismo português. Aí, face ao que se considerava ser a “escassa” produção sociológica nacional, pugnava-se pelo desenvolvimento de “estudos e inquéritos” que permitissem “conhecer o melhor possível a realidade que nos rodeia e de que fazemos parte” (Leal, 1963, p. 135). Efetivamente, declarava o autor, à falta de espírito científico em geral acrescia a inexistência de enquadramento universitário adequado, que pudesse servir de base ao desenvolvimento autónomo da disciplina; juízo aliás generalizável à maior parte das ciências humanas, afirmava, mas com contornos particularmente salientes no caso da sociologia. O autor apontava, também ele, os seus primórdios positivistas no meio intelectual português e na academia em particular, e a influência de Auguste Comte, de cujo Cours de philosophie positive a sociologia teria emergido já organizada: “Será possível encontrar ao longo da história do pensamento ocidental, prenúncios da constituição da sociologia, mas nenhuma outra disciplina pôde, como ela, nascer já com uma aparência de maturidade” (Leal, 1963, p. 132). Paradoxalmente, afirmava, a subida ao poder dos seus mais acérrimos defensores republicanos, em 1910, acabaria por significar a exclusão da sociologia dos currículos universitários. Seria então preciso esperar meio século pelo “regresso da sociologia à universidade”, em Engenharia e Agronomia, mas onde não possuía, sugeria-se, possibilidades de vingar (Leal, 1963, p. 134).

António da Silva Leal era então membro associado do Centro de Estudos Sociais e Corporativos e relativamente próximo da primeira geração de “sociólogos informais” liderados pelo economista de formação Adérito Sedas Nunes (que, à data da instituição daquele centro, assumiria a respetiva direção). Originalmente reunidos neste e noutros institutos da orgânica estatal ou corporativa, começavam então a dar corpo a um processo de renovação das ciências sociais portuguesas – nomeadamente no recém-criado Gabinete de Investigações Sociais (GIS), anexo ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), e sobretudo através da sua revista, Análise Social. António da Silva Leal seria igualmente um dos envolvidos nos trabalhos ­preparatórios que em 1962 conduziriam à publicação do diploma criador do já referido Instituto de Estudos Sociais, onde ele próprio e Sedas Nunes viriam a lecionar.11 Dez anos depois, em boa parte por ação deste último, o IES passaria a Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), no qual viria finalmente a ser formalizada a primeira licenciatura em Sociologia no ensino público.

Estávamos então no limiar de uma nova era de progressiva profissionalização e especialização da sociologia, que entre as décadas de 1950 e 1960 se estenderia a diversos estabelecimentos do ensino superior (Nunes, 1963, pp. 9-11); mas também da investigação social, que a partir de 1955 conheceria um extraordinário incremento (Pereira, 1965). Nova era que culminaria no início da década de 1970 na aprovação de uma licenciatura em Ciências do Trabalho no recém-criado ISCTE, de um bacharelato com o mesmo nome, e uma licenciatura em Ciências Sociais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, e já, depois de 25 de abril de 1974, na reconversão daquela primeira licenciatura em Sociologia pura e simples. Nova era, insista-se, a que corresponderiam entretanto novas genealogias institucionais e científicas formalmente ligadas entre si por estratégias de demarcação relativamente aos respetivos primórdios pré-disciplinares e a outras iniciativas análogas – e de que o texto de Silva Leal representava, por assim dizer, o momento inaugural.

Não é esta a ocasião para passar em revista semelhantes narrativas, mas vale a pena notar, por exemplo, como no final da década de 1960, das conclusões de um colóquio pedagógico realizado no referido ISCSPU ressaltaria, entre outros traços notórios e a propósito do objetivo expresso de “responder às necessidades do País no domínio do ensino e da investigação em Ciências Sociais”, a revindicação, diante de outras escolas “que directamente concorrem com ele no mercado de trabalho”, da hegemonia sobre as Ciências Políticas e Administrativas, a Antropologia e a Sociologia, onde primeiro haviam encontrado afirmação universitária e, segundo se afirmava, “que agora se pretendem autonomizar em licenciaturas próprias”12. Desse mesmo colóquio ressaltaria ainda o esforço de distanciamento face à matriz burocrática do ensino ministrado no mesmo estabelecimento, durante muito tempo uma escola de quadros, como vimos. Facto tanto mais saliente se tivermos em consideração que em 1965, quatro anos antes, num artigo publicado por um professor da mesma casa na revista do Instituto, se reclamava para o ISCSPU a posição de liderança no processo de renovação do ensino das ciências sociais (e da sociologia em particular) justamente com base na antiguidade da sua missão oficial (Barata, 1965).13

No mesmo sentido, registe-se como sensivelmente na mesma altura, num texto especificamente dedicado à “Situação e problemas do ensino de Ciências Sociais em Portugal” (na realidade quase exclusivamente dedicado à sociologia) e publicado por José Carlos Ferreira de Almeida na Análise Social, se advogava igualmente o incremento da formação neste domínio científico, no quadro de uma reflexão alargada acerca do panorama académico daquelas ciências pontuada também ela por uma estratégia de demarcação apenas implícita, mas comparável (e ademais reciproca), à do ISCSPU (Almeida, 1968). A este respeito, começava por retomar-se a avaliação do campo proposta por Sedas Nunes, cinco anos antes:

 

[…] a situação da Sociologia nas Universidades é, efectivamente, muito precária. Inexistente em 7 das 8 Faculdades (2 Faculdades de Direito, 3 de Letras, 2 de Economia e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina) em que, lógicamente, deveria apoiar-se, e impossibilitada, em 6 das 7 Faculdades onde penetrou, de suscitar vocações docentes específicas, devido à ausência de um quadro legal que permita a especialização sociológica [Nunes, 1963, p. 460 apud Almeida, 1968, p. 700].

 

Os cursos de Administração Social de Empresas e de Política Social, no Instituto de Estudos Sociais (IES); o diploma de Conselheiro de Organização Científica do Trabalho e Relações Humanas na Empresa (com opção em Sociologia Industrial), oferecido pela Escola Superior de Organização Científica do Trabalho (anexa ao Instituto Superior de Línguas e Administração, de natureza privada); e ainda a licenciatura em Sociologia no (também privado) Instituto de Estudos Superior de Évora – todos eles entretanto criados – não alteravam substancialmente a situação (Almeida, 1968, pp. 701-702).

Em boa verdade, afirmava-se, ensinavam-se em Portugal “Técnicas Sociais” mas não propriamente “Ciências Sociais” (Almeida, 1968, p. 705). No ISLA eram os próprios anúncios insertos na imprensa diária que publicita­vam a formação de “Técnicos de administração e psicologia industrial” e de “Peritos em relações humanas na empresa” – de “aplicadores”, portanto, e não de “cientistas”; o mesmo podia ser dito, de resto, do IES ou dos Institutos de Serviço Social. Em Évora, por seu turno, tratava-se de “preparar ­dirigentes competentes sobretudo para as obras sociais das Empresas ou de outros ­Centros em que o progresso social deva surgir com o progresso económico” – com objetivos afinal semelhantes aos dos cursos anteriores (Almeida, 1968, pp. 702-704). Evoluções, aliás, que pelo seu caráter “parcelar” não vinham senão tornar manifestas resistências institucionais ao movimento de “procura social genérica da ciência do social”, confirmadas, de resto, sugeria-se ainda, pela fração dessa procura que recebera efetiva satisfação; ou ainda pela natureza essencialmente privada dessas iniciativas: numa sociedade espartilhada entre imperativos modernizadores e a pesada herança do passado, a sociologia científica e, de forma alargada, as ciências sociais eram consideradas potencialmente subversivas e temidas como tal (Almeida, 1968, pp. 708-710).

Quanto ao ISCSPU – a única das escolas acima mencionadas que era eximida da impossibilidade formal de suscitar vocações académicas na área da sociologia, indistintamente imputada às Faculdades de Engenharia, Instituto Superior Técnico, Instituto Superior de Agronomia e Escola Superior de Medicina Veterinária, de cujos currículos efetivamente constava – afirmava-se que também aí não se tinham atingido ainda “as condições de diferenciação-centração que corresponderiam a uma real formação fulcralmente científica” (Almeida, 1968, p. 704). Salientava-se o caráter “híbrido” da formação sancionada pela licenciatura em Ciências Sociais e Política Ultramarina, “produto de uma evolução institucional bem conhecida” (Almeida, 1968, 704) e correspondente à preparação fornecida pelo Curso de Administração Ultramarina acrescida da ministrada no Curso Complementar de Estudos Ultramarinos, com diversas disciplinas de índole sociológica e antropológica, mas onde avultava o número de cadeiras dedicadas a problemas do Ultramar, “com carácter mais de ciência aplicada ou de técnica social do que de ciência fundamental” (Almeida, 1968, pp. 703-704) – sem se conformar, portanto, ao “sentido restrito” que no texto se imputava ao termo. O mesmo sentido restrito, sublinhe-se, que desclassificava igualmente parte das ocorrências (não se especificava quais) apontadas no texto acima citado de Falcão Machado, para o qual J.C. Ferreira de Almeida remetia a referência aos “antecedentes da sociologia” no país, e que justificava ainda uma advertência quanto à “acepção demasiadamente compreensiva” que aquele autor atribuía àquela designação (Almeida, 1968, pp. 700-701, n. 3). De resto, e significativamente, recomendava-se que a leitura do mencionado texto fosse complementada por outro, de António da Silva Leal, “no qual lhe são feitas certas críticas” – “A sociologia em Portugal”, que também acompanhámos mais acima e que de certa forma servia de mote ao presente artigo.

Não se trata de afirmar a derivação direta entre estes dois textos (e muito menos entre qualquer um deles e as conclusões do colóquio pedagógico do ISCSPU), mas de destacar a forma como o primeiro antecipa argumentos do segundo (e, de alguma forma, também daquele colóquio). E não está apenas em causa a simples renúncia ao passado pré-disciplinar da sociologia, atitude comum a ambos (ou àquelas conclusões) e consumada em nome de uma nova aceção do termo, implícita mas expressivamente sugerida no título “A Sociologia em Portugal”, de Silva Leal, por força do artigo definido que se antepunha ao indeterminado “Sociologia em Portugal”, de Falcão Machado. Na realidade, o argumento aplica-se também ao modo como nos dois textos se assume a ideia de uma ciência do social de contornos relativamente definidos e com pergaminhos académicos firmados e incontestados que, enquanto tal, ou se encontra devidamente institucionalizada ou então não existe de todo, como de facto se acaba por confirmar. Vale a pena notar, também, como diante de tal conceção, as razões dessa ausência são consideradas como exteriores à ciência em si – falta de espírito científico ou resistências institucionais ativas, consubstanciadas por exemplo na traição dos seus mais acérrimos defensores republicanos, na falta de enquadramento universitário, ou em fundados receios arcaístas. Enfim, vale a pena notar também como, na decorrência dessas duas posições, fica estabelecida à partida a dupla especificidade da sociologia portuguesa, perante as demais ciências (institucionalizadas) e face às sociologias de outros países – independentemente, portanto, do processo específico de construção de uma ciência do social em Portugal.

Sem prejuízo dos objetivos científicos e institucionais mais manifestos dos textos em causa (a este respeito é bom não perder de vista o contexto epistémico e político em que são produzidos, a que fui fazendo referência), os efeitos retóricos veiculados por este tipo de genealogias científico-institucionais são também eles notórios e os seus objetivos genéricos encontram-se anotados em bibliografia avulsa ou especificamente dedicada ao tema (Levine, 1995; ­Graham et al., 1983). De forma geral, trata-se de validar pretensões profissionais de grupos intelectuais já estabelecidos ou emergentes face aos concorrentes e diante das entidades credenciadoras, nomeadamente pela delimitação ou redefinição de um domínio de conhecimento de cujos proponentes se apresentam então como representantes autorizados – ora por asserção de filiações a figuras ou filões intelectuais tidos por adequados, ora por dissolução de traços da sua própria história (um “processo de seleção do predecessor”, nas palavras de um sociólogo americano, que pode operar por elisão do mesmo, permito-me acrescentar) (Camic, 1989 apud Topalov, 2004, p. 127). Estratégias que na sua aparente dissonância podem não só complementar-se, como relevam aliás de uma mesma disposição identitária, por via da qual se insinua a antiguidade do programa científico proposto (celebrando o prosseguimento de uma tradição consagrada) ou se sugere a sua máxima singularidade (esconjurando as impurezas genealógicas da sua constituição) – e que, de uma forma ou de outra, estabelecem a respetiva legitimidade.

Nos casos apontados – não me parece abusivo afirmá-lo – trata-se também de assumir posições nesse campo disciplinar emergente (epistemicamente indefinido e institucionalmente disperso), reivindicando de forma mais ou menos expressa a titularidade da hegemonia intelectual e reclamando o desenvolvimento de estruturas institucionais próprias – alegando, respetivamente, a menoridade científica das restantes forças presentes e (mais do que a eventual omissão) a deficiente ação do Estado. O que não significa, naturalmente, e não é demais insistir neste ponto, que se visem apenas efeitos retóricos, tendentes à consagração académica de um qualquer conhecimento científico-social, ou que esses discursos sejam puro reflexo de interesses emergentes. Existem de facto diferenças epistemológicas entre esta sociologia “fulcralmente científica”, tal como entretanto viria a impor-se ao nível do ensino e da investigação, e os saberes que a precederam, de que a aptidão explicativa consignada à investigação empírica, por oposição a ambições predominantemente descritivas, ou a especificidade relativa dos métodos praticados e ensinados, face a outras disciplinas, são apenas duas. E, insista-se uma vez mais, existiram de facto entraves institucionais, políticos, mas também académicos, à afirmação das ciências sociais, sobretudo no que toca, justamente, à sua diferenciação disciplinar e autonomização universitária. Tal não invalida, por seu turno, que a ação do Estado (e de outros poderes) tenha contribuído para a constituição daqueles saberes; como não invalida que esses mesmos saberes possam ser estudados na sua dignidade própria, independentemente de qualquer teleologia epistemológica, e, simultaneamente, como parte de um processo de disciplinarização de um conhecimento que nem sempre terá sido perfeitamente idêntico.

A este respeito poder-se-ia dizer que “A Sociologia em Portugal” de Silva Leal (1963) contém in nuce os princípios centrais da narrativa que acompa­nha­ria o processo de afirmação universitária da sociologia portuguesa – mas também da narrativa que viria a impor-se como história da sociologia em ­Portugal. Ou melhor seria dizer que uma e outra partilham, mais do que elementos concretos, uma mesma atitude formal face ao desenvolvimento científico-social. É que, num e noutro caso, a história da ciência vê-se transformada numa prova de obstáculos: em concreto, numa luta pela afirmação de um conhecimento mais ou menos constituído contra a ação deletéria do Estado – por definição mais interessado em administrar a vida social da população (incluindo intelectuais e cientistas) do que propriamente em conhecê-la – e contra os antecedentes pré-disciplinares da sociologia – aos quais se imputa à partida um estatuto infra-científico. E assim, se acerca da influência do positivismo comteano existem hoje alguns estudos notáveis, embora à margem daquela história e predominantemente centrados na sua ascendência sobre o ideário político republicano ou sobre o pensamento jurídico oitocentista e.g. Catroga, 1977), já o mesmo não se pode dizer do leplaysianismo português, acerca do qual pouco se sabe; ou até mesmo de outros saberes sociológicos produzidos na alçada direta ou indireta do Estado, pura e simplesmente descurados, ou, na melhor das hipóteses, tratados, também eles, sob outros tópicos.14

Para a história da sociologia subsistiriam sobretudo relatos do processo de constituição do Gabinete de Investigações Sociais e das ações dos seus membros, que viriam de facto a ser responsáveis pela criação da primeira licenciatura em Sociologia no ensino superior público. A este respeito tem vigorado sobretudo a narrativa proposta por Adérito Sedas Nunes (1988) num célebre artigo publicado na revista Análise Social, na verdade um testemunho pessoal, mas sobre o qual tem recaído (a despeito da vontade do próprio, diga-se) o estatuto de estudo sobre a matéria. Não sem prejuízo para a história daqueles “primórdios”, como disse, mas também, creio, para a compreensão global do processo de constituição das modernas ciências sociais em Portugal. É o que passaremos a ver de seguida.

 

GENEALOGIAS CONTEMPORÂNEAS

 

Como comecei por sugerir, “Afirmar que a sociologia portuguesa só começou verdadeiramente após a revolução de abril de 1974 é quase um lugar-comum” (Pinto, 2007, p. 69), Quem o afirma é o sociólogo José Madureira Pinto, num texto relativamente recente onde procede à revisão dos principais estudos sobre o tema e onde confirma aliás a necessidade de temperar a força de semelhante afirmação, por força da “especificidade dos processos sociopolíticos que precederam e se desencadearam com a reinstauração da democracia em Portugal”. Efetivamente, diz Madureira Pinto, “desde o último quartel do século XIX, o campo intelectual português foi registando ecos relativamente nítidos do movimento das Ciências Sociais nos países centrais”, referindo-se nomeadamente à dominância do positivismo comteano no que designa de “primórdios” da sociologia em Portugal. E se é verdade que o mesmo autor não deixa de reconhecer o desenvolvimento, ainda durante a ditadura, de “condições globalmente favoráveis à difusão de quadros de pensamento de orientação “desenvolvimentista” e à procura de conhecimentos sistemáticos sobre o social” (p. 71); e até mesmo o advento de um “novo fôlego” neste domínio, a partir de 1960, animado por “investigadores de prestígio internacional” e por “um grupo de jovens estudiosos dos problemas sociais, quase todos economistas e […] com ligações ao movimento católico […]” (p. 73); não é menos verdade que esta “História breve da sociologia portuguesa” não faz menção à maioria das ocorrências que deixámos referidas para o período do Estado Novo e faz-lhe corresponder uma fase de “interregno”. Para Madureira Pinto, o golpe militar de 1926 instaura uma “ruptura decisiva” no campo intelectual português: “Durante quase cinco décadas de regime ditatorial, toda a reflexão de tipo sociológico passou a ser encarada pelo aparelho ideológico-repressivo instalado como actividade potencialmente contrária à segurança do Estado, devendo por isso ser vigiada, censurada e reprimida” (p. 71).

Sobre este tópico, em particular, o autor faz eco de posições anteriormente avançadas por si próprio e por outros colegas de profissão. Num volume já com 22 anos, consagrado ao estado geral da Ciência em Portugal, o sociólogo João Ferreira de Almeida, em capítulo dedicado às “Ciências Sociais”, sustenta também ele que o período da ditadura conservadora teria afetado o campo científico de forma generalizada, embora com especial incidência no que toca àquelas ciências (Almeida, 1991, p. 73). Mais especificamente, o discurso oficial teria então privilegiado “a aproximação normativa e autoritária à sociedade”. “A empiria atrapalhava. Não havia que mexer-lhe muito, nem mesmo com instrumentos teóricos. E quando isso se não podia de todo evitar, então havia que fazê-lo acriticamente, em pesquisas desgarradas, favorecendo um hiperinstrumentalismo posto directamente ao serviço de qualquer política sectorial”. Assim, prossegue ainda o mesmo autor, disciplinas científico-sociais que à data do golpe de Estado de 1926 haviam já logrado algum peso e tradição, como a história e a economia, conseguiriam sobreviver, ao passo que outras, como a sociologia e a antropologia, ficariam impossibilitadas de irromper à luz do dia, “até que a irresistível viragem da década de 1960, sociocultural primeiro, política depois”, lhes permitisse finalmente germinar (Almeida, 1991, pp. 73-74). Ocorrências que, num caso como noutro não invalidam o diagnóstico de partida – antes parecem confirmá-lo: as primeiras teriam sobrevivido “definhadas”, ao passo que as segundas nasceriam “em pequenos microclimas isolados” e de forma apenas “tímida”.

Parece ser essa também a convicção do sociólogo António Teixeira ­Fernandes (1996), que rejeita a maioridade científica das iniciativas de índole sociológica que efetivamente identifica para o período anterior à revolução de abril de 1974; e isto apesar do esquema faseado, mas sequencial, que propõe num artigo dedicado à história da sociologia em Portugal, relativamente à qual distingue três etapas distintas: uma primeira que se prolongaria desde as últimas décadas de oitocentos aos finais da primeira década do século XX e onde pontuariam nomes como Teófilo Braga ou o publicista Alfredo Pimenta; uma segunda que remontaria a meados do século XX e que seria protagonizada pela revista Análise Social e pelo seu segundo diretor, Adérito Sedas Nunes; e uma terceira “constituída com o pós-25 de abril”, em que a sociologia passaria finalmente a poder ser creditada com estatuto próprio – “A Sociologia institucionaliza-se, passa a ser praticada como disciplina autónoma, adquire contornos de uma verdadeira profissão e entra em pleno nas Universidades” (Fernandes, 1996, pp. 11-17). Com efeito, diz o autor, se a “Sociologia” daquela primeira fase (entre aspas na sua formulação) “Assume uma feição essencialmente doutrinal e ideológica, frequentemente polémica, em detrimento da produção de conhecimento científico” e “Procura mais a mudança do que a cientificidade, revelando-se alheia às questões epistemológicas e metodológicas” (p. 14); a sociologia que lhe sucede, embora fazendo apelo aos métodos das ciências sociais, teria mantido “intuitos doutrinais” idênticos, agora imbuídos de inspiração católica (e já não republicana) mas de qualquer forma preponderantes sobre as análises objetivas: “Trata-se mais de elaboração doutrinal, com propósitos sociais, do que investigação propriamente dita […]”, afirma Teixeira Fernandes (1996, p. 16), recuperando a apreciação que o economista Mário Murteira (1993) faz de um famoso estudo sociológico da sociedade portuguesa levado a cabo por Adérito Sedas Nunes em 1964.

Na realidade, e ainda segundo o argumento de Teixeira Fernandes, nenhuma das sociologias anteriores a 1974 parece estar à altura da designação: entre aquilo que a sociologia começou por ser e o que ela atualmente é, “não existe qualquer semelhança. A coincidência reside apenas no equívoco do nome” (p. 15); e quanto ao que ela terá sido entretanto, em meados da década de 1960, e no caso específico de Sedas Nunes, tem “pouco ou nada a ver com a perspectiva hoje dominante nos estudos sociológicos entre nós” (também de acordo com formulação de Murteira, citada por Teixeira Fernandes) (p. 16). De resto, e de forma explícita, é o próprio autor que começa por dar por assente que a verdadeira radicação e o desenvolvimento da sociologia só se operam depois do estabelecimento da democracia e depois da introdução (aparentemente concomitante) de uma nova “prática científica” (p. 9) – confirmando assim, também ele, a ideia corrente quanto à precedência histórica do regime democrático face à sociologia.

Ideia, aliás, que, de tão corrente, se poderia dizer quase “oficial”. Em 1999, o Observatório das Ciências e das Tecnologias do Ministério da Ciência e da Tecnologia dava à estampa um Perfil da Investigação Científica em Portugal onde procedia à avaliação dos diversos domínios científicos nacionais, em cada caso precedida por pequenas resenhas históricas de cada uma das disciplinas consideradas. Relativamente à sociologia, o referido relatório começava por afirmar, de forma mais matizada, que “Embora a institucionalização da Sociologia como ciência, disciplina ou profissão só tenha realmente acontecido em Portugal após o 25 de abril, podemos admitir que desde a década de 60 [do século XX] se tolerava a presença, parcial e discreta, deste ramo do saber em alguns lugares circunscritos” (Almeida et al., 1999, p. 19). Para além da licenciatura em Sociologia no Instituto Superior Económico e Social de Évora (resultante de uma parceria entre a Companhia de Jesus e Fundação ­Eugénio de Almeida), a sua presença estender-se-ia então, no campo do ensino, à introdução de “conteúdos sociológicos” em algumas cadeiras de licenciaturas universitárias (referiam-se os casos secundários de Economia e Direito) e, no domínio da investigação, à execução de “estudos sobre aspectos cruciais da sociedade portuguesa, inspirados naquele saber e publicados na Análise Social”. Sobre o enquadramento institucional de cada uma destas iniciativas, porém, registavam-se apenas os “pequenos subsídios” da parte de vários Ministérios e o apoio concedido pela Fundação Calouste Gulbenkian (a partir de 1966) ao grupo reunido em torno daquela revista (graças aos quais teria conseguido sobreviver); e sobre os primórdios a que começámos por fazer menção, praticamente nada – nenhuma referência ao que provisoriamente designámos de leplaysianismo português ou às presenças curriculares atrás referidas (Agronomia e Engenharia, em particular), nem, tão pouco, a qualquer outra das incidências descritas. Assim – confirma-se uma vez mais – seria preciso esperar por 1974 e pela mudança radical do panorama científico para que a sociologia, beneficiando da “experiência democrática”, se institucionalizasse “com um lugar e estatuto próprios”, no ensino superior público (Almeida et al., 1999, p. 20).

Evidentemente, não é minha intenção discutir factos tão consensuais quanto incontestáveis: com o 25 de abril de 1974, o panorama científico nacional muda de facto radicalmente; a experiência democrática favorece a “hospitalidade académica e o interesse público perante uma modalidade do saber que fornece instrumentos para explicar e interpretar a mudança social” (Almeida et al., 1999, p. 20); foi efetivamente depois daquela data que a sociologia foi reconhecida enquanto licenciatura no ensino superior público, mas também como profissão (ali e noutros domínios institucionais).

Importará notar, contudo, ainda a respeito do mesmo volume, como convicções idênticas não impedem que, relativamente à antropologia (que tomo igualmente enquanto saber fornecedor de instrumentos que explicam a mudança social), se reconheçam os respetivos “antecedentes históricos”. De facto, a assunção das transformações políticas da década de 1970 e das ­correspondentes mudanças ao nível das ciências sociais em Portugal e da antropologia em particular (que me absterei de relatar aqui em pormenor, mas que contemplam igualmente a difusão alargada da disciplina e a ­reorientação científica da única licenciatura existente à data revolução) não invalida que, relativamente a ela, se deixem registados (de forma necessariamente sucinta) os limites outrora difusos entre ramos do saber mais ou menos contíguos mas não necessariamente académicos (como os citados “folclore” ou os estudos sobre “tradições populares); e, nessa medida, que se aluda também à importância decisiva da ação do Estado no desenvolvimento geral da disciplina (Almeida et al., 1999, pp. 9-11).

A tais factos poder-se-ia talvez contrapor que essas situações – a relativa fluidez das fronteiras disciplinares ou a diluição dos contornos entre propósitos políticos e interesses de pesquisa – são específicas da antropologia, entendida em sentido lato, pelo próprio facto de a designação ter englobado e englobar ainda hoje saberes tão distintos como a etnografia e etnologia, a antropologia física e a antropologia social ou cultural (embora já não os acima mencionados), mas igualmente pelas conhecidas e especialmente pronunciadas aplicações coloniais dos diversos ramos antropológicos. A este respeito, contudo, valerá a pena invocar, ainda de acordo com o mesmo relatório, o caso da demografia, hoje perfeitamente definida, mas durante muito tempo “ciência instrumental em pesquisas que têm alcance, conteúdos, e enquadramentos institucionais noutras áreas científicas” (Almeida et al., 1999, p. 13). Também aqui, aliás, a mesma indefinição inicial e posterior afirmação académica não inviabilizam que se considerem os respetivos “antecedentes históricos” onde pontuam algumas referências clássicas da “investigação demográfica” em ­Portugal mas sobretudo, e uma vez mais, incidências diretamente decorrentes da ação do Estado e nomeadamente do Instituto Nacional de Estatística, considerado “A referência institucional de maior peso para a Demografia em ­Portugal” (Almeida et al., 1999, p. 14). E se desta disciplina poderia ainda afirmar-se ser derivada de forma praticamente direta (como poucas outras) de saberes de Estado como a estadística – não sendo por isso senão exemplo paradigmático de um tipo de génese que, enquanto tal, se aplicaria apenas a si própria ou estatística (e daí também, porventura, o seu estatuto subalterno face a outras disciplinas) – atente-se ainda no caso relativamente precoce da geografia, mais finamente caracterizada pelo mesmo texto.

Sujeita, também ela, a profunda inflexão conceptual e metodológica no final da década de 1960 e sobretudo no início da década seguinte, em função da própria renovação internacional da disciplina, por um lado, e da modernização da sociedade e da economia portuguesas e da rutura introduzida pelo 25 de abril de 1974, por outro, carregava do passado, não obstante, importantes “heranças” históricas. Essas heranças consubstanciavam-se, em particular, no desenvolvimento paralelo, a partir da década de 1940, de dois polos ­institucionais, um em Coimbra e outro em Lisboa, animados por Amorim Girão e Orlando Ribeiro, respetivamente, ambos sob a égide conceptual e metodológica do geógrafo francês Vidal de la Blache (1845-1918) e mais genericamente da Escola Francesa de Geografia, e filiados portanto em princípios científicos comuns: a) visão integrada do meio geográfico, com atenção às componentes físicas e humanas das realidades estudadas; b) análise empírica como principal critério de cientificidade, assente em observação direta e trabalho de campo; c) valorização das situações singulares e correspondente ascendência do estudo monográfico, de âmbito regional; d) e conceção humanista da ciência e “heróica” do cientista, com predomínio do trabalho individual (Almeida et al., 1999, pp. 15-16).

Ora, ainda de acordo com os mesmos autores, semelhante conceção do trabalho científico viria a consolidar-se através dos méritos dos membros mais ativos da comunidade geográfica universitária, mas também, saliente-se, por via das boas condições de trabalho proporcionadas pelos Centros de Estudos Geográficos de Coimbra e Lisboa, criados respetivamente em 1942 e 1943; pelo apoio de instituições estatais e privadas, nomeadamente do Instituto de Alta Cultura/Instituto Nacional de Investigação Científica (o primeiro com ação de relevo na própria instituição daqueles centros), da Junta de Investigações do Ultramar (do Ministério do Ultramar) e da Fundação Calouste Gulbenkian; e pelas oportunidades que os territórios ultramarinos criavam, enquanto campo de investigação (Almeida et al., 1999, p. 16).

Claro que se poderia afirmar que tal se explicaria por estarmos então em presença, como sublinham os autores, “de uma ciência humana mas não social, pelas metodologias naturalistas a que recorre” (Almeida et al., 1999, p. 16) – o que significaria esquecer que para o período em causa o mesmo poderia ser dito da própria sociologia, pelo menos em parte, e do primeiro leplaysianismo português; seria aliás esquecer também o quanto a orientação conceptual e as opções metodológicas do próprio Vidal de la Blache são devedoras da sociologia de Frédéric le Play. De resto, a descrição que ali se faz do trabalho científico em geografia aplica-se na íntegra (talvez com exceção do predomínio do trabalho individual, mas sem prejuízo para a visão humanista da ciência e “heróica” do cientista) a boa parte da investigação económico-social realizada sensivelmente no mesmo período no Instituto Superior de Agronomia e noutros ambientes institucionais conexos (substituindo apenas a “visão integrada do meio geográfico” pela visão integrada do meio social ou, talvez, e com propriedade acrescida, a “visão integrada do meio populacional”), também ela de feição predominantemente naturalista e de inspiração conceptual e metodológica análoga – e da qual acabaria por se destacar, progressivamente, um importante acervo de trabalhos de investigação social e, no limite, de sociologia (Ágoas, 2010a).

À margem desta última consideração, poder-se-ia pura e simplesmente argumentar que, historicamente, nenhuma das duas situações acima referidas – a relativa fluidez das fronteiras disciplinares ou a diluição dos contornos entre propósitos políticos e interesses de pesquisa – se aplica à sociologia e que esta, pelo contrário (e mais do que qualquer outra ciência social), teria emergido já perfeitamente organizada, como vimos sugerir Silva Leal, ou, nas suas próprias palavras, com singular “aparência de maturidade”; e que o seu percurso institucional teria ficado marcado, provavelmente por essa razão, e ao invés de saberes equiparados, pelo constante receio da parte de poderes temerosos do seu potencial crítico – o que, no primeiro caso, os dados avançados na primeira secção deste artigo parecem denegar e, no segundo, não desmentem mas obrigam pelo menos a uma salvaguarda (e isto para nada dizer aqui dos estudos internacionais mais recentes que se ocupam do tema, no âmbito dos quais Portugal representaria um caso perfeitamente excecional).15 E se se poderia finalmente pretender, de modo inverso, que, relativamente aos aspetos que destaquei do relatório que tenho vindo a acompanhar, as heranças e os contextos apontados para cada um dos saberes considerados (antropologia, demografia, geografia e sociologia) não são assim tão distintos (entre si), devo apontar que os antecedentes de cada uma das restantes disciplinas são aí considerados (independentemente do que se diz a respeito de cada qual) propriamente “antropológicos”, “demográficos” e “geográficos”, ao passo que os antecedentes da sociologia ora são qualificados com o substantivo “conteúdos” (parcelares ou incompletos, como os que foram introduzidos em cadeiras universitárias que lhe eram essencialmente esquivas) e, portanto, não propriamente sociológicos, ora apenas “inspirados” nesse saber (como nos estudos realizados acerca de aspetos cruciais da sociedade portuguesa publicados na Análise Social). E devo apontar também que se entre as primeiras (antropologia, demografia e geografia) a ação mais ou menos direta do Estado promove ou, pelo menos, se encontra implicada no respetivo desenvolvimento, no caso da sociologia detém o seu progresso ou, quanto muito (e de forma pontual), ter-lhe-ia permitido apenas “sobreviver”, como vimos.

A respeito da sociologia, poder-se-ia dizer, tem vigorado de forma particularmente pronunciada a tese geral de Victor de Sá que quatro anos após a revolução de abril de 1974, num importante e pioneiro Esboço Histórico das Ciências Sociais em Portugal, afirmaria que:

 

O que verdadeiramente aconteceu foi que, há meio século, se deu uma ruptura violenta numa das mais ricas e fecundas tradições da cultura portuguesa, ruptura que localizamos em 1929, data a partir da qual as concepções sociais foram entre nós oficialmente preteridas para darem lugar às concepções corporativistas. Sob a ditadura salazarista a palavra social foi votada a uma certa maldição, assim como as suas derivadas socialismo e sociologia [Sá, 1978, p. 11].

 

Rutura tanto mais violenta, sublinhe-se, se considerarmos que o mesmo autor faz remontar as ciências sociais portuguesas ao período do Renascimento, “quando o humanismo veio substituir, a partir do século XV, a velha cultura feudal” (Sá, 1978, p. 15). E se a evocação daquela passagem não permite aceder às razões daquela especificidade, permite sublinhar a intensidade relativa e o modo particular como aquela apreciação genérica parece aplicar-se à sociologia.

 

SOCIOLOGIA, CORPORATIVISMO E CATOLICISMO SOCIAL

 

Mais recentemente, naquele é na verdade o primeiro trabalho de fôlego sobre a história da sociologia em Portugal, Nuno Estêvão Ferreira, na esteira das formulações mais dialéticas de Madureira Pinto a que comecei por fazer menção na secção anterior, discute de forma apenas implícita a referida tese de Victor de Sá, controvertendo explicitamente as posições de António Teixeira Fernandes e de Mário Murteira.

Para estes autores, como vimos, agora segundo Estêvão Ferreira, o relevo que intencionalidades de modernização socioeconómica e legitimações doutrinárias de cunho reformista-católico teriam assumido na “sociologia” praticada em Portugal nas décadas de 1950 e 1960 (e por Sedas Nunes em particular) justificariam a convicção de que apenas depois de abril de 1974 passariam a existir “condições sociais” para o desenvolvimento daquela disciplina “a partir da ‘consolidação do paradigma científico’” (Ferreira, 2006, p. 222). Para Estêvão Ferreira, alternativamente, o peso que o reformismo católico e o próprio corporativismo terão assumido na trajetória de Sedas Nunes, por um lado, e o facto de as instituições por si projetadas só terem sido reconhecidas após a transição democrática, por outro, não invalidam que já em 1972 estivesse concluída “uma determinante viragem no percurso daquele actor no sentido de produzir investigações no campo das ciências sociais nos contextos em que estava inserido” (Ferreira, 2006, pp. 222-223). E não só não o invalidam como terão constituído – as doutrinas e ideologias perfilhadas bem como as instituições entretanto criadas – o enquadramento geral de um processo essencialmente individual de cariz intelectual (protagonizado por aquele ator) em que, por ruturas sucessivas, se transitou da doutrinação corporativista para as modernas ciências sociais, passando pela realização de estudos sociais sobre o desenvolvimento (até à derradeira depuração epistemológica de um “conhecimento científico-social do real-social”). De acordo com o autor, semelhante viragem abriria caminho àquilo que não seria senão, afinal, a mera “legalização” da licenciatura em Sociologia no ISCTE, mas também à transformação do Gabinete de Investigações Sociais em Instituto de Ciências Sociais (ICS), em 1982, apenas possíveis no novo quadro político.

Não me ocuparei do argumento de Estêvão Ferreira em toda a sua extensão mas, para os devidos efeitos, é necessário explicitar este último ponto. Inicialmente integrado no Gabinete de Estudos Corporativos (GEC) do Centro Universitário de Lisboa da Mocidade Portuguesa, e posteriormente destacado por convite para a direção do recém-criado Centro de Estudos Sociais e Corporativos (CESC) do Ministério das Corporações, Sedas Nunes acabaria por verificar a incompatibilidade entre a estrutura social portuguesa e as teses corporativistas, a que começara por aderir. Constatação que o conduziria, então, ainda no âmbito deste enquadramento institucional genérico, à convicção da necessidade de se proceder “ao estudo aprofundado das estruturas e dos dinamismos da organização da sociedade” (Ferreira, 2006, p. 168) – e, apenas a prazo, à sociologia científica.

O movimento descrito decorre em dois passos: se num primeiro momento a descoincidência entre as realidades sociais e aquele ideário começaria por suscitar a proposta de aplicação de um “pré-corporativismo”, ou de um corporativismo possível, a aplicar (para além da reorganização das empresas) por intermédio da “preparação dos dirigentes e do estudo sério e intenso dos problemas económicos” (Ferreira, 2006, p. 167), num segundo momento, a mesma constatação, “associada a outros factores” e designadamente às dificuldades de concretização de projetos de investigação autónomos (é este o facto destacado por Estêvão Ferreira), teria significado a “definitiva desvalorização dos princípios doutrinais e, principalmente o recurso a metodologias mais eficazes no acesso à realidade social” (Ferreira, 2006, pp. 164-165). A posição que Sedas Nunes assumiria como diretor do CESC em 1957, e na qual permaneceria por cerca de dois anos, representaria o separador simbólico entre estes dois momentos (Ferreira, 2006, p. 165) e a renúncia ao cargo, justificada pela recusa da tutela em criar uma publicação periódica que divulgasse os trabalhos realizados, o corolário de uma mesma postura científica perante os problemas sociais gerada ainda no GEC, tal como se explicita. Este facto explicaria também, de acordo com Estêvão Ferreira, a decisão de regressar ao GEC (Ferreira, 2006, pp. 168-169), agora algo paradoxal, diga-se, perante a desvalorização do corporativismo (após a passagem pelo CESC), e face ao papel determinante que (ainda segundo o autor) a definitiva ruptura com aquela doutrina, por parte de Sedas Nunes, viria a ter no desenvolvimento da sociologia (científica) e, desde logo, na transformação do GEC em Gabinete de Investigações Sociais (1962), como sua condição e enquanto resultado, justamente, das reservas de Sedas Nunes (e de outros membros do GEC) relativamente à proposta inicial do ministro das Corporações, que começara por prever a criação de um novo centro de estudos sociais e corporativos. “O GIS é resultado de uma primeira ruptura no percurso de Sedas Nunes” (Ferreira, 2006, p. 164), diz ainda o autor.

Assim, e depois de dois anos iniciais em que os trabalhos produzidos no Gabinete de Investigações Sociais e publicados na Análise Social permaneceriam inscritos “na perspectiva de uma abordagem de problemas sociais, onde o trabalho, o sindicalismo, a habitação, o progresso, constituem vectores importantes, e que podemos considerar na óptica de uma compreensão dos ‘aspectos sociais do desenvolvimento económico’” (Ferreira, 2006, p. 193), em 1965 operar-se-ia uma modificação no perfil da revista “no sentido de alargar o seu ‘cunho sociológico’, sem no entanto a desviar do seu interesse fulcral pelos problemas sociais”, e que seria acompanhada “pela construção de outros objectos de análise” (Ferreira, 2006, p. 196). Para Estêvão Ferreira, estamos então em presença de duas dinâmicas complementares em que as questões metodológicas suscitadas pelos primeiros ensaios de problematização do desenvolvimento social e económico de Portugal implicavam recorrer a novos procedimentos de análise, e em que, por seu turno, as abordagens sociológicas da realidade significavam a valorização de outros tópicos. Enfim, afirma o autor, “Iniciava-se aqui o processo que conduziria à emergência da fundamentação epistemológica da sociologia, ou dito de outro modo, processava-se uma segunda transição do percurso de Sedas Nunes, de que resultaria a derradeira etapa que assinalamos” (Ferreira, 2006, p. 196) – e que, a seu tempo, como disse, levaria ao reconhecimento da sobredita forma de conhecimento.

É certo que, já a terminar o texto, Estêvão Ferreira sugere que o próprio perfil institucional do GIS teria sido relevante para a afirmação da sociologia no espaço académico português, por nele não se ter operado a cisão (tal como ocorrido noutros enquadramentos institucionais) entre as “metodologias de objectivação” e a “interpretação dos resultados” (Ferreira, 2006, p. 231). Mas, como vimos, para além de embater no caráter instrumental imputado aos primeiros estudos do GIS, tal especificidade (a confirmar-se) decorreria já de si, para lá das preocupações metodológicas notadas, da rutura individual que as desencadeara. Aliás, afirma Estêvão Ferreira a propósito e de forma inequívoca: “Na base destas evoluções situa-se a intencionalidade inicial do GIS”.

Na verdade, creio, e nos termos do texto que tenho vindo a acompanhar, mais do que o resultado de uma ruptura individual com o corporativismo, a criação do GIS e o posterior e correlativo desenvolvimento da sociologia nesse gabinete parecem ter começado por corresponder a (ou compreendem-se melhor como) uma progressiva autonomização científico-institucional dos primeiros estudos económico-sociais realizados ainda no GEC ou, se se preferir, à consumação formal (e desenvolvimento) de perspetivas aí abertas mas não concretizadas ou apenas parcialmente concretizadas (o que evidentemente não invalida que semelhante rutura intelectual tenha de facto ocorrido e contribuído para semelhante desfecho). E se a criação do GIS, em particular, não pode ser compreendida à margem das diligências iniciais do ministro das Corporações e Previdência Social (José João Gonçalves Proença) e, sobretudo, da decisiva anuência à contraproposta da parte dos membros do GEC, de total reestruturação do mesmo, aquele deferimento, por seu turno, não pode ele próprio ser entendido sem referência a um contexto genericamente favorável àquele tipo de estudos e à criação de institutos votados à sua realização, que não pode ficar por uma menção vaga ao arranque desenvolvimentista das décadas de 1950 e 1960.

Pelo contrário, a referência a semelhante contexto deverá considerar igualmente o modo concreto como aquelas transformações desafiaram os moldes consagrados do intervencionismo público e da orgânica institucional do Estado, e a relação biunívoca que a governação manteve com os lugares de criação e com a própria produção de saberes sobre o social (teóricos ou empíricos), de que o GEC constitui, desde logo, caso a considerar. Tanto mais quando se começa por dar por assente a desconfiança do regime face a este tipo de estudos ou, inversamente, quando a suposta relação destes com a inflexão política daquele, a partir de meados da década de 1950 (que teria tido nos primeiros Planos de Fomento o seu sinal mais aparente), carece também ela de explicitação.

A este título genérico, aliás, Estêvão Ferreira fornece um contributo inestimável, não a respeito do Estado ou de organismos na sua esfera de influência mais ou menos direta, mas a propósito da Igreja, resgatando ao passado um pouco conhecido acervo de trabalhos de investigação social de âmbito religioso e a ação do Secretariado de Informação Religiosa (SIR) do episcopado português, criado em 1959 e responsável pela realização daqueles estudos (­Ferreira, 2006, caps. 2, 3 e 4). Sublinhe-se convenientemente a dupla importância deste complexo itinerário pelas transformações intelectuais e institucionais da Igreja, pelas racionalizações conexas protagonizadas pelas mais altas esferas do clero, e pelas influências estrangeiras a que umas e outras terão sido sujeitas. Trata-se, antes de mais, de destacar e especificar a ascendência que determinadas formas de conhecimento empírico acerca da sociedade terão passado a exercer sobre a ação burocrática (interna) e pastoral (externa) daqueles setores eclesiásticos, esta última (a ação pastoral) de especial relevância para o caso português, ­atendendo ao papel plurissecular da Igreja propriamente dita ou de outras instituições conexas com a mesma inclinação assistencialista (como as Misericórdias) na gestão das relações sociais e na vez de um Estado hesitante ou, nalgumas áreas, assumidamente demissionário face a esta matéria – e relativamente ao qual a Igreja poderá, de facto, ter sido pioneira e, acrescen­taria eu, ter chegado a servir de inspiração. Até porque assim se inaugura um novo capítulo da história das ciências sociais em Portugal (a “sociologia ­religiosa”, como afirma o autor), relativamente autónomo perante outros filões já referidos embora com vários atores e dinâmicas comuns àquele outro filão que vínhamos acompanhando, e onde se destaca, uma vez mais, Adérito Sedas Nunes – envolvido nalgumas das primeiras iniciativas científico-sociais daquele setor reformista do catolicismo português, enquanto militante laico.16

É nesta segunda vertente daquele itinerário, que Estêvão Ferreira (2006) faz assentar a tese enunciada no título do trabalho que vimos acompanhando (A Sociologia em Portugal: da Igreja à Universidade), onde evidentemente a obra não se esgota. Mas se, no quadro do argumento geral, o envolvimento em semelhantes iniciativas ajuda de facto a compreender o “interesse” (­Ferreira, 2006, p. 163) inicial de Sedas Nunes pela sociologia, tal como pretende o autor, esse envolvimento e esse interesse também não chegam para justificar a ulterior afirmação científica (e institucional) daquele conhecimento, mesmo no quadro daquele argumento, e considerando até problematizações laterais particularmente interessantes avançadas por Estêvão Ferreira a respeito do modo como enigmas e insuficiências da ciência económica (em que inicialmente se formou) terão conduzido Sedas Nunes não só a novos instrumentos de análise, mas também à conceptualização prévia da esfera ontológica que os reclamará: o social (Ferreira, 2006, pp. 181-191). Não chegam para justificá-lo, dizia, pelo menos sem precisar, insisto, a importância que processos análogos terão tido ao nível dos institutos do Estado ou da orgânica corporativa. O facto de Adérito Sedas Nunes constituir, como se afirma, “o elemento de ligação entre diversos agentes e contextos sociais, que foram sendo definidos por finalidades distintas, mas cuja articulação nos permite compreender uma estratégia e explicar as suas evoluções”, não pode (tal como se pretende) servir de justificação a que um desses dois “contextos” – no caso, o corporativismo, por oposição ao catolicismo social – se veja subsumido no percurso individual da figura (ademais apenas uma entre várias) que os liga (Ferreira, 2006, p. 13). A menos que se considere que no âmbito do objeto estudado – a sociologia em Portugal – cada um dos dois enquadramentos institucionais correspondentes – o GEC/GIS e o SIR – se reveste de dignidade historiográfica distinta, em função de desenlaces epistémicos e académicos diferenciados e definidos à partida (mas só retrospetivamente) pelas respetivas finalidades. Bastaria então, de facto, identificar a emergência do interesse propriamente científico pela sociologia por parte daquele ator privilegiado e, por outro, mostrar a degenerescência instrumental (ou a deriva utilitária) de uma ciência já constituída e posta ao serviço de interesses particularistas.

O que pretendo afirmar, e isto sem prejuízo para o facto de estarmos perante a mais profunda e interessante análise disponível sobre o tema, é que a verosimilhança da alegação de que, apesar de se tratar de duas vias paralelas, a afirmação da sociologia religiosa no SIR e o desenvolvimento da sociologia no GIS radicam numa mesma “matriz” (Ferreira, 2006, p. 226), resulta em parte daquilo que me parece ser a anulação ostensiva das potencialidades (e correlativas limitações) do corporativismo para enquadrar teoricamente as implicações sociais e políticas decorrentes da necessidade declarada e entretanto consagrada de desenvolvimento económico do país – de que homens de formação técnica como Sedas Nunes e engenheiros e economistas em geral viriam a ser os primeiros arautos, e cujas condições e consequências seriam eles os primeiros a avaliar. Com efeito, o corporativismo não foi apenas a formulação doutrinária de um modelo de organização económico-social a impor de cima para baixo (juridicamente ou por doutrinação das elites), ou um princípio formal de representação política, decorrente daquele e assente numa conceção estritamente organicista de sociedade; enfim, o corporativismo foi algo mais do que mera barreira ideológica que teve de ser superada por “salto epistemológico” para que o “social” pudesse ser sequer pensado.

Historicamente, e como têm notado alguns autores, o corporativismo foi também um sistema hierarquizador e centralista de representação setorial de interesses e de autoridade estatal, que de resto não se esgotou nos regimes que o formalizaram enquanto tal; mas foi igualmente, e de forma mais restrita, um princípio de regulação social ou até mesmo um instrumento (institucional) de intervencionismo público – compatível, diga-se, com as orientações genéricas da doutrina social da Igreja a este respeito, mas que também não se confunde com ela (Donzelot, 1994, cap. 3). O facto ajudará certamente a compreender que um Gabinete de Estudos Corporativos (GEC), cuja ação, aliás, foi perfeitamente consequente com a sua designação, tenha chegado a assumir-se enquanto fórum de discussão de temáticas como as relações laborais na empresa ou a instituição de políticas sociais (Cardoso e Rocha, 2003). E surpreenderá menos por isso que as respetivas publicações e particularmente o seu periódico, a Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, se tenham constituído desde logo enquanto veículos (entre outros) de introdução e, só até certo ponto, de vulgarização da teoria social e da sociologia em ­Portugal – saber de que Sedas Nunes foi seguramente o mais destacado promotor, embora não o único, aqui e noutros locais da orgânica oficial. Nas páginas daquela revista, por exemplo, e ainda antes da integração de Sedas Nunes no GEC, eram já frequentes algumas referências à sociologia (ou a alguns dos seus cultores) em artigos como “Reformas de estrutura (Introdução a um estudo de Economia)” e “Notas sobre o marxismo”, do também economista Francisco Pereira de Moura (1950, 1951), ou “Breves considerações sobre alguns problemas sociais contemporâneos”, do jurista e subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social António Jorge da Motta Veiga (1951).

A este título, porém, e no que se refere à eventual incompatibilidade entre corporativismo e sociologia, a edição em livro de Situação e Problemas do Corporativismo (1954), de Adérito Sedas Nunes (originalmente publicado como artigo na Revista do Gabinete de Estudos Corporativos com o título “Teoria e problemas do corporativismo”), é duplamente sintomática. Por um lado, porque se tratava efetivamente de um confronto crítico com a doutrina corporativa, através do recurso a um instrumentário teórico-sociológico mas com o objetivo declarado de superar formulações abstratas e de realizar o corporativismo na prática. Efetivamente, o “pré-corporativismo” então proposto não representava, nos termos do texto, o abandono (gradual, que fosse) de uma utopia tida agora por irrealizável face ao confronto crítico com a sociologia (e, por sua via, com a realidade social), mas mais propriamente uma estratégia para a sua progressiva (e, por definição, necessariamente incompleta) implantação, protelada como estava por iniludíveis clivagens sociais, em si mesmas um problema para o qual se apontaria, no mesmo volume, a necessidade de se proceder à reforma das empresas – por pedagogia corporativista e por intervenção direta no meio laboral, de acordo com a teoria científico-social das “relações humanas”. (Argumento que não invalida que se abrisse assim caminho para que, a prazo, e para alguns dos seus proponentes, o corporativismo viesse a tornar-se mais propriamente um meio e não tanto um fim). Por outro lado, a redação e a própria publicação do texto no primeiro número da Coleção de Estudos Corporativos beneficiava já de si daquilo que tem sido descrito como a “segunda arrancada corporativa”, no âmbito da qual, a seguir à II Guerra Mundial, se destacariam figuras como Marcello Caetano (convidado a discursar na inauguração do gabinete, na qualidade de antigo comissário nacional da Mocidade Portuguesa) e José Pires Cardoso (seu diretor), e no prosseguimento da qual seriam desde logo implantadas diversas realizações sociais, como a extensão da Previdência ou a criação do Serviço Social do Trabalho, para além do lançamento do ambicioso Plano de Formação Social e Corporativa (Wiarda, 1977; Lucena, 1981). Efetivamente, a instituição do GEC constitui já de si “semente” (e, no seu desenvolvimento, “fruto”) de uma atitude política renovada face ao corporativismo e à ação social do Estado, e é também nesse enquadramento que devem ser atendidas as ações dos seus membros.

Ora, semelhante argumento, que o trabalho de Nuno Estêvão Ferreira não acolhe, ajuda a compreender a atenção que aí viria a ser dada aos problemas e políticas sociais (e, na sua decorrência, à própria sociologia) à margem da relevância que a influência ideológica da doutrina social da Igreja e a militância católica de Sedas Nunes tiveram nesse processo; mas ajuda também a compreender a decisiva anuência do ministro das Corporações e Previdência Social, Gonçalves Proença, à contraproposta de criação do Gabinete de Investigações Sociais junto do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, em alternativa a um novo centro de estudos corporativos. Tal decisão, de resto, encontrava-se jurídica e doutrinariamente suportada pelo referido Plano de Formação Social e Corporativa, aprovado pelo seu antecessor (Henrique Veiga de Macedo), e que contemplava explicitamente, entre outras medidas, a indicação de “Fomentar a criação e promover o desenvolvimento de centros ou gabinetes de estudos sociais e corporativos nos organismos corporativos ou em quaisquer outras instituições ou estabelecimentos, designadamente nos de natureza cultural e educativa” (Plano de Formação Social e Corporativa, p. 17).

De forma mais alargada – e é este o ponto que pretendo sublinhar a respeito da minha leitura do livro de Estêvão Ferreira, A Sociologia em Portugal: da Igreja à Universidade – a verosimilhança da tese enunciada no título começa por decorrer da desvalorização a que são submetidas algumas iniciativas mais ou menos avulsas no âmbito da sociologia de inspiração leplaysiana (a que começámos por fazer menção) e, sobretudo, do menosprezo de outros lugares institucionais com funções análogas às do Gabinete de Estudos Corporativos e do Gabinete de Investigações Sociais, como a Junta de Colonização Interna do Ministério da Agricultura ou o Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar – numa palavra, da depreciação historiográfica de outros “antecedentes” da sociologia académica em Portugal, que de facto são referidos (parte deles, pelo menos, referentes à burocracia colonial), mas cujo potencial significado em nada parece inibir semelhante conclusão.

Com efeito, desconsiderar tais iniciativas e lugares impede que se atenda em perspetiva à importância da ação de determinado tipo de agentes e institutos sob a alçada direta ou indireta do Estado (e da própria Universidade, à luz da mesma orientação), e que se integrem as figuras e os locais aduzidos no referido livro num movimento mais geral de modernização das burocracias oficiais (agrária, colonial, corporativa) e, por que não sugeri-lo (na sequência do argumento avançado por Estêvão Ferreira), da burocracia eclesiástica, e dos métodos de governo dos corpos e das almas aí praticados – em que, por razões específicas a cada qual (momentos de crise ou ambições reformistas ­renovadas, por exemplo) e por outras que se poderiam dizer transversais (nomeadamente a racionalização progressiva daqueles procedimentos), o conhecimento empírico dos diferentes domínios administrados passará a deter uma importância acrescida.

Seja como for, e no que toca àqueles antecedentes em específico, a orientação do trabalho em causa (e o respetivo corolário) coloca-o junto dos anteriores que vínhamos acompanhando. Na verdade, e não obstante a atenção dispensada à ação de agentes não académicos, e o facto de não se fazer depender (como na generalidade dos trabalhos citados) a constituição da sociologia da instauração da democracia, poder-se-ia dizer que a estrutura formal do argumento se mantém: a ruptura entre investigação social (ou a execução de “estudos sociais”) e sociologia (ou “investigações no campo das ciências sociais”) é de facto antecipada (1972) mas efetivamente confirmada; e, de forma correspondente, organismos como o Gabinete de Estudos Corporativos ou o Serviço de Informação Religiosa são implicados na história da sociologia para dela se verem elididos como não propriamente científicos ou, até mesmo, adversos à sua implantação. Enfim, poder-se-ia finalmente afirmar, para resumir, que nesse lapso identificado de dois anos entre a consagração daquela disciplina e o final da ditadura se condensa a tese de que não foi preciso esperar pela democracia para ver vingar a sociologia, mas que a sua emergência foi afinal absolutamente exterior (quando não verdadeiramente antagónica) à ação do Estado.

 

CONCLUSÃO: EFEITOS DE DESCONHECIMENTO

 

Sugiramo-lo de forma explícita: neste, como naqueles trabalhos, vemos plasmada uma certa contradição implícita entre saber e poder que não nega a possibilidade de instrumentalização (deformada) do primeiro termo pelo segundo, mas que parece pressupor a incompatibilidade genética entre ambos (hoje mais fácil de sustentar, face à configuração disciplinar dos saberes em causa, mas nem por isso absolutamente conforme à realidade, como sabemos) e, por maioria de razão, o antagonismo radical entre ciência, neste caso social, e um regime autoritário. Por outras palavras, trata-se de rejeitar à partida a própria possibilidade de que dos desígnios mais ou menos imediatos do poder possa emergir verdadeiro conhecimento (social) ou, para tornar o argumento sociológico, que daqueles desígnios possa surgir (mesmo que a prazo) conhecimento relativamente autónomo (possibilidade para que remetem, por exemplo, os conceitos de consequências imprevistas da ação ou de diferenciação de campos). Postura de partida, diga-se, com inevitáveis implicações quanto ao que se considera fazer parte da história da sociologia e quanto à avaliação que se faz do que legitimamente dela se considere fazer parte.

No que se refere a este último ponto, são ainda os trabalhos de Manuel Braga da Cruz (o primeiro já com 30 anos) que melhor dão conta em perspetiva dos sucessivos e diversificados perfis que a sociologia – chamo-lhe assim por que é assim que o autor a designa – foi assumindo em Portugal, particularmente na Faculdade de Direito de Coimbra, passando pelas primeiras derivações leplaysianas (no mesmo local) e pelas respetivas aplicações extra-académicas, até ao seu advento no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos e, já na década de 1960, no Instituto de Estudos Sociais, no Instituto Superior Económico e Social e em torno da revista Análise Social (Cruz, 1983, 2000). Relativamente a esta, aliás, e ao respetivo contexto institucional, o autor não deixa de sublinhar as funcionalidades políticas que começaram por motivá-los, sugerindo que “Com o surto de industrialização iniciado no pós-guerra, e que atinge o auge nos anos 60, e com os problemas que ao desenvolvimento económico punham os recursos humanos e a conflituosidade social” surgiria então “um novo interesse pela sociologia, formulado a partir de instituições de estudos e formação corporativa, virados para a optimização e racionalização dos recursos humanos, afectados pela emigração maciça” (Cruz, 2000, p. 467). O mesmo argumento genérico é feito também a respeito dos restantes períodos em que divide a sua narrativa.

Tal facto, porém, não invalida que a vocação sistemática da periodização proposta para a sociologia em Portugal (positivista, experimental, colonial e do desenvolvimento e do trabalho) tenda a dar por suprido o tratamento de um tema que não se esgota neste contributo (e naquela periodização). Como não invalida que o progressismo tácito da sua abordagem acabe por desvalorizar cientificamente os afloramentos mais antigos desse saber, positivistas e experimentais, a cujos contornos se contrapõe – sem referências substantivas aos trabalhos tipificados ou alusão comparativa a outros internacionais contemporâneos – a atual configuração disciplinar (académica e de natureza fundamental) do mesmo saber. Avaliação que parece também desprender-se da qualificação comparada que se imputa à designada “sociologia colonial”, considerada de integração (relativamente ao regime), à qual se contrapõem outras “utilizações” da sociologia, reputadas de “ruptura” e, afinal, verdadeiras responsáveis pela sua institucionalização.

Não pretendo discutir a natureza política do Estado Novo. De resto, e no que toca à política científica, o autoritarismo repressivo do regime não oferece margens para dúvidas (Ruivo, 1991). Também não pretendo pôr em causa o facto indisputável de que foi apenas na década de 1970 que ocorreu a decisiva afirmação da sociologia e, mais genericamente, das ciências sociais, tal como as conhecemos hoje. Mas as narrativas cotejadas, assentes numa série de pares ordenados (de utilização mais geral) que qualifica o conhecimento científico-social a) quanto aos seus lugares de produção como académico ou ­burocrático, b) quanto às suas finalidades como fundamental ou aplicado, e que no caso concreto tem nas equivalências presumidas entre democracia e ciência, por um lado, e fascismo e ideologia, por outro, uma das suas aplicações extremas, tendem a gerar efeitos de desconhecimento relativamente à história das ciências sociais, que de resto não se restringem ao período do Estado Novo. Efetivamente, e de forma mais específica, as narrativas compostas com base em semelhantes operadores tendem a desqualificar à partida escolas e saberes que acabaram por se perder no tempo, sem deixar legado institucional (como o que designámos de leplaysianismo português); tendem a desvalorizar as raízes estatais (ou afins) de outros saberes e escolas que vingaram (recorde-se o que se disse a respeito da relação entre corporativismo e sociologia); e tendem a gerar um efeito de ocultação sobre a produção de saberes em organismos oficiais do Estado, em si mesmos relevantes para a história das ciências sociais, e que em certos casos terão sido determinantes para o próprio desenvolvimento e autonomização relativa das mesmas junto da academia (veja-se o caso já referido da sociologia rural do Instituto Superior de Agronomia e muito em particular trabalhos como o Inquérito à Habitação Rural da Universidade Técnica de Lisboa, e outros resultantes da parceria institucional e científica entre aquele instituto e organismos do Ministério da Agricultura, como a Junta de Colonização Interna e a Junta Autónoma de Obras de Hidráulica Agrícola).17

Diga-se, para terminar, que as mais recentes sínteses da história da sociologia em Portugal não fazem qualquer referência ao Gabinete de Estudos ­Corporativos ou à sociologia rural do Instituto Superior de Agronomia, para citar dois casos apenas. Na verdade, é possível dizer – tendo por contraponto os trabalhos que acompanhámos com maior detalhe, que no seu conjunto (e praticamente sem recurso a fontes externas) permitem traçar um quadro bastante alargado e diverso daquela história – que parece estar a assistir-se, depois dos primeiros trabalhos de Manuel Braga da Cruz, e com a notável exceção do trabalho de Nuno Estêvão Ferreira, a uma depuração progressiva da narrativa que dá conta da emergência e institucionalização da sociologia no país. Semelhante possibilidade merecerá certamente ser averiguada, à luz das atuais condições de produção de conhecimento sociológico e histórico-científico. Enfim, importa sobretudo regressar às fontes disponíveis e procurar alargar, passo a passo, os termos daquela narrativa.

 

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NOTAS

1   Bolseiro de pós-doutoramento SFRH/BPD/73985/2010. Este artigo constitui uma versão de um capítulo da minha tese de doutoramento (Ágoas, 2011) e foi desenvolvido no âmbito do projeto financiado pela FCT “A Formação do Poder Estado em Portugal: Processos de Institucionalização de 1890 a 1986” (PTDC/HIS-HIS/104166/2008).

2  V., por exemplo, a mais recente síntese dos trabalhos sobre o tema: Pereira (2009). V. ainda Machado (2006). A par destes dois artigos, os trabalhos revistos são os seguintes (por ordem cronológica de publicação): Sá (1978), Cruz (1983), Almeida (1991), Fernandes (1996), Almeida et al. (1999), Cruz (2000), Pinto (2004), Gomes (2005), Ferreira (2006), Pinto (2007).

3  Sobre o conceito de “disciplinarização” v. Mucchielli (1998, p. 9). V. ainda Chartier (1989) e Blankaert (1995). Cada um destes três textos retoma as reflexões de Foucault (1997) acerca dos contornos discursivos e institucionais daquela figura epistémica (disciplina).

4   Garcia (1918), Reis (1919), Gonçalves (1922) e Silva (1926).

5  Refira-se que segundo o próprio Descamps, Falcão Machado, juntamente com Serras e Silva e José Fontes, assistiriam na execução da obra; da estadia do sociólogo belga em Portugal resultaria ainda Histoire sociale du Portugal (Descamps, 1959), «aplicação do método ao estudo do passado» que só viria a ser publicada após a morte do autor (cf. Descamps, 1941, p. 33).

6  Não obstante, registe-se a resposta de um dos alunos da referida cadeira (Santos, 1936).

7  A primeira conferência seria repetida no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (cf. Wloszczewski, 1941, p. 1). O título da comunicação mencionada era “Les buts et les méthodes dans l’enquête sur la strucuture sociale des agglomerations humaines” (cf. Congresso Nacional das Ciências da População, 1940, p. 102). Sobre o autor v. Rolo (2002).

8  O autor referia, entre outros (e com algumas imprecisões aqui corrigidas): Porto (1944), Amorim (1944), Dias (1945), Melo (1946).

9   Hespanha (1996, p. 2, n. 5) faz referência a estes trabalhos no referido contexto.

10  De acordo com Mendes Correia, à época diretor da referida Escola, o convite à socióloga belga sucedera-se a uma série de lições por ela efetuadas na Faculdade de Direito de Lisboa (Correia, 1954).

11   Arquivo Histórico do Ministério do Trabalho e Solidariedade, “Junta da Acção Social, Comissão Executiva, Relatório de Actividades – 1962”, Fundo da Junta de Acção Social, Comissão Executiva, Caixa 468.

12  Arquivo Histórico Ultramarino, “[Relatório final, Colóquio Pedagógico. ISCSPU. 1968]”, p. 4, AHU/UM/DGEDU/RE/CX 165.

13  Sobre o tópico v. Ágoas (2012).

14  Como afirmarei mais adiante, os trabalhos citados de Manuel Braga da Cruz (v. nota 1) representam uma exceção parcial àquela regra; relativamente à tradição leplaysiana, esses trabalhos seguem no essencial as informações avançadas por Machado (1962). Sobre o tópico, não obstante, v. Kalaora (1989) e Medeiros (1985).

15  V., por exemplo, Porter e Ross (2003).

16  Sobre as iniciativas científico-sociais do setor reformista do catolicismo português v. também Gomes (2005).

17  Sobre estes últimos trabalhos, recentemente estudados, v. Ágoas (2011). Sobre o Inquérito à Habitação Rural, em específico, v. também Leal (2000, cap. 5). Neste trabalho, o referido inquérito é analisado no âmbito de um outro campo discursivo (a etnografia) e no quadro de um debate já antigo acerca da arquitetura popular portuguesa. Neste contexto, e na transição do século XIX para o século XX, começará por destacar-se o etnógrafo Rocha Peixoto, particularmente sensível, desde logo, à diversidade de tipos habitacionais populares do país (Leal, 2000, cap. 4).

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